CAPÍTULO XX – PARA OS QUINTOS DO INFERNO SEM COMPAIXÃO GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: NOVELA @@@


Ser sumo representante de alguma coisa eleva aos auspícios o orgulho, vaidade, o nariz empinado, mas a responsabilidade ultrapassa quaisquer manifestações da alma, pequeno deslize seja de que ordem for leva a vaca ao brejo, mete as mulas no mata-burro, leva tudo a perder, orgulho e vaidade tornam-se zeros à esquerda ou obtusos, como se queira dizer. Melhor ser medíocre representante, mas ninguém deseja isto para si, quer logo a grandeza.

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Os papas ajuízam-se vigários de Jesus Cristo, mas se requeressem conformar-se  à vida de Deus seu mestre; se sofressem com paciência e resignação os seus padecimentos e sua cruz, mostrando a mesma indiferença, desprezo pelo mundo; se meditassem, refletissem séria e intelectualmente sobre o belo nome de papa, isto é, de pai, e sobre o santíssimo epíteto com que são laureados, honrados, quem seria mais desgraçado que eles? No meu medíocre juízo não há quem, isto não dizendo sumo juízo, vociferaria coisas ou características desse ninguém os ouvintes tapariam os ouvidos. Quem desejaria comprar, com todos os haveres, como se compra um apartamento mobiliado, esse eminente cargo, ou quem, elevado ao mesmo, desejaria com todas as fissuras, para suster-se nele, empregar a espada, os venenos, toda a sorte de violências? Ah, quantos bens inestimáveis perderiam eles, se o intelecto e a sabedoria por um instante de seu ânimo se revelassem? O intelecto – “tudo é corolário do intelecto”, “o intelecto queda arrasado pelas quimeras não reconhecidas”. Compreenderiam isto? A sabedoria?! Suficiente seria que tivessem pequenito grão de sal de que fala o Salvador. Perderiam as imensas riquezas, honras divinas, vasto domínio, gordo patrimônio(existe um Estado que cumule tanta riqueza, luxo, verdadeiro patrimônio de ostentações  que o Vaticano? Não o conheço eu), faustosas vitórias, cargos, dignidades, ofícios de que participam; fruto de todos os favores, de todas as indulgências com que vão traficando tão vantajosamente, numerosa corte de cavalos, mulas, servos, delícias e prazeres de que gozam continuamente.

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Ah, senhores, tendes vós  noção de quantas coisas precisariam perder, sendo que isto é apenas uma sombra da felicidade pontifícia. Todos esses bens seriam logo sucedidos pelas vigílias, jejuns, lágrimas, preces, sermões, meditações, suspiros e mil outros trabalhos de natureza similar. Tantos escritores, copistas, notários, advogados, promotores, delegados civis, promotores, escudeiros, palafreneiros, rufiões (não tenho mesmo papa na língua, tenho de aprender a respeitar os ouvidos castos; isto é impossível, sou nascida para rasgar os verbos tresloucadamente); sumarizando, toda a prodigiosa turba de pessoas de toda classe e nível que estragam a Sé de Roma. Seria o mais detestável delito querer reduzir à sacola e ao bastão os sumos monarcas da Igreja, os luminares do mundo. Sustentam eles que a Pedro e a Paulo competia viver de esmolas, ficando com todo o peso do pontificado, mas eles podem comodamente sustentá-lo, reservando-se eles, para si, somente o que no mesmo existe de exultante e agradável. Pergunto eu com toda a sutileza sutilíssima do sutil: não fazem muito bem? Graças a mim, aceitem ou não, joguem-me pedras ou não, é que em tempo algum houve um papa que vivesse no ócio e na moleza. Os afazeres episcopais consistem em arrebiques misteriosos e quase teatrais, cerimônias, títulos faustosos de beatíssimo, reverendíssimo, santíssimo, em bênçãos, e maldições. Julgam eles que já fazem, realizam a vontade de Cristo, sem ao menos suspeitarem do que poderá este dizer-lhes na “lata” algum dia.

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Ser pobre, oh que coisa indecorosa! deixar-se vencer é muito vergonhoso, indigno de um homem que mal consente que lhe beijem o beatíssimo pé os reis mais poderosos; finalmente bater com as botas ou com as dez, oh! é a mais amarga de todas as coisas! ser crucificado – urra – é uma infâmia horrorosa.

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Pois bem, eminentíssimos senhores, alevantemos os finalmentes! As armas dos papas não consistem todas naquelas ductilíssimas bênçãos de que fala São Paulo e das quais são eles tão avaros. Consistem elas em interdições, suspensões, gravames, anátemas, pinturas vingadoras, e naquele terribilíssimo castigo pelo qual um beatíssimo clérigo pode mandar sem trocar de veste, sem trincar os dentes, qualquer alma para os quintos do inferno sem piedade, compaixão.

RIO DE JANEIRO(RJ), 20 DE JANEIRO DE 2021, 13:47 p.m.    

 

 


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