CAPÍTULO X AOS MORTAIS UMA DICA DOS SUPLÍCIOS ETERNOS GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: NOVELA @@@@


Inda não houvera tido a oportunidade nestas intempestivas considerações de mim algo de máxima importância. E por que não? – vós indagais. Razões não as tenho. Tendes de compreender que razões de mim é desvario dos mais insólitos. Contudo, digo haver tempo para as coisas. O tempo de referir-me a isto é chegado.

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A que me refiro com tanta eloqüência? Refiro-me ao furor. Antes de quaisquer apresentações, sine qua non é reconhecer que há duas espécies de furor: um advém do fundo do Hades, e são as fúrias que o remetem para a terra. Essas atrozes e vingativas divindades tiraram uma porção de serpentes e lançaram suas escamas sobre os homens quando tinham fissura indômita em castigá-los por seus crimes com irreverência sem cancelas.  Dizer serem elas bondosas é apenas eufemismo para evitar seus verdadeiros nomes por medo de atrair suas cóleras. Castigam elas a ira, a cólera, a soberba, rancor, inveja, cobiça e ciúme, açoitam os culpados e enlouquece-os. Tem nisto a devoradora sede do ouro, da fome de poder e glória, da carência da paz e da compaixão, o infame amor, o peso da consciência e todos os flagelos semelhantes para legar aos mortais uma dica dos suplícios eternos. Antes de meu renascimento, consentia eu que a minha origem era de Tisífone, uma das fúrias que enlouquecia os homens, mas não aceitava isto de modo algum, era eu sem origem. Com esta explicitação, creio que vós compreendeis melhor as coisas.  

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Existe outro furor in totum contrário ao supra mencionado. Quem o proporciona aos homens? Indagais de mim com sorrisos cínicos e sarcásticos, olhos frios de perfeitos cinismos, como se soubésseis a resposta, esperando a minha dignidade e honra em dizê-lo. Ora essa, senhores, acaso tenho papas na língua, minha língua é de ampla visão digo o que tenho a dizer para não restar dúvidas do que penso, mesmo que não agrade a ninguém, ponha-me em risco de ser apedrejada, inimiga de todos, condenada ao exílio. É a força de meu caráter. Sou quem o proporciona aos homens, devendo sempre desejá-lo como o bem maior. Então, sendo que estamos a trocar dedos de prosa, em que pensais que consista esse furor ou loucura? O que tendes em mente? Consiste em certa bitolação do espírito – alienação é pouco para expressar a coisa – que distancia de nosso ânimo qualquer preocupação incômoda, infundindo-lhe os mais serenos deleites.

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Não vos posso afirmar com categoria se se trata de lenda, de fábula, de “causo”,  mas vou arrebicar com isto para dizer desse furor que há horas venho matutando para que vós entendais. O que eu entendo, sendo a loucura, vós rechaçais, sendo a razão. Dizia-se que num circo havia um palhaço louco de pedras, a sua loucura amenizava-se só na sua representação do papel. Durante o dia por horas ficava sentado no picadeiro, imaginando estar a assistir a fabulosa representação dos motociclistas no Globo da Morte, embora na verdade nada se representasse, aplaudia e divertia-se à grande. Fora dessa loucura, era ele, em tudo o mais, excelente pessoa, boa gente, complacente e fiel com os amigos, não se enfurecendo com nada.  

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Peço-vos a data vênia e a finesse destilada a compreensão do lero-lero aqui neste instante de nossa troca de dedos de prosa, algumas posições não tendo ficado esclarecidas é que me dispersei poucochito, conservei o fio da meada com muitos esforços e labutas. O que remeto aos homens com todo o fervor intempestivo de minhas considerações é algo realmente sublime na natureza humana  que os homens sejam determinados a ações por meio de lei pura da razão e chegam até mesmo a compartilhar da ilusão que os leva a tomar algo subjetivo nessa determinabilidade da vontade como algo estético, efeito de um particular efeito sensível. Então, sob o efeito desta minha colocação é também de essencial importância, importância elevada à “n” potência, cultivar da melhor forma possível o meu efeito sobre esse sentimento. Assim, é que se começa do in-verso para se atingir o verso, verso este que castiga a razão por seus despautérios, instituindo-me como o senso da sensibilidade e do sublime, via para a felicidade. Caço como gato, castigando os efeitos da razão.  

RIO DE JANEIRO(RJ), 16 DE JANEIRO DE 2021, 01:29 a.m.     

 


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