CAPÍTULO XXII – MENS SANA IN CORPORE SANO GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: NOVELA @@@@


Em riste a minha língua, pergunto-vos, eminentíssimos senhores, o que é isto mundanos? Vós não havereis de contestar ser mundano para a plebe é ser boêmio, vagabundo, andarilho, aqueles sem quaisquer responsabilidades com suas vidas, com os rumos do mundo e dos princípios, valores e virtudes. Está ele incluído nos termos que os interesses, ideologias vulgarizaram, tornaram imagem de discriminação, preconceito, a razão solidificou. No entretanto, longe está de ser isto.

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A principal ocupação dos mundanos outra não é senão a de acumular riquezas, glórias e contentar em tudo por tudo o próprio corpo, pouco ou de modo algum se importando com a alma, cuja existência, por ser invisível, muitos chegam a duvidar. Já as pessoas que se exultam com o fogo, chamas, faíscas da religião entupigaitada de preceitos e dogmas seguem vias opostas e depositam toda a confiança, fé e esperança em Deus, que é o mais simples de todos os seres – para quem não acredita que Deus seja um Ser, acreditam ser Espírito, nada disso, não definem o que seja, Ele mesmo diz: “Sou aquele que é...’: depois d´Ele e dependendo d´Ele, pensam, cogitam na alma como sendo a “coisa” – chamar a alma de “coisa”, que nome atribuir a quem assim considera? – que mais próxima está às divindades. Assim é que não pensam no corpo e não só desprezam os bens da fortuna como até os rechaçam ipsis verbis e litteris. E quando, por dever irrevogável, são impingidos, como pais de família, a pensar nos interesses temporais, por ai se desembocam contra a vontade e experimentam vivo pensar, porque tem como se não tivessem e possuem como se não possuíssem.

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Inacreditável como os homens são! Chamá-los de seres racionais deveria ser considerado como “pecado original.”

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Existem outros níveis de diferença entre os que apologizam o corpo e os que in totum se entregam à pia cultivação da alma. A máxima latina Mens Sana in Corpore Sano se desfacela. Para melhor considerarmos estes níveis, tornando-lhes inteligíveis, instituemos princípio inconteste sob qualquer ponto de vista, a amplitude de visão.

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Apesar de que todos os sentimentos da alma tenham intrínseca cor-respondência com o corpo, há, entretanto, duas espécies: uns são materiais, como o tato, a audição, a vista, o olfato e o paladar, isto é; outros tem menor relação com os órgãos, sendo eles a memória, o intelecto e a vontade.  Resulta daí que a alma tem maior ou menor força à proporção que se aplica mais ou menos a esses diversos sentimentos. O que mais se aproxima desses sentimentos é a entrega, à admiração, e esta, como emoção, isto é estupefacção, pode também se relacionar a coisas, à grandeza, à magnificência... Há os que se abandonam à piedade, tornando-se o quanto podem, a forças são capazes, superiores aos sentidos, mortificando-o a tal ponto que acabam perdendo toda sensibilidade – a apologia da razão decepou a sensibilidade -, consideremos também os sensuais que possuem grande vigor de ânimo pelos sentidos do corpo e uma fraqueza insofismável pelos da alma. Há paixões que afetam o corpo, além disso, como o amor, a sede, o sono, a cólera, a soberba, a inveja, contra as quais movem os veros devotos, se é que se pode acreditar havê-los, ao passo que os adeptos da natureza acham que não se pode viver sem estas cositas. Neste ínterim, diz-nos Descartes, em as Paixões da Alma: “... não notamos que haja algum sujeito que atue mais imediatamente contra nossa alma que o corpo ao qual está unida e que, por conseguinte, devemos pensar que aquilo que nela é uma paixão é comumente nele uma ação, de modo que não existe melhor caminho para chegar ao conhecimento de nossas paixões do que examinar a diferença que há entre a alma e o corpo, a fim de saber a qual dos dois se deve atribuir cada uma das funções que existem em nós.” Quase todos os seres humanos possuem algo dessas paixões, mas as pessoas  pias fazem tudo para extirpá-las do coração ou ao menos espiritualizá-las.

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Então, sensivelmente dizendo, segundo os princípios que adopto, a infinita recompensa desejada com relação à “mente sã em corpo são” não é senão uma espécie de furor. Oráculo de Platão confirma com esmero este testemunho por mim defendido: “O furor dos amantes é de todos o mais feliz.”

RIO DE JANEIRO(RJ), 21 DE JANEIRO DE 2021, 17:05 a.m.       

 


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