CAPÍTULO IX ESTAR EQUIVOCADO É UM MAL? GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: NOVELA @@@@


Sábios não são aqueles que adquiriram, acumularam grandes conhecimentos – creio que o monge Thich Nhat Hahn se aproveitou de minha fala para construir este seu universo budista – mas aqueles que transformaram o conhecimento em espírito da vida, espiritualizaram-se. Dizem eles ser um mal sem precedentes estar equivocado; eu, ao contrário, tiro as vestes e piso em cima, sustentando que não estar equivocado é o mal por excelência, nada se lhe é capaz de igualar, pois que o equívoco pode ser gancho para o encontro de certezas, mesmo que efêmeras.  Grande extravagância é desejar fazer consistir a felicidade dos homens na realidade das coisas, quando esta realidade depende com exclusividade do ponto de vista que dela se tem. Nada mais concreto que isto.

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Tudo na vida é tão obscuro, enigmático, misterioso, tão oposto, tão cheio de antinomias, tão adverso, que não podemos certificar-nos de nenhuma verdade. Quem diz ou disser haver encontrado a sua verdade, com efeito encontrou o seu despautério. Se há verdades que, tendo sido demonstradas, fundamentadas e comprovadas, não deixam lugar às dúvidas, quantas não serão as que inquietam a tranqüilidade, os prazeres da vida, não deixam os homens com as calças na mão angustiados com as incertezas? Surpreende-me bastante como os homens são desmiolados, e eles mesmos não tem a mínima noção disto. Querem por que querem, dão a própria vida em nome de ser enganados e estão sempre disponíveis a deixar o verdadeiro para desembestar atrás do falso, da hipocrisia, e fazem a vida neste obtuso métier, acenam adeus à vida felizes e saltitantes, e dizem a última frase clássica antes do desenlace: “Fui hipócrita e falso, morro feliz; era a minha vida.” Talvez haja quem, não o sei, queira disto uma prova sensível e incontrastável. Talvez não haja. Mesmo assim apresento-a com toda solidez e insolência. Vai passar batido, mas não há problema. No futuro, não o será. É uma questão de lançar as coisas ao longínquo.

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Basta assistir a uma homilia e conferirá que, quando o cacarejador(oh, que falta de respeito, de ética, de postura com os clérigos. Que injúria descabida! Mas é que a língua me tomou o senso e rasgou o verbo, quando percebi já havia dito, não há como desfazer, mas peço perdão, esperando com isto não ser condenado a purgar este pecado no caldeirão do inferno); desejava dizer: quando o pregador aborda o tema de sua homilia com seriedade e apoiado em argumentos, os fiéis dormem, bocejam, tossem, assoam o nariz, relaxam o corpo inteiramente nauseados. Se, porém, o clérigo, como sempre acontece, conta uma velha fábula de Jesus Cristo ou um milagre da lenda, então os fiéis de imediato se despertam, agitam-se, os dorminhocos acordam, todos os ouvintes se levantam do banco, erguem a cabeça, esbugalham os olhos, prestam toda a atenção, saem da igreja introspectivos e macambúzios, pensando na mensagem que a fábula traz para si próprios.  Observei algumas vezes que, ao celebrar-se numa igreja a festa de um santo poético, de um São Jorge, de uma Santa Bárbara – e fi-lo numa igreja de uma cidade construída no fundo de um abismo, na verdade um buraco de mundo, um povo eminentemente alienado -, em geral costuma consagrar-lhe uma pompa e uma devoção bem maiores que a que se consagra a São Pedro e São Paulo, e do próprio Nosso Senhor.

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Então, é um mal ou não estar equivocado? Sabê-lo, conforme a minha exposição, mister é chafurdar-se no meu abismo sem fundos de precedência. Deixo em suspenso a resposta a este questionamento. Dar a resposta não é aconselhável. As mentes precisam pensar e refletir. Digo: “Eu penso-sinto para falar e falo para que pensem, meditem, refletem”. Só os néscios concluem uma idéia, um pensamento, não por lhes ser de práxis, mas por que tem preguiça de espremer os miolos e virem as gotículas das coisas novas pingarem na lama devido à tempestade matutina.

RIO DE JANEIRO(RJ), 14 DE JANEIRO DE 2021, p.m.        

 

 


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