CAPÍTULO XII – CONFORME A MINHA NATURAL FACILIDADE GRAÇA FONTIS: PINTURA Maanoel Ferreira Neto: NOVELA @@@


Oh ingratidão! Não há problema. Continuo existindo conforme as forças e disposições da consciência de quem sou e represento no mundo. Se não fora antes reconhecida, compreendida, meu signo ser a incompreensão, por que o seria hoje que assumo a amplitude de visão de minha língua, a hegemonia de minha liberdade, a superioridade de minha consciência? Aliás, tanto melhor a incompreensão, fortalece-me as energias, faz-me crescer a vitalidade para amadurecer a visão das coisas, cada vez mais sendo eu própria, intensificando a minha autonomia. Conheci um escritor, a quem estimei sobremodo, que frágil, enfraquecido foi tomado de inspiração de chamas ardentes e iniciara a escrever um romance, com todas as dificuldades devido à doença continuou a escrevê-lo, recuperou-se e deu continuidade ao seu trabalho.

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Ninguém se prestou a conceder-me honras divinas, em consagrar-me um templo com uma linda efígie. Fala-vos com franqueza, tendo já dito ser uma de minhas características, tamanha ingratidão me surpreende, embora pouco se me dando, estando-me nas tintas com isto, conforme a minha natural facilidade, não levo a coisa a mal. Cheiraria à sabedoria e seria indigna de ser eu, se reclamasse essas honras divinas, rogasse clemência, aquela cosita sublime que diz quem sente pena de si acaba depenado. O que os homens se me ofereceriam sobre os altares? Um pouco de incenso, para intensificar as energias positivas, um bode, um porco. Poderia eu permitir que degolassem essas inocentes criaturas para deleitar-me o olfato? Oh! que imbecis bagatelas. Possuo um culto, um culto sim, culto este que abrange o mundo inteiro os mortais ipsis litteris me prestam, os teólogos o consolidam pelo exemplo. Não possuo a bárbara e barbárie ambição de Diana, que vê as vítimas humanas, Zeus que deita nas nuvens para rir das mazelas e achaques dos homens à revelia, mas creio, às avessas, ser religiosamente servida e venerados, quando me vejo esculpida pela graça do dom de uma escultora em cada coração e representada pelos costumes e condutas.

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A propósito de culto – não o dos evangélicos que vangloriam mais o demônio que a Deus através das censuras àquele -, o que os cristãos prestam aos santos consiste quase todos em imitá-los, plagiá-los e amá-los. Oh! como são inestimáveis os que, em plena Hora do Angelus, acendem velas aos pés da Virgem Mãe de Cristo, mas, todavia, contudo, no entretanto não se encontra quase nenhum que siga os seus exemplos de castidade, modéstia, zelo pela causa da salvação. A imitação de suas virtudes seria o único culto capaz de assegurar o céu aos devotos.

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Por que haveria eu de exigir um templo, se possuo um tão vasto , que é a terra inteira? Não me faltam ministros, bispos, cônegos, monsenhores, sacerdotes, salvo nos lugares onde não existe nenhum homem. Não desejaria que me julgásseis tão imbecil ao ponto de preocupar-me com isto de imagens e estátuas, tais figuras seriam de resultados bem funéreos para os nossos cultos, pois que inúmeras vezes acontece que os devotos e materiais tomam a imagem pelo santo e, nessa instância, a minha sorte seria a mesma dos que são suplantados por seus vigários. Todos os mortais são efígies a mim erigidas, imagens vivas de minha pessoa, mesmo contra a própria vontade.

RIO DE JANEIRO(RJ), 16 DE JANEIRO DE 2021, 16:44 p.m.      

 


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