EM QUE LÍNGUA ESCREVER...? GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: POEMA @@@@



Em que língua escrever
As travessias das nonadas
Ao vazio do tempo que corre
Para o nada da floresta?
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Em que língua escrever
As declarações de amor
À amada que se encontra distante,
Afagando o peito que se dissolve
Em saudades, melancolias, nostalgias?
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Em que língua escrever
Os passos que deixam pegadas
Na areia da orla marítima,
Rumo à igrejinha solitária,
Rezando preces, rogando magias?
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Em que língua escrever
O “causo” mineiro
Que ouvi contar
Sobre o saci-pererê
Que se enamorou tresloucadamente
De uma sereia,
Todas as noites de lua cheia
Chorava e chorava e chorava
Porque não podia dividir a doca
Com a amada,
Não sabia nadar?
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Em que língua escrever
A pena que desliza suave,
Serena nas linhas da página,
Descrevendo as estrelas
A velarem o ossuário da terra,
A lua incidindo no telhado
De um casebre solitário
Habitado por ninguém?
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Em que língua escrever
A passagem do tempo
Na ampulheta sobre a mesa,
Ao lado do candelabro
De três velas,
Antítese,
Síntese,
Tese de sinais deixados
Nas mensagens herdeiras
Sem arte nem musa?
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Escreverei em tupi guarani?
Escreverei em latim clássico ou vulgar?
Escreverei em grego?
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Palavra nenhuma,
Letra alguma,
Ante a lingüística
Da amplitude da visão,
Ante o perpétuo não da metafísica,
Sobe ao Ser,
Sem antes ritmar
Os sons,
Ora à luz dos sonhos,
Ora à mercê dos devaneios,
Ora ao léu das verdades,
Ora à cata do mal e do bem...
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Escuto na palavra
A festa da solidão,
O vazio de si mesma
Nada é inacessível
No silêncio ou no poema;
Vivo na delícia nua
Da inocência aberta
De em que língua
Escrever o tempo
Acariciando as dunas.
RIO DE JANEIRO(RJ), 30 DE JANEIRO DE 2021, 08:51 a.m..

 

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