CAPÍTULO XIII – ÁCIDO TRIBUTO DESTILADO AO VULGO GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: NOVELA @@@


Não poderia em quaisquer circunstâncias viáveis ou inviáveis furtar-me a tecer ácido tributo destilado ao vulgo, preferindo-se pode ser “gentalha”, o que seria infame injustiça e isto não é de minha práxis insana. Relevante é que toda a “gentalha” me pertence, pois tão fecundo é em toda sorte de loucuras, tal é o número das que des-cobrem no quotidiano de todos os dias que mil Gogol seriam poucos para rir-se destrambelhadamente, sendo que esses mil Gogol ainda precisariam de outro Gogol para rir-se delas. Que bela sinfonia de risadas não se ouviria! Só eu um solo maior, um campo em exultação posso sobrelevar as forças subjacentes a quem procura já cansado das inglórias o relevo da liberdade.

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Fascinante dizer quanto esses ásperos homenzitos servem a todos os momentos de divertimento, de uso e de chacota  aos deuses. Não sabeis vós, contudo sendo vero, que os deuses são sóbrios até à hora do almoço, empreendendo essas horas matinais em contenciosas deliberações, em ouvirem, auscultarem, escutarem as preces íntimas e calorosas dos mortais. Terminado o banquete de tantas guloseimas deliciosas, regado a vinho de excelente qualidade, ao sentirem subir à cabeça  os vapores desse néctar servido a largos goles, não sabem mais aplicar-se a assuntos de algum valor indescritível. O que tendes vós em mente que eles fazem, então, para restaurar o cérebro, recuperarem o senso? Reúnem-se todos na parte mais elevada do céu, no Olimpo, e, sentados lá em cima, olham para baixo, divertindo-se à grande com o espetáculo das várias ações, atitudes humanas. Deuses imortais. Que bela e ridícula comédia não resultará de todos os movimentos da “gentalha”! Bem posso dizê-lo, pois que, por vezes, participo desse divertimento das divindades poéticas.

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Um se apaixona tresloucadamente por uma mulherzinha, e quanto menos correspondido mais ardente se torna a chama de sua paixão amorosa; um contrai o matrimônio com o dote e não com a rapariga, no sentido lusitano desse termo; outro prostitui a mulher, vendendo-a ao primeiro que encontra; outro, finalmente, agitado pelo demônio do ciúme, espia como um Argos a conduta da esposa, arma barraca à porta do motel para conferir se a mulher sai, acompanhada do amante ou não, como lhe disseram ser naquele específico lugar o ponto de encontro de ambos; que coisas esquisitas se dizem e fazem, quando morre um parente próximo! Chega-se a ponto de pagar a pessoas que finjam chorar e gesticulem como cômicos – não são estas as tais lágrimas de crocodilo? Não, não são estas: estas dizem respeito à hipocrisia dos parentes que derramam lágrimas sem haverem sentido nada pela pessoa, sentiram mágoa e ódio dela por alguma razão, tornaram-se inimigas. Quanto maior a alegria sentida pelo coração, tanto maior a tristeza que o rosto aparenta, o que originara o provérbio grego “Chorar na sepultura da madrasta” Este tira o quanto pode, seja de onde for, e dá de presente à própria barriga, arriscando-se a morrer de fome, após satisfeita a gulodice; aquele põe toda a felicidade no ócio e no sono; há aqueles sempre preocupados com os negócios alheios, descuram in totum dos próprios interesses; vêem-se os que contraem dívidas para pagar as dos outros e, quando se julgam enriquecidos, verificam que estão falidos. Mas, depois, como se riem os deuses das futilidades dessa “”gentalha”; vêem-se alguns sequazes de Pitágoras, para quem todos os bens são comuns, que usurpam conscientemente tudo que podem, como se conseguissem herança legítima. Os homens agitados e sediciosos andam sempre atrás, como cachorrinhos de madame, de coisas inéditas, enquanto os inquietos meditam grandes empresas.

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Seria eu própria profusamente estúpida e vil, merecendo que Voltaire se risse de mim a valer, se pretendesse descrever todas as extravagâncias e loucuras da “gentalha”. É o instinto de conservação dos princípios escusos que lhes ensina a serem levianos, volúveis e falsos.

RIO DE JANEIRO(RJ), 17 DE JANEIRO DE 2020, 07:15 a.m.     
   

 


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