CRIANÇAS OUTRA VEZ II PARTE GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: AFORISMO @@@@


Atrás de algo haver algo, isto é indubitável, se não, não haveria o atrás dele, tanto que o adágio "De por trás desse mato, não saí coelho"; fato é que o "atrás é real".

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Nas bases deste intróito, o que haveria de por trás da coragem? Ser ela já, e consciente, real, resta dar-lhe rédeas para as realizações que facultem a construção dos sonhos e esperanças da existência, desvele os mistérios e enigmas do Ser, as lutas pela justiça e humanidade, o que justificaria espremer os miolos à cata de saber o atrás dela. Cabeça vazia é tenda de cogitações inúteis. Aí que está a questão primordial: saber-lhe é sine qua non para empreender outras visões das coisas, para eivar a coragem de outros valores e forças. Aí não está a minha força, o amalucamento e o desvario? Só uma louca como eu para eivar a coragem com o atrás dela, não sendo outro senão o medo. O medo é saudável porque evita consequências sérias, nas noutra perspectiva favorece conhecimentos indescritíveis das forças psíquicas, de seus jogos de gato e rato, as perspicácias do gato, as asnadas do rato.

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O que há atrás do medo da velhice? A coragem irreverente de empreender outras reflexões que prolonguem a vida, realizem o que sempre fora o essencial para a espiritualidade? Ou simplesmente o medo da morte, a decomposição de por baixo da terra da matéria? Não há quem não a tema, capaz de dar chiliques homéricos só de imaginá-la.

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O que há atrás da velhice? O delírio e eu não somos próprios das crianças, não somos as suas frutas deliciosas? O que mais lhes deixam excitadas, com fogo no rabo, pentelhada, em suma o que mais lhe aprazera? A falta de juízo, eis a resposta. Uma criança que verbalizasse o bem e o mal com todas as suas contradicções e dialécticas não seria um monstro? Quem poderia negociar com um velho, relacionar-se com ele, se este estivesse aliado a longevas experiências de fracassos e falências, fosse um zero à esquerda de condutas e posturas espúrias? Nem louco o faria, o louco também tem suas intuições saudáveis.

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O velho se torna criança outra vez. O meu pentelho não desagrada, não irrita, não sente urticária pela vida sofrida na idade adulta, deve-me a libertação de todos os seus fastientos sofreres, rugas da velhice e a porção de festanças pagãs que carregam nas costas. Tanto mais o homem se aproxima da velhice, da senilidade, não significando que se canse de viver - por isto a fala "se a morte é descanso, preferível viver cansado" -, mais sai deste mundo como as crianças, sem desejar a morte, sem chilicar com medo dela.

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Quanto à minha benevolência, compaixão, ao homem de carne e osso sou quem lhe dá as mãos, recondu-lo à idade mais bela, mágica, feliz. O que há de mais certo é que se os homens se aliassem às leis das angústias e náuseas do mundo, não conheceriam a velhice e estrebuchariam com extremo desespero com as contingências e intempéries da idade adulta.

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Então, eis a resposta aos questionamentos da infância e da velhice: só eu possuo a virtude e a sabedoria de prolongar, longevar a juventude, embora efêmera, e de retardar a desditosa velhice, daí nascendo a coragem de viver mais, sem medo de morrer.

RIO DE JANEIRO(RJ), 10 DE JANEIRO DE 2021, 11:42 a. m.

 

 


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