MIM É UM EU QUE A-NUNCIO# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Escultura de ar, minhas mãos te delineiam nua e
abstrata para o homem que não serei. Não viver para contemplá-la!
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Não é delongado mentar uma flor,
e con-sentido deambular por cima
do estreito rio presente,
construir do orvalho matutino a razão de ser,
o ímpeto.
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Terminou a titubeante angústia de meu inverno.
Dir-se-ia angústia? Não o sei. Aproxima-se a primavera. E, semelhante ao vento,
quero, inda que tardio, soprar no meio deles e, com o meu espírito, tirar o
respiro ao seu espírito: assim deseja o meu futuro. Ocultar-me a mim próprio e
à minha riqueza - assim aprendi a engolir palavras, sem lhes sentir o sabor.
Tanto melhor engoli-las, momento teria de dizê-las a curto e pronto. Liberdade
é o grito preferido; aprendi a não ter fé nos "grandes
acontecimentos", assim que ao redor deles haja muita algazarra e fumaça.
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Muita algazarra ensurdece, muita fumaça lacrimeja
os olhos. Não desejo o exílio, o abandono. À extremidade de mim estou. Eu,
implorante, eu quem necessita, quem chora, quem pede, quem lamenta, quem roga.
A que digo palavras? Palavras ao vento? Que importa se as traz de novo,
possuo-as. Eu à beira do vento. O morro dos ventos uivantes me chama. Quiça se
me patenteie, no seu cume, a simbiose entre o sujeito que transita e o objeto
transitado ao ponto que já não saiba quem é o conteúdo, quem é o continente.
Ato de criação, cometimento total que aproxima o homem do mito e dos deuses.
Qualquer que seja a metáfora ou símbolo de que me utilize, por mais que varie
da construção do verso, da tecitura da prosa, o que existe é a verbalização do
trajeto do sujeito ao objeto.
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Mim é um eu que a-nuncio. Se me anuncia o mim? Não
me é sabido sobre o que estou falando. Estou falando do nada. Eu sou nada.
Depois de morto engrandecerei e me espalharei, e alguém dirá com amor o meu
nome. No riste da palavra está a palavra. Quero usar a palavra "vale"
e não sei onde e quando. Não terá qualquer sentido, significado, quando
terminar de delinear a escultura de ar. À beira de eu estou mim. É para mim que
vou. E de mim saio para ver. Ver o quê? ver o que existe. " - Mim, existe
alguma coisa a ser vista por eu?" " - Eu, há algo a ser observado ou
perscrutado por mim?"
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Minh´alma livre procura um canto para se acomodar.
Quem sabe, acomodando-se, onde e quando usar a palavra "vulcão" se
mostrem livremente. Durmo o sono dos justos por saber nada saber sobre usar uma
palavra no seu lugar devido, quando ela transcende tudo o que foi sentido e
pensado, não atrapalha a marcha do grande tempo. Ao contrário, parece que é
exigido de mim que seja disso inconsciente, não saiba usar palavra, por meu
destino ultrapassar-me. A palavra é o próprio escritor, o próprio caminho, e o
trânsito próprio. De mim, posso afiançar nada saber disso de ser escritor. De
eu, posso corroborar o mesmo. Não sou nada disso.
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Minh´alma abandona o canto para se acomodar.
Intransigente e hiperativa não con-sente com limites. Aquele para quem a
palavra é nó górdio no peito, deve-se des-aconselhá-la, a fim de que não se lhe
torne caminho para o inferno. Dirijo-me ao mar do tempo e empreendo uma viagem
profunda pelo ilimitado vale de mim que é um eu, até me aportar nos domínios
seguros da memória.
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Quiçá possa nos recantos da memória traçar algumas
palavras no tangente a este instante de tamanha inquietude. O que é isto - ser
"eu", ser "mim"? O que sou de "eu"?, nada haver?
O que sou de "mim", se há algo a haver ou não haver, não o sei. Sei
apenas que as lavas das ideias e pensamentos estão sendo expulsas do vulcão,
descendo as suas paredes de pedra.
#riodejaneiro#, 04 de setembro de 2019#
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