**PREFÁCIO** A PROPÓSITO DE "CARTAS INESQUECÍVEIS DE AMOR, DE ANTÔNIO NILSO DUARTE, SEMPRE EDITORA LTDA., 2009 GRAÇA FONTIS: FOTO Manoel Ferreira Neto: ENSAIO CRÍTICO.



Quê ousadia!... Não há outro estilo, linguagem de expressão que explique essa atitude de prefaciar obra sem a conhecer, haver lido palavra sequer, senão a exclamação sui generis de "cor"-agem; o prefácio está fundamentado apenas no título - aliás, fui eu próprio quem o sugeriu ao amigo íntimo e das letras Antônio Nilzo Duarte, que estava indeciso. Intitulara, em princípio, "Cartas Acenadas do Amor", acolhendo posteriormente, com carinho e consideração "Cartas Inesquecíveis de Amor", sendo que a palavra "Inesquecíveis" foi idéia de Eliete.
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Sugeri-lhe o Título "Cartas de Amor" fundamentado na leitura de seus outros três livros, que relatavam sua vida ao lado de sua amada e querida dona Neusa e seus filhos, autobiografia eivada de verdadeiro amor, carinho, ternura, dedicação e, especialmente, de profunda espiritualidade, que, habitando o seu âmago, subjetivamente, conseguiu re-velar com autenticidade verdadeira, através de linguagem e estilo próprios, a vida, no tempo, situações e circunstãncias, tecida no íntimo. Curvelano algu, escritores ou petas mergulharam tão fundo nos abismos de sua alma e espírito, buscando verdadeiramente a expressão do que é isso - amar.
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Após a publicação de seu último livro, "Sentimentos da Esperança", surgiu-lhe a oportunidade do quarto; pensara em re-publicar o primeiro ou prosseguir com a publicação de outro, sobre as cartas trocadas entre ele e dona Neusa na época de noivado, quando as cartas foram o meio que os dois encontraram para continuar mantendo o relacionamento quando Neusa se mudou com a família de Curvelo para Sete Lagoas.
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Em conversas nossas, demonstrei-lhe que a re-publicação do primeiro livro atenderia às curiosidades de leitores que não conheceram a obra, mas a publicação das cartas seria testemunho de incólume divinidade na confecção de sua espiritualidade, isto é, dos sentimentos de reencontro da contingência e do espírito que se a-"nunciaram", nasceram e re-"nasceram" com os três livros anteriores. Viria a ser a comunhão de suas vidas, oportunidade do leitor conhecer e re-conhecer como, através das cartas, o amor transcendeu a mera quotidianidade e contingência, abrindo o "leque" do tempo para a consumação da felicidade e do amar ternos e eternos.
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Antes de responder se haveria algo que justificasse a "cor"-agem do empreendimento de tecer comentário de obra por mim ainda não conhecida, faz-se mister id-"ent"-ificar pormenores imprescindíveis. A empresa terá valores essenciais, se considerarmos que a intenção maior e primordial é falar do homem que conheci e de quem me tornei íntimo, quem contribuiu sobremodo com o meu crescimento humano e espiritual; depois da leitura de suas obras, de nosso relacionamento íntimo, jamais fui o mesmo. Só valores humanos e artísticos verdadeiros são capazes de empreender essa façanha, mudar a vida do leitor, espiritualizá-lo. Afirmei-o antes em outras publicações, e nossos tablóides, afirmo-o de novo: Antônio Nilzo Duarte, para mim, é o maior escritor curvelano dos tempos atuais e modernos.
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Antônio Nilzo Duarte é homem e indivíduo organizado com a sua vida e suas memórias, guardando em pastas respectivas cartas, anotações, documentos comerciais, todo o processo histórico médico e hospitalar dos problemas de saúde que, infelizmente, vitimaram de morte sua "eterna-amada-esposa-e-companheira" dona Neusa.
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Seus três livros anteriores, "Relatos da paixão e afortuno da vida de um homem", "A Esperança do Reencontro" e "Sentimentos da Esperança", respectivamente, tornaram-se ícones e metáforas de seu verdadeiro amor e carinho por dona Neusa e seus filhos, obras que revelam sentimentos profundos de compaixão, amor, que nortearam suas experiências humanas, desejos de encontro da espiritualidade, vontade de eternização desse amor de sua querida esposa. São obras que despertam os leitores para a valorização desse sentimento que, por sua divinidade, transforma a vida, torna-a pedra de toque das buscas essenciais do eterno, do sublime, mostra-nos a virtude do respeito por quem nos entrega a vida em nome de nossas realizações.
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O desejo de amor só vive de entregas e doações, e Antônio Nilzo Duarte, através de sua visão-(de)-mundo, da necessidade de os homens de serem felizes, de encontrarem as suas "sendas perdidas", de viverem em sincronia e harmonia com as suas esperanças e fé, seus desejos e vontades de amor. Esse desejo torna-se - metamorfoseia-se em - nosso guia espiritual, caminhando lado a lado conosco nas trilhas da espiritualidade.
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Assim, escrevendo suas obras, não intencionava compartilhar com os leitores, amigos, íntimos, familiares, suas dores e sofrimentos com a "ausência" de quem lhe entregara a vida em nome do encontro do amor, mas mostrar aos homens a importância da mulher na vida do homem, do amor no âmago e espírito de todos nós homens, tão carentes e solitários neste mundo materializado e quase sem sentido. A sua intenção, mostrando-se por inteiro, arrancando-se de dentro, re-velando o que habita o seu espírito, é que os homens trilhem os "eternos caminhos do campo", com dignidade, que se tornem homens-deuses, o eterno desejo de Deus, do Espírito Santo, de Maria Santíssima e de Jesus Cristo.
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Se lermos com olhos de lince uma passagem do 11 capítulo, "As saudades que ditam a verdade", de seu segundo livro, "A Esperança do Reencontro", con-templamos a sede do conhecimento, da verdade, que Deus, com seu amor e misericórida, doou-nos como semente de nossas buscas, fundamentadas com mais perspicácia e engenho no final. Mas se percebe nessa passagem a travessia para a espiritualidade, sentindo e pensando Maria Santíssima:


"Se os dias que hoje estou vivendo são tão sombrios, como não retornar ao passado, para que eu possa, sensibilizado, recordar com saudades as passagens de nossas vidas que outrora juntos vivemos. São elas que ditam a verdade, as lembranças nostálgicas provindas de um desejo ardente de voltar a vê-las de onde vieram."
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Uma das coisas que vivenciei e experimentei na leitura da obra, especialmente dessa passagem, foram a presença e a atuação, quase tangíveis, do Espírito Santo, realidade divina que se apresentava a mim cada dia mais fascinante após cada leitura, tendo eu já lido doze vezes. E cada vez mais essa presença se tornava forte. Sobretudo nessa obra, pensando e sentindo a mãe de dez filhos, o seu amor por todos, a sua entrega verdadeira a amar a família, eddificá-la, espiritualizá-la, operou em mim a maravilha da maternidade; para mim, nas leituras, era o Espírito Santo que, no amor de Antônio Nilzo Duarte por ela, re-presentava dona Neusa; era ela, como o Espírito Santo, que tudo guiava e ensinava. Foi o espírito que moveu Isabel a dirigir a Maria Santíssima aquela saudação com palavras realmente extraordinárias e revelou-lhe coisas que ela, como mulher, não podia saber se não tivessem sido reveladas do alto.
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Fora a leitura de sua obra, vivendo noutras situações e circunstãncias o amor que sinto por minha Marize, que me re-velou a "cor"-agem de mergulhar nas minhas sombras, mistérios, dores, sofrimentos. Nas minhas angústias o amor guiava-me. Daí, a travessia do conhecimento para a espiritualidade, o mergulho profundo. Em "Ópera do Silêncio" era o a-núncio, com a minha Marize, da realidade desse mergulho, a busca verdadeira do amor, sem mentiras, omissões, arbitrariedades, com compaixão, solidariedade, amor, desejo e vontade de sua felicidade.
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O que nós homens vivemos em nossas relações matrimoniais e sensíveis ditam a verdade, o desejo ardente de voltar a vê-las, de vivenciar e viver outra vez, sentir o amor pulsando na alma e no espírito. A leitura iluminava a minha vida, perpassavam-me no mais profundo de mim, latentes, as lembranças e recordações de todos os momentos de minha vida com Marize, quase seis anos, quando da leitura - e, hoje, com sete anos de enlace matrimonial, sinto presente, profundo e "pulsante" o amor por ela em mim.
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Para mim, a obra tinha sua vida própria, re-presentava a vida, vivências e experiências ao longo de quase 50 anos; era real, um reflexo, como a luz daquele Deus que quis compartilhar conosco nossa história. O desejo, que, aliás, realizou-se de modo espontâneo e verdadeiro, era o de com-partilhar a minha vida com ele, aprender a sentir com ele o que vivia com minha Marize, a grande amizade entre nós, a sinceridade, lealdade e fidelidade às soltas; o desejo era do encontro do amor. Encontrei-o, e essa relação originou outras letras e outras sublimidades. Começamos nossas relações como escritores, tornamo-nos amigos, e, hoje, considero-o pai, com muito orgulho e agradecimento, por suas lições de verdade e amor.
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De Isaac de Nínive nos foi transmitida esta palavra: "Esforça-te por encontrar o tesouro que está dentro de ti e assim verás os tesouros celestes! Pois aquele e estes são a mesma coisa. Ao entrares, verás uns e outros. A escada para o reino dos céus está escondida em tua alma. Salta do pecado para o mergulho em ti mesmo e asssim irá encontrar a escada por onde poderás subir." (Isaac de Nínive, 1874:301). Aqui o caminho para Deus é o descer à própria realidade. O salto para o mais profundo de si mesmo corre a partir do pecado. Precisamente, o pecado é capaz de forçar-me a abandonar os ideais construídos por mim mesmo e fazer-me mergulhar nos abismos de minha alma. Aí eu me encontro com meu coração e, ao mesmo tempo, com Deus. Aí encontro a escada pela qual posso subir até Deus.
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Quem desce até sua própria realidade, até os abismos do inconsciente, até a escuridão de suas sombras, até a impotência de seus próprios anseios, quem entra em contato com sua condição humana e terrena, esse, sim, está subindo para Deus, alcança o Deus verdadeiro. Subir até Deus é a meta de todos os caminhos espirituais. Desde Platão, o anseio primordial dos homens se expressa no subir para Deus.
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A liberdade para a qual se conduz a vida espiritual não é apenas a liberdade de todas as influências exteriores, não apenas a liberdade das paixões e do poder dos homens, não apenas a liberdade do pensamento e da consciência. Ela é, simultaneamente, liberdade da entrega. Não se trata, portanto, apenas de uma liberdade de, e, sim, também de uma liberdade para. O ser humano que se tornou livre de si mesmo também está livre para entregar-se em favor de outros, como Jesus afirmou a respeito de si mesmo: "Não existe amor maior do que quando alguém entrega sua vida pelos amigos" (Jo, 15,13). A liberdade das expectativas dos outros e a liberdade de girar em torno de si mesmo são as condições para o amor. Somente quem se tornou livre de si mesmo pode empenhar-se altruísticamente pelos outros.
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A palavra amor designa, identifica realidade adversas, bem diferente, carnais ou espirituais, passionais ou de reflexões. O amor se re-veste dos sentimentos diversos muito fortes e presentes, dos comportamentos, atitudes, gestos, ações, às vezes tão distantes uns dos outros.
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Em verdade, num mergulho profundo na história da humanidade, desde tempos imemoriais, desde Cristo, a palavra "amor" está hoje bem depreciada, adulterada, e seu sentido verdadeiro está se perdendo, sendo levado pelos ventos, em meio a um uso muito amplo e, frequentemente, in-oportuno. Se foi perdido o sentido da palavra, igualmente foi perdido o do seu conteúdo, e não se sabe muito mais o que é a experiência verdadeira do amor.
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Em nossa modernidade, estamos necessitando re-pensar o amor, o que é a sua experiência verdadeira, à luz das plavras de Deus, das carências humanas, do espírito do tempo.
Ama-se uma mulher, amigo, pais, filhos, um animal, uma leitura que nos edifica e salva, uma circunstância particular... Ama-se a Deus.
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Para expressar a idéia de amar, os hebreus tinham apenas o vero aheb (dexando à parte as idéias vizinhas de benevolência, consideração, etc.). Muito mais rico, o grego apresentava quatro termos. Stergeï, especial para o amor dos pais pelos filhos, não figura na bíblia grega. Eran: "amar passionalmente desejar ter" era compreendido como amor carnal (único que se conservou nas derivações francesas érotisme - erotismo). Aparece no antigo testamento em raras ocasiões para significações mais puras.
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Restam agapan e philein cujas definições são instrutivas. Philein é a afeição viva, o sentimento profundo do apego. Agapan utiliza como argumento a ideia da escolha, de eleição livre, de amor que dá mais do que se experimenta. A distinção é primordial, a fim de melhor penetrar dentro do Evangelho. Para exortar a amar um inimigo (como Cristo nos convidou a fazê-lo), não utilizaremos philein, pois, mesmo quando o sentimento aparece, ele não é o primeiro. Diremos agapan porque é, antes de tudo, uma vontade, uma escolha.
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O amor com o qual Deus nos ama é o amor que está no princípio de toda forma de distribuição da salvação, ou seja, do grande desígnio de Deus, que foi plenamente revelado somente em Jesus Cristo. Da parte de Deus é, portanto, o princípio de uma liberalidade sempre gratuita, que se manifesta mais em toda a série de graças divinas, até nas mais brilhantes, nas mais notáveis. O Cristo, Filho de Deus, entregue livremente à morte por nós e por "escolha eletiva de cada um" (cf. o termo ágape), é, por assim dizer, a prova desse amor. Por outro lado, a garantia desse último nos foi dada pelo Espírito Santo, que propaga em nossos corações o amor divino (cf. Rm 5,8). Esse Espírito Santo é a presença ativa do amor de Deus em nós.
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A escritura das três primeiras obras de Nilzo, nas suas essência e núcleo, significa a busca da liberdade, de libertar-se dos sentimentos de dor, sofrimento, angústia, devido à perda de sua querida e amada dona Neusa, compreender e entender bem fundo na alma e no espírito que, libertando-se, outras dimensões de sua vida se re-velariam com pujança; o amor eternizar-se-ia, abriria outros horizontes e uni-versos para a sua vida. O seu amor encontraria não apenas a sua liberdade, mas se estenderia aos homens, mostraria a todos nós o que é amar verdadeiramente, desejar o bem e a paz a todos.
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Em vida, no desfrute das situações e circunstâncias do quotridiano, vivências e experiências, alegrias e tristeza, sonhos e utopias, problemas e conflitos, da presença incólume e real do espírito, do desejo de encontro do Amor Veredadeiro, e da comunhão da contingência e do espírito, Antônio Nilzo Duarte ainda nos presenteia com a sua presença, que nos inspira a viver oAmor Verdadeiro, e dona Neusa presentifica nossa espiritualidade com a sua ausência.
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"Cartas Inesquecíveis deAmor" é metáfora multíplice, id-"ent"-fica dois momentes: cartas que foram escrita ao longo da vida, no de-curso e per-curso da vida, com desejos, utopias e vontades de real-ização, divinamente re-tratadas nas três obras anteriores. Mas isso trans-cende dos problemas e conflitos que perpassam os sentimentos e os desejos de tornar a memoria de Dona Neusa a pedra angular da espiritualidade. Se o amor não tem a marca da liberdade, então ele não "co"-responde à liberdade que Jesus nos demonstrou em vida e a qual pregou. A perfeita lei o amor, da fala de Tiago, tem que ser o fundamento de nosso amor, a fim de que concedamos uns aos outros a liberdade, e para que nós mesmos sejamos livres em nosso amor e não escravos de nosso medo da má consciência. O amor para o qual conclamam muitos superiores não respira a liberdade e, sim, produz uma má consciência quando manifestamos nossas necessidades e nossa opinião. Um amor nesse sentido torna-se instrumento de poder que suprime toda a liberdade. O amor que Cristo nos anuncia não é o amor de escravos e, sim, o de filhos e filhas livres; é o amor que nasce da liberdade e que conduz à liberdade.
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O amor que Antônio Nilzo Duarte professa em seu título "
Cartas Inesquecíveis de Amor" a-nuncia, contempla; não é o amor apenas da compreensão e entendimento da vida e da espiritualidade e, sim, o amor de um homem que traz em si o desejo do paraíso perdido, da liberdade, do ser e que conduz à espiritualidade eterna e infinita. K. Graf Dürckheim, que se sabe devedor da psicologia de Jung, fala do caminho do tornar-se adulto como um caminho da experiência do ser. Para Dürckheim, esse caminho passa também pela coragem de descer às próprias sombras, à própria solidão e à própria tristeza. O objetivo do processo de amadurecimento é que a imagem de Deus se torne manifesta, que o homem entre em contato com seu verdadeiro ser. É um caminho de transformação, em que a imagem ideal do homem adquire realce cada vez maior. Dürckheim, então, acha que o homem pode fazer tais experiências precisamente nos momentos de maior abandono.
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"Há momentos em que procuro desvencilhar-me do estado mórbido no qual me encontro, pois nenhuma dor fere tanto o meu coração, e eu não sei como, de que forma, eu possa me tornar um homem perfeitamente tranquilo. Não sei quando a minha paz de espírito voltará a ser serena e os meus pensamentos deter-se-ão para um doce sonho, e sonhando, possa comprazer-me em ter o meu olhar voltado somente para você, minha encantadora e amada Neusa, admitindo-se, como nos idos tempos, quando todas as coisas que nos aconteciam se apresentavam em reflexos singulares com que se desprendia o seu belo e sublime rosto até a profundeza de meus olhos." (Antônio Nilzo Duarte, "Sentimentos da Esperança", pág. 98.)
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Conforme suas próprias palavras, na epígrafe do capítjlo 11, "A Esperança do Reencontro", António Nilzo Duarte, de modo espiritual, define a intenção dessas "Cartas Inesquecíveis de Amor":
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"Amar é sentir, é ter prazer, é ter amor às coisas ou a alguém, e não é outra coisa senão querer bem às pessoas e à vida".


(**RIO DE JANEIRO**, 14 DE SETEMBRO DE 2017)

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