ANA JÚLIA MACHADO CRÍTICA LITERÁRIA POETISA E ESCRITORA ANALISA A PROSA SATÍRICA #O PROSCRITO DA RUA SANTO ANTÔNIO DA ESTRADA#




Neste texto do escritor Manoel Ferreira Neto, O PROSCRITO DA RUA SANTO ANTÔNIO DA ESTRADA#, mais uma vez complicado de analisar…pois não estou dentro dessa cultura…pois é muito claro que está a dirigir-se a um prefeito, no qual é avesso ao seu modo de ser e estar e mais uma vez crítica aos que acreditam piamente no Deus e pouco fazem ou nada…
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Será brado no despovoado, asfixiado e sem fundamento, é a agitação de saudade
Sobre os abismos do encarniçamento...A repercussão de seu som
Consome-se no espaço...Quem lhe outorgara...Ser carinho, ser enleio
É alguém pela metade, escuridão sem luz da lua, sem astros
Remanescente infeliz de mágoa, é somente um clamor no desprezo
Desamparado. Sem rota caminhando ao ócio!
Arrastando-se – sobre as limalhas do deceção
Em demanda de seu paraíso...
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Não é sentimental na devida aceção do verbo
É o êxtase dos planetas, dos sorvedouros de asterismos
A entidade insignificante e moribunda, que deambula as escuridões entre
Uma babel da sua desordem, do eu- babel é a comunicação buliçosa
Dos seus entendimentos o trecho que coloca aljôfares em seus olhos
Essas mesmas que repousa em sua alma,
Sou a lascívia e a tendência a cotejar às abstrações um valor igual ao das existências concretas.
A caricatura mais bem executada, da ninharia, do despojado de si
É a nódoa mal rascunhada, lavrada, salpicada, desajeitada, consertada
Arrepanhada e amargurada, que um dia já foi oração integra
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Muita ocasião, devido à ganância ou pretensão desmesurada, concebe-se tantas esperanças em analogia à execução de destinados anseios, que nos olvidamos de todo o excedente da vida. Passamos a povoar as sombras e assim licenciamos de viver. E nos omitimos igualmente que desapontamentos e desilusões não são meramente consequências do fiasco. Elas podem emergir da elementar intelecção de que nossos fins de anseios não são tão lendários quanto nossa avidez conseguia causar aparentar. Porque a veneração sensivelmente continuamente desagua na desilusão. O contemplar cobiçoso perverte e endeusa o corpo da míngua. Assim, a ambição, a fantasia, é representada em indigência essencial (com a absolvição do superfluidade).
Com certeza, que fiquei longe da crítica que o escritor aspiraria…mas não é simples visto não estar incluída no meio do mesmo. Uma censura a quem ambiciona mandar e usa subterfúgios para o fazer e aproveitar a religião ou o Deus para atingir os meios da sua sofreguidão.
Ana Júlia Machado
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Saudades de você, minha querida amiga, Ana Júlia Machado. Há um tempinho que não falamos um com o outro. Sabia que estava em Algarves a descansar. Preferi não incomodá-la com pedidos de notícia; esperei o seu retorno. Creio estar bem agora, descansada.
Você sabe que por dois anos vivi numa miséria inestimável, muitas dificuldades financeiras e em todos os níveis. Enfrentei e superei com dignidade. Não fosse intelectual, teria mergulhado em depressão, até morrido. Hoje vivo muito bem e feliz ao lado de minha Esposa e Companheira das Artes, Graça Fontis.
A sua crítica, Aninha Júlia, está de excelência, traduz com percuciência as minhas intenções. Trata-se de uma crítica a um certo Prefeito de Curvelo, um José "Zé Mané " Maria Penna da Silva, o pior Administrador Público da História de Curvelo. Quis eu doar um pen-drive com a minha obra reunida até 2012 à Secretaria de Cultura, e o Secretário de Cultura, André Gasbarro, recusou-se a receber, o digníssimo Zé Mané Maria Penna da Silva aprovou a decisão do secretário. Em contra-partida, tenho um grande amigo Prefeito, Maurilio Guimaraes, a quem esta sátira é dedicada.
Feliz em tê-la de volta, querida. Parabéns por sua análise percuciente. Beijos nossos a você e à nossa amada netinha Aninha Ricardo.
Manoel Ferreira Neto
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O PROSCRITO DA RUA SANTO ANTÔNIO DA ESTRADA#
GRAÇA FONTIS: PINTURA
Manoel Ferreira Neto: PROSA SATÍRICA
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Ao excelentíssimo Sr. Prefeito Municipal de Curvelo, Maurílio Guimarães, com os meus cumprimentos.
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O espírito humano, à imitação da planta que floresce do modo mais esplendoroso entre os não-conformistas e anticristos, muçulmanos, judeus, aliás, onde sempre floresceu, na sombra, como a violeta, embora com outro odor, deve seguir uma curva que o devolva ao seu ponto de partida, ao seu lugar de origem. No início, falo deste estado maravilhoso em que se encontram os divinos proscritos, onde o espírito se encontra, às vezes, lançado como que por uma dádiva especial; digo que estes mesmos divinos proscritos anseiam incessantemente a reanimação de suas esperanças e a sua elevação ao infinito; mostram um gosto frenético e alucinado, alucinógeno e desmiolado, qual mercador com uma carroça de alfafa, muito embora em suas mentes e imaginações estas palavras suscitem quase o mesmo sentido, por todas as experiências prazerosas e sublimes, mesmo que perigosas, mesmo que em demasia ininteligíveis e portadoras de conseqüências as mais desastrosas, virtudes as mais escabrosas; ao exaltarem suas personalidades, suscitam por instante ínfimo aos seus próprios olhos o paraíso de segunda mão, quinta categoria, objeto de todos os desejos, orgias, trafulhices, bandalheiras, e digo, enfim, que este espírito arrojado, trigueiro, levado e teimoso feito uma mula, sem o saber, até o inferno, confirma assim a sua grandeza original.
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Neste mar, neste mar tempestuoso do viver e do actuar, subo, desço, nado, mergulho, bronzeio-me ao sol, não repouso, vou e venho sem cessar neste mar. Morredoiras vidas, mortes renascidas em fogosas lidas, sem jamais parar... eis de que eu fabrico no imenso tear as roupas fulgentes que o rico mais rico, que o Ente dos Entes se digna trajar.
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Creio não ser necessário e nem conveniente transformar o espetáculo em um comércio que visa apenas o lucro e o conforto, vender a alma para pagar as carícias embriagantes e a amizade das parcas, solidariedade das sereias, compaixão de Pandora. Imagino um homem (um poeta, um filósofo cristão, teólogo árabe, um anticristo, colocado no árduo Olimpo da espiritualidade, à sua volta as Musas de Rafael ou de Mantegna, para consolá-lo de seus longos e invernosos jejuns e preces assíduas, observam-no com seus mais doces olhares e úmidos lábios, os sorrisos mais iluminados. O divino Apolo, mestre em tudo saber, afaga e acaricia com seu arco as cordas mais vibrantes. Abaixo dele, ao pé da montanha, nas sarças e na lama, a multidão dos humanos, o bando dos apátridas, a estirpe dos hereges, laia dos ateus, simulam os esgares da alegria e do prazer e solta urros provocados pelas dentadas do veneno.
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Entristecido com tamanho espetáculo de luzes e palavras, gestos e insinuações, digo a mim próprio: “Estes infortunados que não jejuaram, nem oraram e que recusaram a redenção pelo trabalho, enfim o trabalho enobrece o homem, assim o dizem com orgulho e empáfia, afianço que Marx desataria na gargalhada, garante que o seu epitáfio seja por todo sempre iluminado pela luz solar, buscam submeter-se aos escárnios e humilhações de toda sorte como alguém se submete a um câncer, a uma aids, a uma psicossomatização cujas dores se patenteiam nas costas, dores dilacerantes, morfina sendo tão simplesmente água com açúcar nas veias, inútil para saná-las, ou à morte, com aquele impávido fatalismo sem revolta, em virtude do qual os russos, por exemplo, ainda hoje têm vantagem sobre nós, os ocidentais, no trato com a vida.
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Isto, como agora sou bem autêntico e ousado em afirmar, é digno de um grande trágico, de um Eurípedes ou Sófocles: o qual, como todo artista, somente então chega ao cume de sua grandeza, ao ver a si próprio e à sua arte como abaixo de si – ao rir de si mesmo, havendo muito que o faz, aprende a realizá-lo, mas de quê? de si ou de nada? Ri de existir nada, ri de viver e pensar vazio.
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Em face da velha senha mentirosa do ressentimento e da mágoa, a do privilégio da maioria, enfim é mais fácil um proscrito adquirir o seu leito de penas, diante da vontade de rejeição, preconceito, discriminação, de atraso e ocaso do homem, ecoou forte, nítida, simples e insistente como nunca dantes pensado e imaginado, a terrível e fascinante contra-senha do privilégio dos raros. Farfalhices e guizalhada a bobos, idiotas só pertencem.
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Eis, portanto, homens supostos, divinos proscritos, o espírito de minha escolha, chegado a esse grau de prazer e serenidade, onde sou levado a admirar-me a mim próprio, admiração que causa, senão inveja das mais solenes, os fatídicos aplausos. Toda contradição desaparece, toda polêmica se resolve com um aperto de mãos e três tapinhas nos ombros, como é sobremodo peculiar nos mineiros corvellanos, todos os problemas filosóficos e teológicos tornam-se transparentes, ou pelo menos assim parece. Tudo é motivo de prazer, de júbilo, de ostentação. Uma voz nele fala ("Infeliz... É a sua própria voz!") e lhe diz: “Você agora tem o direito de se considerar superior à raça humana, a toda a humanidade, agora que é um miserável proscrito, o que tem para comer é só por alguns dias, depois é sair pelas casas de conhecidos e filar a bóia; ninguém conhece ou poderia entender tudo o que você pensa e sente, poderia suspeitar de tudo o que sente até nos ossos. Seriam mesmo incapazes de apreciar a benevolência que lhe inspiram. Você é um rei que os passantes desconhecem, e que vive na solidão de sua convicção: mas que isto importa? Aliás, nada disso importa realmente. Você por acaso não possui este desprezo soberano que torna a alma tão humilde e boa, capaz de praticar as mais perfeitas misericórdias e compaixões?”
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De quantas ações tolas e imbecis não está cheio o passado, que são verdadeiramente indignas deste rei do pensamento, sheik das idéias alvissareiras, tenente-coronel das atitudes diplomáticas, o grande sábio, intelectual, e que profanam sua dignidade real e ideal. É só co’a inspiração própria, espontânea, que se domina a turba, o chocho, o inerte, como de seu não tem, mas quer pôr mesa, pilha aqui, sisa ali; mistura, assopra no seu fogareirinho um lumezito, e sai-se co’um pitéu de mistifório que só porcos ou cães o tragariam. Mas banquete que seduza, e convide, e preste aos homens, só dos miolos se pode guisá-lo. Quantos homens encontraríamos no mundo tão hábeis e perspicazes para se julgarem, tão severos para se condenarem, tão sérios para se redimirem dos equívocos, fracassos? Com a horrível lembrança absorta, dispersa, desta forma na contemplação de uma virtude ideal, de uma caridade ideal, de um gênio ideal, entrega-se candidamente à sua triunfante orgia espiritual.
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Agora, da contemplação de seus sonhos e desejos e de seus projetos de virtudes, decidiu-se pela sua aptidão prática à virtude; a energia ao mesmo tempo vigorosa, esplendorosa, resplendorosa, apaixonante com a qual ele abraça este fantasma de virtude parece-lhe prova mais do que cabível e suficiente, peremptória da energia viril necessária para a realização de seu espetáculo, de seu ideal, de sua carne de palhaço, de sua sede de brisas e orvalhos noctívagos. Confunde ele, com toda a empáfia de sua personalidade, o sonho com a ação, com a autenticidade, e com sua imaginação aquecendo-se mais e mais diante do espetáculo encantador de sua própria natureza corrigida e idealizada, substituindo por esta imagem fascinante de si próprio, divino proscrito, o seu indivíduo real, tão pobre em vontade, tão rico em vaidade, tão cretino em orgulhos, termina por decretar sua apoteose nestes termos nítidos e simples que contêm para ele todo um mundo de abomináveis prazeres e contentamentos: “Sou agora o mais virtuoso dos homens”
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Logo de imediato este furação de orgulho e empáfia se transforma em uma temperatura de êxtase tranquilo, calmo, mudo, repousado, e a universalidade dos seres se apresenta colorida e como que iluminada por uma aurora ácida e sulfurosa.
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Se uma ruminação selvagem, um grito rebelde, ardente, arrojar-se de seu peito com uma tal energia, um tal poder de projeção que, se as vontades, desejos, sonhos, e as crenças de um homem ébrio tivesse uma virtude eficaz, esta ruminação, este grito revirariam os anjos disseminados nos caminhos do céu: “Sou um Deus!” Qual é o filósofo francês que, para ridicularizar as modernas doutrinas alemãs, dizia: “Sou um deus que jantou mal”? Esta ironia, ou cinismo, ou sarcasmo não afligiria um espírito elevado em nível de um herege, marginal, ateu, proscrito, e ele responderia com todo o carinho e ternura que sua alma fosse capaz de expressar e revelar: “É possível que tenha jantado mal: suã de porco com aipim, couve refogada, farofa de bofe bovino não caíram bem no estômago, mas eu sou um Deus, embora as copadas de boldo cujo sabor é mefistofélico de tão ruim”.
#riodejaneiro#, 21 de agosto de 2019#

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