#CARÁTER DO SUJEITO# Manoel Ferreira Neto: ENSAIO



Desde o Romantismo de primeira fase, centenas de milhares de páginas foram preenchidas da melosidade do amor - "Meu beija flor de mel lambido", nesta poesia da poetisa Sonia Gonçalves, é uma demonstração evidente -, poemas melosos refletindo dores e sofrimentos do amor não correspondido, do amor paixão levado aos auspícios da loucura, dos desejos e esperanças do amor preencher as carências, os vazios... Até a consumação dos tempos a poesia romântica preencherá páginas e mais páginas de subjetividades melosas.
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Contudo, há poemas românticos que, apesar de mostrarem as mesmas características remotas, seguindo as tradições, nas entre-linhas trazem interpretações eminentemente importantes para o desenvolvimento das idéias e do pensamento. Mas há de se ressaltar que não acontece com assiduidade, isto é dádiva dos dons e talentos poéticos.
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Há-de se encontrar verso que re-presente o interdito, e nele delinear o que traz de novidade para as idéias. No soneto, é o último verso a chave de ouro, onde todo o poema esta focado, nele está o inter-dito; na poesia livre pode ser encontrado em qualquer lugar. No poema de Sonia Gonçalves, não fora difícil encontrá-lo: "Num breu de espanto o surgimento/Aquiesceu meus pensamentos", sendo através desta chave que estabeleceremos a importância sine qua non deste poema, só nas linhas a melosidade.
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Habituamo-nos a considerar o filósofo francês Descartes o originador da corrente que ressalta o sujeito psicologicamente orientado, o eu - não há duvidar a poesia romântica carrega com excelência a linguagem e o estilo psicológicos, quase sempre com a destituição do "eu" do autor. Consequente com este ponto de vista, Heidegger, em sua hostilidade ao pensamento moderno, reservou umas poucas mas incisivas páginas contra as consequências do cogito e sua legitimação do discurso científico. Paul Ricoeur observa que "o sujeito gramatical do cogito cartesiano não é um self, mas um ego exemplar, do qual o leitor é convidado a repetir o gesto."
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Assim, o sujeito poético deste poema são os pensamentos, o espanto com surgimento do amor, o seu "con-sentimento", a consciência do "sujeito poético" existindo profundo na alma, aquiesce o pensamento, pensamento que se abre, mede "a força da expressão sob a luminiscência" da sensibilidade, subjetividade, compelindo a poetisa a amar-se a si mesma, a representar-se a si de outro modo, noutro estilo, noutra linguagem a como é efetivamente. A poetisa con-sente o amor psicologicamente orientado, o amor por si em primeira instância, o amor pelo outro, em segunda instância, sem se amar impossível amar o outro, este é o sujeito exemplar, este é o sujeito consciente do amor por si.
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A poesia romântica, re-presentando o amor, far-se-á eternamente na "canção da alma", ritmo dos sentimentos íntimos, melodia dos desejos e vontades do entrelaçamento dos "eu", que definiria eu como "episteme", o amor verdadeiro no coração da alma, do espírito, no "Coração da lua", último verso do poema, representando o pensar-sentir da Liberdade.
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O amor que a poesia representa não é o dirigido a alguém em especial, mas à poesia, o amor sentido pela poesia por ela abrir a força da alma desejando a espiritualidade do ser, medir a expressão do íntimo a todos os sonhos e utopias da vida dirigida à busca do Espírito. E Sonia Gonçalves sabe e conhece bem ser esta poetisa, a poetisa do Som do Ser, a música da conduta, postura individual com os versos e estrofes que representam o poeta por inteiro.
#riodejaneiro#, 25 de setembro de 2019#

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