PASSO CURTO, PASSO CERTO... TRAVESSIA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA



Calo-me. Silencio-me. Emudeço-me.
No emudecer do silêncio,
Calo-me.
No calar do emudecer,
Silencio-me.
No silêncio do calar-me,
Emudeço-me.
No ardor das chamas da fogueira,
Dobro a língua,
Falo noutro idioma,
Silencio o som da origem,
Calo o ritmo das pronúncias primevas.
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Levo um grito sufocado encravado num sentir emudecido. Impossível “re”-tê-lo, “re”-presá-lo por mais tempo: domá-lo. Estilhaço-me. A palavra, se em represa, é um murmúrio de arribas, compactos mistérios surrados de algures, cochicho de alhures; se correnteza, brado, estampido.
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Ando para a luz levando o fardo de desejos, esperanças de ver-me “ser” nas linhas do espírito e eterno, esforço-me para não ruir, seco e falido. Fracas possibilidades de letras reais nos sentimentos verdadeiros, de vozes imaginárias nas emoções re-criadas, in-ventadas, esboçam-se e des-aparecem – quase verto lágrimas pujantes!, verto-as, deixo-as livres de quaisquer juízos e julgamentos, molham os lados da face -, roendo entranhas, re-vezando mordaça, e a escuridão em que tateio o trajeto arrasta correntes, mas sigo na busca des-esperada de me ver sendo. Cada dia debulho uma letra de minha fala, perco-a nos sonhos, e dou um passo para a distância. Breve me perderei no horizonte.
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Emudeço-me no silêncio de calar-me.
Silencio-me no calar do emudecer.
Calo-me no emudecer do silêncio.
Sonorizo o sibilo do vento em bemol.
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Uma sílaba do que digo se des-garra, rolando pelo chão que não é de giz, mas de grafites em pó, gota de sangue de-(r)-ramado que não voltará à veia. Verter lágrimas pelo sangue derramado? Imagino-me numa estelar distância no branco da lua longínqua, nos raios fortes do sol. Ensaio o som uni-versal de um sorriso.
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Sou voz de olhares, ímpeto de pensamentos de ser, liberdade, de espírito. Sou desejos de encontro, de sonhos e utopias do eterno do espírito das linhas. Sou esperança de amor, entrega, do verbo no espírito das linhas eternas. Sou espera, movimento, gota de chuva, lufada de vento, lua boiando na noite, risco de estrela cadente. Sou a mão que delineia e burila letras, sílabas, sons, que desenha os símbolos com esmero, signos com acuidade. Sou tear na madrugada fabricando desejos plenos de espírito, de linhas eternas. Sou eterno prisioneiro das linhas brancas que desejo preencher com letras de esperanças, dores e sofrimentos, de verbos de fé, felicidade. Sou sono dos ventos. E alguém me diz sussurrando-me nos ouvidos: "Você é a medida de uma letra delineada e a palavra que se id-ent-ificará depois."
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Sempre a medida. Continuamente..." Sou a idéia de uma águia pairando sobre um abismo. E quando sou a idéia, sou a águia. Sou pernas varando o tempo. Sol no rosto e um fardo colorido, a hora que chega e se perde, mas re-torna com nova força. Sou o barro de minha terra na sola de meus sapatos, poeira no peito deles. Sou nos recantos e auroras, cantos e crepúsculos, sítios e alvoreceres, o composto de marcas sombrias.
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Emudeço-me. Calo-me. Silencio-me.
No calar do silêncio, emudeço-me.
No emudecer de calar o silêncio, silencio-me.
Silencio-me. Emudeço-me. Calo-me.
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Ando em busca da estrela que brilha na madrugada, do sol que raia na manhã de nuvens brancas e azuis. Caminho pisando campos, trilhando veredas e planto em cada canto que passo a verde esperança da flor de cactos. Nos múltiplos úteros do chão, apanho o cristal que germina. As mãos unidas em concha colhem água em qualquer fonte e afagam o broto que nasce nesta fixa floração.
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Escuto o cantar do galo, o cão ganindo no escuro, pio de pássaro nas moitas. Vejo o passarinho bicando a jabuticaba no pé. Descubro no boi berrando, no relincho dos cavalos, no zurro dos jegues, no coaxar dos sapos, num lobo uivando na serra, um som recente, neste tempo que varia como vento mudando o rumo quando a chuva se a-nuncia. Vou aprender no campo o ofício das mãos que lavram as letras e verbos e vão perpetuando os desejos do sublime, a vontade do eterno, a esperança do imortal.
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Vou à procura da estrela que brilha na madrugada.
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Calo-me.
Emudeço-me.
Silencio-me.
Emudeço-me no verbo/calar.
Calo-me o verbo/emudecer.
Silencio-me no verbo/calar.
Calar o verbo.
Emudecer o verbo silenciar.
Silenciar o verbo calar.
Verbalizar o silêncio de calar
Silenciar o calor da verbalização.


#riodejaneiro#, 16 de setembro de 2019#

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