UM INTELECTUAL PARA OS NOVOS TEMPOS GRAÇA FONTIS: FOTO Manoel Ferreira Neto: DISCURSO PÓSTUMO DE LANÇAMENTO



POST-SCRRIPTUM:

Os tempos passam e a saudade de meu inestimável amigo, escritor, historiador, Antônio Carlos Fernandes(Toninho Fernandes), intensifica a cada dia que passa.
Faleceu aos 12 de abril de 2010. A obra que deixou por publicar seria lançada aos 12 de setembro de 2010, Auditório da Faculdade de Odontologia de Diamantina. Escrevera esta homenagem póstuma. Nesta data, minha ex-mulher havia sido internada com sérios problemas de saúde. Liguei para Sonia, sua esposa, dizendo-lhe não poder estar no Lançamento da obra, deixaria com ela o texto do Discurso, Wander Conceição re-presentar-me-ia. Respondeu-me Sônia: "Manoel, nada feito. Toninho ficaria triste com a sua não-presença. Sempre tão amigos. Esperamos por você." Compareci, fiz o meu discurso, de imediato fora embora. Dia 13 de setembro, pela manhã, internado, vítima de outro enfarto.
Nove anos de Lançamento da obra. Só tenho a dizer: "Muitas saudades, querido amigo Toninho Fernandes".
Manoel Ferreira Neto
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Tristeza e alegria se confundem neste instante em que me proponho a escrever comentário sobre obra das mais importantes de nossa atualidade. Acabo de receber das mãos de Sônia Fröes Fernandes, viúva de meu amigo e companheiro da vida e dos caminhos da intelectualidade Antônio Carlos Fernandes, “Toninho Fernandes”, a sua última obra histórica A TERRA, O PÃO, A JUSTIÇA SOCIAL – A IMPORTANTE PARTICIPAÇÃO DA IGREJA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DO BRASIL, em parceria com Anísia de Paulo Figueiredo (org.), Antônio Carlos Fernandes, Wander José da Conceição, que não teve oportunidade de vê-la publicada, faleceu dia depois de havê-la concluído. Tristeza por haver “perdido” grande amigo e companheiro, homem responsável com os sonhos e utopias de História que reflita os conflitos sociais, culturais, artísticos, individuais, econômicos e políticos, resgate mesmo da verdade da História, das tensões e interesses ideológicos na sua “feitura” ao longo dos tempos, homem compromissado com os ideais de povo, cujo “pão” é a História, Diamantina, Patrimônio Histórico da Humanidade, homem que dedicou a vida ao engrandecimento e desenvolvimento da História, homem cuja maior preocupação era a Justiça Social, como professor, mestre em História da Igreja, doutorando no mesmo, não chegou a concluir, defenderia no final deste ano de 2010 a sua tese, diretor regional do INSS; como homem, filho, irmão, marido e pai exemplares, amigo sincero e leal, de quem recebi lições intelectuais básicas de compromisso e responsabilidade com a cultura, artes.
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Difícil é expressar o que penso e sinto com a leitura desta obra, os sentimentos que me perpassam por sua ausência são demasiados fortes e presentes, subjetividade e objetividades se amalgamam, mas creio ser o caminho perfeito para mostrar o que deixou em mim disto que é a responsabilidade com o homem e justiça social.
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Não intenciono ensaio a critério e rigor de seu Ensaio, FIDELIDADE E IDEAL DA MISSÃO EM NOVOS TEMPOS, cujos objetivos específicos foram a análise das obras sociais do 1º Arcebispo de Diamantina, Dom Joaquim Silvério de Souza, quem “vislumbrou um futuro de prosperidade para uma das regiões mais carentes do Brasil, além de ser um grande intelectual”, membro fundador da Academia Mineira de Letras e patrono da cadeira nº 75 do Instituto Geográfico Histórico do qual fez parte” (cf. Introd. de A terra, o pão, a justiça social, pág. 16). O interesse sine qua non aqui é o “homem e o intelectual” Toninho Fernandes: sem conhecer o homem, o autor, impossível compreender a obra, objetivo específico de seu pensamento e idéias em compor o ensaio sobre D. Joaquim Silvério de Souza.
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O primeiro pressuposto da história humana é a existência de indivíduos vivos, ação e condições materiais de existência. O homem se diferencia da determinação puramente natural, superando-a, por sua atividade produtiva. Conforme Karl Marx, os homens começam a se distinguir quando iniciam a produção dos meios de vida, passo em frente que é conseqüência de sua organização corporal. Ao produzirem os meios de existência, os homens indiretamente produzem a sua própria vida material.
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O trabalho, a atividade vital, a vida produtiva mesma aparece ao homem só como meio para satisfazer uma necessidade, a de manutenção física. Mas a vida produtiva é a do gênero. É a vida engendradora de vida. No tipo de atividade vital jaz o caráter inteiro de uma spécies, seu caráter genérico, e a atividade consciente livre é o caráter genérico do homem. Quando, no Capítulo 7, subcapítulo 7.2, A Escola Profissional Irmã Luiza – EPIL, Toninho Fernandes comenta a instituição da Associação das Senhoras da Caridade, cuja solene autoridade era do Arcebispo Dom Joaquim, entre aspas, identificando os objetivos dessa instituição, escreve “para alargar a esfera de sua ação em prol da pobreza”, à página 36, vislumbramos o intelectual Toninho Fernandes, sua vida e obra.
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Sua produção intelectual, caminhos em prol da História, Justiça Social, compromissos e responsabilidades, se fundamentam in totum na consciência histórica, dimensão em nossa modernidade, especialmente em nossa atualidade, esquecida, perdida ao longo dos tempos, sistema capitalista, ideologias e interesses di-versos de poder e bens materiais. Sem o conhecimento da História, a consciência do homem de seus caminhos, direitos vitais de conhecimento, nada haverá de mudanças e transformações sociais, individuais, políticas, econômicas e artísticas, não haverá nem história, o homem apenas está no mundo.
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Entregando-se por inteiro em busca de transformações sociais, políticas, ao caráter in-vestigativo dos processos históricos, a mostrar a continuidade histórica nas manifestações artísticas, culturais, ao conhecimento delas em sua integridade, indiretamente a produção intelectual volta-se exclusivamente para o homem mesmo, isto é, o resgate da consciência de produtor de vida, artífice da dignidade histórica, construtor de responsabilidade e compromisso com o destino dos homens. A consciência, estabelecida e instituída com a consciência dos valores humanos e humanitários advém do conhecimento, este se insere nos processos sociais, políticos, artísticos, gerando lutas, gerando buscas de novos horizontes, gerando justiça.
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A atividade intelectual de Toninho Fernandes se coloca para o seu povo, para nós, os homens, como objeto para sua determinação consciente. Isto é, Toninho Fernandes tomou a atividade produtiva como objeto de pro-jeção e reflexão espiritual – daí, o específico interesse pela História da Igreja, caminhos da vida eclesial diamantinense -, consciente e ativo, que se liberta dos estreitos limites da reprodução cega das formas biológicas, intervindo e transformando o meio, as condições materiais e espirituais da existência.
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O grande mérito intelectual de Toninho Fernandes na jornada de consciência histórica, interagindo história política, social, espiritual, religiosa, é precisamente o fato de ter vislumbrado a legalidade essencial do processo autoconstitutivo de seu povo, dos homens, da humanidade, através da consciência, que gera a busca de justiça social. Este grande mérito experienciado, não apenas em elucubrações teóricas, solipsismos, mas através de lutas e trabalho verdadeiros, consiste em que o povo compreenda a autocriação do homem como processo historiológico, onto-histórico, historicidade e historialidade, a objetivação como perda do objeto, alienação e superação dessa alienação; nós, os homens, compreendamos a essência do trabalho e concebamos o homem objetivo – verdadeiro, pois é o homem real – como o resultado de nosso próprio trabalho.
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Ainda no que tange ao mérito intelectual é o comportamento real e ativo de homem para consigo mesmo como ser genérico, ou manifestação como ser genérico real (isto é, como ser humano), somente possível porque efetivamente exterioriza todas as forças genéricas – o que só é possível através da ação cooperativa de toda a humanidade, somente como resultado da história. Toninho Fernandes tomou a própria atividade intelectual como objeto de construção de uma consciência histórica e espiritual, como bem explicitou Lukács num capitulo de Ontologia do Ser Social, a prévia ideação do objeto da ação e a escolha adequada de meios. A efetivação do trabalho requer a apropriação consciente da realidade, tanto da natureza externa quanto da própria natureza dos indivíduos humanos; além disso, sempre impulsiona à crítica prática, que pode modificar todo o processo por inter-médio de novas aquisições a respeito da realidade objetiva ad-vindas da própria realização do trabalho.
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Nestas páginas, deixou Toninho Fernandes registrado o seu pensamento, idéias de intelectual para os novos tempos, em tempos de “mudança de época, mais que em época de mudanças”, em tempos em que a intelectualidade não é objeto de ad-mirações, de orgulhos e lisonjas individuais – ele que jamais fora intelectual de plantão -, mas de compromisso e responsabilidade com os destinos históricos e espirituais dos homens.
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Uma carreira tão exemplar, tão profunda, tão consciente de seus objetivos, ser tão precocemente interrompida, é de derramar lágrimas pujantes, como dissera nosso amigo em comum, Juscelino Brasiliano Roque, em nosso encontro no velório de Toninho Fernandes, “a história diamantinense pára com a morte deste grande intelectual, deste homem exemplar em todos os níveis; nós que convivemos com ele, que estivemos com ele em sua caminhada, sabemos disso”, o que lhe respondi eu, “nem daqui a quinhentos anos haverá outro Toninho Fernandes em Diamantina, talvez jamais haja outro”. Mas as obras que deixou, a luta por toda a vida em prol da verdade histórica, da justiça social, continuará viva por todos os séculos e milênios, até a consumação dos tempos.
#riodejaneiro#, 12 de setembro de 2019#

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