#ALTERIDADE DO OUTRO EM SARTRE# FILOSOFIA# Manoel Ferreira Neto: DISSERTAÇÃO EM FILOSOFIA ANO DE LANÇAMENTO: 22 DE SETEMBRO DE 2003



1.0 – Introdução


Dir-se-á que, para Hegel, toda determinação é negação. O entendimento, a compreensão, a busca da essência, neste sentido, limita-se a negar a seu objeto ser outro que não si mesmo. Isto é suficiente, sem dúvidas, para impedir todo trâmite dialético, mas não deveria ser suficiente para desaparecer até o embrião do transcender .


Em primeira instância, pode-se reconhecer a partilha que Alexandre Kojève dizia, Introduction à la lecture de Hegel, nunca ter deixado de fraturar o campo filosófico. A fratura a que nos referimos: a da dialética, se considerarmos que ela funciona em Sartre, não por “progressões”, mas por “torniquetes”, e tem a dupla propriedade, por causa de sua forma “espiralada”, de passar várias vezes, e, inclusive, ilimitada e indefinidamente, pelo mesmo ponto – após a permissão de tal acontecimento antecedente, nem sequer em um próximo, mas em acontecimentos eventualmente muito distantes, mas com os quais a dialética fraturada cria uma separação


A cada espira da espiral, uma espécie de nova subida, ou de propulsão, que, engenderada, não por princípio transcendente, ou um Deus, mas por mola íntima, aninhada no coração do Ser, faz com que se possa continuar a falar de dialética. Esta dialética tem apenas o nome com a de Hegel .


A postura ontológica individualista de Sartre afirma-se pela atribuição ao “Outro” de um status radicalmente diverso do Para-si, com conseqüências de longo alcance para todos os aspectos de sua concepção. Segundo Sartre, “O outro é uma hipótese a priori sem justificação alguma, salvo a unidade que ele permite operar em nossa existência”.


Tal como Marx, Sartre muito deve à caracterização hegeliana da relação Senhor-Escravo em A fenomenologia do Espírito. Cada um deles, porém, desenvolve os “insights” originais de Hegel em direções diametralmente opostas.


A crítica de Marx à abordagem de Hegel visa aprofundar o dinamismo histórico inerente àquela relação, retificando a violação por Hegel, ideologicamente determinada, da lógica interna de sua própria concepção. Sartre elimina radicalmente a dimensão histórica da relação e a transforma numa estrutura existencial atemporal. E, ao recusar ao outro um status ontológico próprio, torna toda a relação extremamente problemática, determinando de modo peculiar não só o caráter do Outro, mas também a natureza da autoconsciência, especialmente em sua forma coletiva o “Nós-sujeito”.


Com base no resgate de certas determinações ontológicas do ser social, elaboradas, formuladas, por Marx, o devir perspectivado apresenta-se como tendência imanente à lógica do trabalho e, ao mesmo tempo, como efetivação do caráter ativo dos indivíduos humanos, dependendo, portanto, de suas decisões entre alternativas, de suas escolhas subjetivas.


O individuo humano é ser natural vivo, ser orgânico, biológico, dotado de potencialidades e necessidades naturais; este é um dos elementos ontológicos imprescindíveis da existência e do processo histórico da humanidade. A constatação desta realidade mais que evidente, embora reiteradamente omitida ou negligenciada, é um dos pontos basilares da análise marxiana da individualidade humana. A condição ontológica primordial da história humana, o caráter necessariamente natural e vivo do homem, expressa-se em capacidades e necessidades individuais que, contudo, transformadas no decurso da história, jamais serão completamente suprimidas.


A individualidade propriamente humana, resultante do devir autoproducente da humanidade, tem a própria realização humana como necessidade, ou seja, tem a totalidade de manifestação humana de vida como potência historicamente desenvolvida e, consciente, toma-a como objeto de seu carecimento. Marx ressalta que a realização total do individuo só deixará de surgir como ideal, como vocação, etc., quando a impulsão do mundo que suscita aos indivíduos o desenvolvimento real das suas faculdades tiver passado para o controle dos próprios indivíduos, tal como pretendiam os comunistas.


Faz-se mister, para compreensão e entendimento acerca da relação do indivíduo em particular, diante da história e do processo histórico, a que intenciona perder-se e encontrar-se, a consciência da existência “individual” e a consciência “do processo histórico”, avaliar o processo autoconstitutivo que caracteriza a dinâmica própria do gênero humano e determinar a distinção ontológica entre o homem e os puros seres orgânicos, em sua cabal radicalidade. Segundo Marx, o homem não é apenas um ser natural: é um ser natural humano, misto é, um ser que é para si próprio e, por isso, ser genérico, que enquanto tal deve atuar e se confirmar tanto em seu ser como em seu saber, a harmonia do “ser” e do “saber”. É um homem à busca da contemplação da verdade, ainda que contingente na dialética que se emperra, no desejo e vontade, sustentando na “liberdade”, de a suprimir.


Por conseguinte, nem os objetos humanos são objetos naturais tais como se oferecem imediatamente, nem o sentido humano, tal como é imediatamente – como ele é objetivamente – é sensibilidade humana, objetividade humana. Nem objetiva nem subjetivamente está a natureza de imediato presente ao ser humano de modo adequado.


E como tudo que é natural deve nascer, assim também o homem possui seu ato de nascimento: a história, que, no entanto, é para ele uma historia consciente, e que, portanto, como ato de nascimento acompanhado de consciência, é ato de nascimento que se supera.


A relação entre Método e Ontologia não deve ser concebida, pois, dentro de um modelo de determinações unilaterais, mas com uma forma de reciprocidade dialética. Significando isto que, uma vez constituída a versão sartreana da fenomenologia, com base em seus princípios ontológicos, tendeu a restringir os limites dentro de que a realidade é vivenciada e avaliada.


Em Questão de método, Sartre expressa total concordância com o método do marxista Lefèbvre, dando ás palavras deste último sua interpretação pessoal. Os termos exatos da análise de Lefèbvre são estes: (a) Descritivo. Observação, mas com exame atento orientado pela experiência e por uma teoria geral. (b) Analítico-regressivo. Análise da realidade. Esforço para dotá-la precisamente. (c) Histórico-genético. Esforço para redescobrir o presente, porém elucidado, compreendido, explicado.


Nossa interpretação fundamenta-se essencialmente no terceiro nível, o histórico-genético, em que buscamos a reconciliação do “eu” e do “outro”, inspirados na “dialética do olho que manda o outro à merda”, a História à margem do processo histórico, a sua dialética e a sua ontologia, o olhar e o outro que se harmonizam na dialética de “torniquetes” sartreana, como a pensamos e contemplamos.


O interesse primordial de Sartre está nas “significações” (que, alhures, ele chamou de “significações hierarquizadas”), indivíduos, concretude e “originalidade” (singularidade) a serem conectadas com a universalidade mediante comparações, a serviço de uma heurística. A investigação de Lefèbvre, diz respeito a uma comunidade rural e, ao estuda-la, preocupa-se com a definição dos métodos adequados ao campo da sociologia rural. A fase descritiva, para ele, é exatamente o que ela diz, ou seja, fazer um inventário dos dados do modo como se encontram na comunidade rural em questão, dentro do quadro de referência de uma teoria geral da sociedade. O que quer dizer que n ao pode haver “descrição pura”, uma vez que a avaliação é parte integrante do empreendimento, em todas as suas fases, graças á teoria geral aplicada aos dados da descrição. É significativo que Sartre traduza “descritivo” por “descrição fenomenológica” – que é um empreendimento totalmente diferente, tanto por declarar ser “descrição pura”, quanto porque seu objetivo é a identificação de “essências”.


A segunda fase, para Lefèbvre, é “analítico-regressiva”. Pois ele quer datar (o grifo é dele) com precisão as diversas camadas históricas que coexistem na estrutura em questão; isto é, quer identificar a heterogeneidade dos elementos – com todos os seus contrastes – que compõem esta estrutura. Em outras palavras, esta fase diz respeito à elucidação de um corte transversal da estrutura, enquanto a terceira fase centra-se na compreensão e elucidação “histórico-genética” da totalidad dinâmica do presente. Mais uma vez, tipicamente, essa complementaridade das dimensões “analítico-regressiva” (ou “estrutral-analítica”) e “histórico-genética” foi traduzida por Sartre como o “duplo movimento de regressão seguida de progresso”, muito embora, de fato, o termo “progresso” não aparecesse na classificação de Lefèbvre. De qualquer modo, não está claro porque a fase histórico-genética deveria chamar-se “progressiva”, já que o problema para Lefèbvre não era o de estabelecer uma seqüência temporal, mas sim o de destacar as duas formas em que a história e a estrutura são tratadas no estudo: a história como subordinada à estrutura (a datação analítico-regressiva dos diversos elementos da estrutura), e a estrutura como subordinada à história (a compreensão histórico-genética do presente).


A razão pela qual Sartre tem que imaginar um duplo movimento é, ela mesma, dupla: por um lado, a “pureza” da fenomenologia pura significa que a facticidade (ou factualidade”) da existência humana há-de escapar-lhe por definição; e, por outro lado, a facticidade da existência humana (vale dizer, seu caráter “tal-e-tal”; sua natureza exatamente como a vivenciamos) requer disciplinas às quais a facticidade seja acessível se se quiser compreender e elucidar o objeto da pesquisa.


A perspectiva marxiana do devir humano, por meio do comunismo, projeta a objetivação das categorias essenciais do homem por intermédio da reaproximação consciente e ativa por parte dos indivíduos associados de sua própria interatividade, de suas forças produtivas e de suas relações sociais.


Afirma Marx que sob o pressuposto da propriedade privada, positivamente superada, o caráter social é o caráter geral do movimento inteiro. Assim como a sociedade produz o homem como homem, assim ela também é produzida por ele. A atividade e a fruição, tanto segundo seu conteúdo quanto também o seu modo de existência, são sociais. O aspecto humano da natureza existe somente para o homem social, pois é somente aqui que ela existe para ele como vínculo com o homem, como existência sua para o outro e do outro para ele (grifo nosso), e também como elemento vital da realidade efetiva humana, é somente aqui que ela existe como fundamento da sua existência humana própria.


Apenas no homem social as determinações ontológicas especificadoras do ser humano encontram desenvolvimento apropriado, ou seja, somente então sua essência é tornada efetividade, adquire existência real.


A essência do indivíduo humano é o conjunto de suas relações sociais, ou seja, ela se forma pela relação com os outros, razão pela qual o processo de humanização do homem e a formação da individualidade humana consistem no processo de humanização de suas relações.


A argumentação de Marx é que, ao manifestar sua natureza, os homens criam, produzem a comunidade humana, a entidade social, que não é um poder universal abstrato oposto aos indivíduos singulares, mas a natureza essencial de cada indivíduo, sua própria atividade, sua própria vida, seu próprio espírito, sua própria riqueza.


A totalidade social, em suas determinações ontológicas, não se desdobra num para-além das existências individuais, consistindo antes da forma em que se efetiva a interatividade dos indivíduos e que a cada momento histórico resulta da evolução prévia dessa mesma atividade.


Os indivíduos humanos, por suas determinações ontológicas essenciais, têm a própria realização, a manifestação ativa de suas potencialidades como necessidade fundamental e que tal necessidade se manifesta mesmo em fase das determinações sociais. Talvez não esteja totalmente claro que as determinações próprias da existência social, que as categorias ontológicas da individualidade humana impulsionem – a superação das formas sociais essencialmente estranhadas, rumo ao controle consciente dos indivíduos sobre as condições concretas, sociais de sua existência.


Em Hegel, o que permite a progressão da dialética e a conquista da liberdade decorre, de início, do meu temor, de minha dependência radical e angustiada diante do outro; no entanto, o elemento fundamental, o elemento sem o qual toda a dialética perde sentido, está no trabalho. Considerada nesta perspectiva hegeliana, a análise existencialista da intersubjetividade fica como que emperrada em seu ponto de partida, naquele momento em que o escravo não passa de um simples objeto para o mestre.


A remissão à dialética hegeliana do senhor e do escravo é clara: o escravo, dominado pelo senhor, existe em função dele; mas o senhor, para afirmar-se na sua ncondição de dominador, necessita do escravo e por isso também existe em função dele. Mas a liberdade é estruturalmente inalienável: desejar anulá-la é ainda um projeto livre; por isso nenhuma consciência pode fazer-se inteiramente objeto, pois esse desejo será sempre o desejo de um sujeito. Assim a estratégia de possuir o outro fazendo-se possuir por ele necessariamente fracassa diante da dualidade insuperável de duas liberdades ou de duas consciências que não podem deixar de ser livres. O conflito permanece.


O ser-para-outro é estruturalmente conflituoso. Os antagonismos concretos, de qualquer alcance, derivam desse traço ontológico, que torna infernal as relações humanas. Temos que limitar a liberdade do outro: por isso nos comportamos como o jogador de xadrez, cuja habilidade consiste em raciocinar sempre alguns lances à frente, com a finalidade de prever o que o outro fará e utilizar suas próprias ações para neutralizá-lo. Pois apossar-se da liberdade do outro consiste em fazer de seu projeto um objeto para nós e que sirva aos nossos fins.


A dialética sartreana não se desata nem se resolve. É uma dialética sem recurso nem síntese, irremediável. É um motor que, ipsis litteris, gira em círculo e quebra a linearidade e, portanto, o providencialismo, implicado por todas as outras dialéticas.


É realmente uma outra dialética. Um outro modelo, epistemológico e ontológico do Movimento dialético da História.


Analisando O ser e o nada, constatamos o caráter radicalmente antidialético do existencialismo: a dialética como que trunca a meio do caminho, absolutizando o momento da contradição. Sartre em O ser e o nada divide a realidade em dois domínios e discute a dialeticidade de cada um deles – esta dicotomia se mostra especialmente significativa, havendo ele dividido o real em dois reinos, o Para-si e o Em-si, caracterizados, respectivamente, como contradição e identidade.


Em O ser e o nada, o Para-si é essencialmente busca de identidade; a realidade humana apresenta-se habitada, desde sua mais remota intimidade, por um ser do qual permanece definitivamente separada. A identidade fundamental só se verifica pelo reconhecimento do oposto dela mesma: o homem é de modo insuperável, sendo nossa preocupação isto explicar ao longo da dissertação, sua própria contradição, “fratura”.


Os conceitos de “autenticidade” e de “má-fé” estão calcados na oposição bergsoniana do “tempo” (espacializado, socializado e, portanto, “inautêntico”) e da “duração” (plena, livre, criadora, inventiva, contínua e, portanto, “verdadeira”). A Bérgson que reduz o homem ao somatório dos seus estados, Sartre opõe a idéia de uma totalidade psicológica a ultrapassar o somatório dos seus elementos e transcendê-la.


Vemo-nos, deste modo, frente a todo um grupamento de conceitos – “totalidade individual” e “totalidades do mesmo tipo”, “totalidade real”, “unidade ideal” (ou totalidade ideal) e “totalidade concreta” – em cujos termos se expressa a relação entre a consciência e o mundo. Sartre não se satisfaz em permanecer dentro da esfera da experiência subjetiva. Seu objetivo essencial é ontológico.


Em A transcendência do ego, encontramos uma teoria da consciência sistematizada em relação ao problema da totalidade. Referindo-se criticamente à opinião de Husserl sobre o “eu transcendental” como condição da unidade e identidade da consciência, Sartre refere-se à procedência da individualidade da consciência, evidentemente, da natureza da consciência.


A intencionalidade nos faz entender que a consciência é de si à medida que é consciência de um objeto que a transcende. A consciência é uma interioridade aberta e translúcida (como um vento, diz Sartre), inteiramente transparente a si própria. Introduzir nela um núcleo, real ou formal, só pode obscurecê-la. Em resumo, a consciência é nada, e por isso é absolutamente si-mesma, transparente a si mesma; e ao mesmo tempo é tudo à media que é sempre consciência de e consci~encia de tudo que pudermos captar como existente.


Relativamente a essa caracterização da consciência, dificilmente encontraríamos formulação mais clara e precisa do que a de Luiz Damon S. Coutinho:


Deve-se lembrar que a consciência liberada [pela epoché] tornou-se um nada... Entretanto, pode-se dizer que esse nada é tudo, na medida em que é “consciência de todos os objetos”. Não é senão porque é “nada”, porque é absolutamente translúcida a si mesma, que a consciência é espontaneidade. De fato, ligada sinteticamente a algo, pelo princípio de ação e reação, ela envolveria alguma passividade, não seria assim espontânea. A consciência não se liga, pois, senão a si mesma, na realização das sínteses das consciências escoadas; ela nada “produz” que não ela mesma. Diante disso, como afirmar que a consciência “constitui” o Ego?


Isso significa que o fluxo das consciências se unifica a si próprio à medida que a consciência nele se transcende para alcançar os objetos. Mas, ao que parece, a cada vez que ocorre a consciência de alguma coisa, parece ocorrer também o Eu dessa consciência. Quando me recordo de ter visto uma paisagem, recordo a paisagem mas posso lembrar também que eu vi essa paisagem. Como constatou Descartes, cada vez que penso, sou eu quem pensa – daí a inseparabilidade, julgava Descartes entre Eu e pensamento ou entre Eu e consciência. Mas é preciso atentar também para o caráter reflexivo do cogito, isto é, para o fato de que se trata de uma consciência “de segundo grau”. Quer dizer: “Este cogito é operado por uma consciência dirigida para a consciência, que toma a consciência como objeto... estamos diante de uma síntese de duas consciências das quais uma é consciência da outra” . Ora, se o cogito é obtido como resultado da reflexão, então o Eu do “Eu penso” é o eu da consciência refletida e não da consciência reflexionate, isto é, o Eu afirmado no cogito é o Eu que aparece como objeto para a consciência reflexionante.


A consciência (como a substância de Spinoza) só pode ser limitada por ela mesma. Sendo assim, constitui uma totalidade sintética e individual inteiramente isolada de totalidades do mesmo tipo, e o eu evidentemente só pode ser uma expressão (e não uma condição) dessa incomunicabilidade e dessa interioridade da consciência.


Se explicarmos o tempo de modo exterior, como elemento objetivo no qual o homem está inserido, segue-se a falsificação do para si; com efeito, se o tempo condiciona a realidade humana, o para-si se transforma num em-si, tornando-se, então, fatal que a liberdade seja substituída pelo determinismo. Consequentemente, o tempo deve ser reduzido à temporalidade, isto é, a uma estrutura do próprio para-si. Daí a crítica sartreana à doutrina bergsoniana; um passo que “adere ao presente e o penetra, não passa de uma figura de retórica”. Sartre toca na ambigüidade racial do pensamento de Bérgson, pois não se chega a saber, afinal, se para o autor de A evolução criadora é o ser que dura ou se a duração é o ser; “se a duração é o ser, é necessário dizer qual é a estrutura ontológica da duração”; se se, ao contrário, é o ser que dura, é necessário mostrar aquilo que, no ser, lhe permite durar.


Com isso, Sartre apenas indica o impasse da filosofia bergsoniana, porquanto, a rigor, ambas as hipóteses são insustentáveis. Numa perspectiva sartreana, dizer em que consiste a estrutura ontológica da duração ou mostrar aquilo que permite que o ser dure são hipóteses que excluem a temporalidade. Sartre não pode admitir a duração no ser porque isso implicaria em reabilitar, em algum sentido, a doutrina metafísica do ato e da potência, já que a duração pressupõe que o real venha a ser.


O interesse de Sartre pela fenomenologia é, desde o início, existencial-ontológico. Ele quer captar os “existentes” em sua facticidade, em oposição às diversas espécies de pressupostos ou prejulgamentos metafísicos que parecem dominar não só as teorias filosóficas, como também suas potencialidades da fenomenologia é nna expressão direta dessas preocupações. Esse mundo contingente dos “existentes” é o mundo das coisas e o mundo dos homens que podemos descobrir em sua totalidade complexa.


Assim, a preocupação no que se refere à totalidade foi ulteriormente caracterizada como enfrentar o mundo como ele é, exatamente como ele costuma ser em sua contingência e facticidade, com o propósito de “revelar esse existente contingente em sua inteireza”.


A oposição sartreana repete Bérgson “a matéria é necessidade, a consciência é liberdade”, de A energia espiritual, o eterno conflito, encenado em A evolução criadora entre a vida (duração, impulso, energia) e o que lhe opõe resistência (matéria, natureza, recaídas incessantes da espécie humana na matéria e na natureza). Bérgson acrescenta que matéria e liberdade podem “muito bem se opor uma à outra” , pois a vida é precisamente a liberdade inserindo-se na necessidade e transformando-a a seu favor.


Sartre, em O ser e o nada, era um antinaturalista conseqüente. Fazia o possível para desnaturar o sujeito. Em Crítica da razão dialética, escreve “a história é uma aventura da natureza”, e isso não só porque


[...] o homem é um organismo material, com necessidades materiais, mas porque a matéria lavrada, como exteriorização da interioridade, produz o homem, que a produz ou a utiliza, por ser constrangido, no movimento totalizante da multiplicidade que ele totaliza, a reinteriorizar a exterioridade de seu produto


Assim como em O ser e o nada a realidade humana é sinônimo de consciência, podemos dizer que a dialética pressupõe em toda sua extensão a consciência individual.


A intuição sartreana de que o destino de um homem se faz a partir, não de seu passado, mas de seu futuro. A definição do sujeito como “ser” que, diferentemente do “Em-si”, que “é apenas o que é”, é perpetuamente “o que ainda não é”. A idéia de uma “realidade humana” que só se temporaliza a partir do “adiante”, na antecipação” de si-mesma, “projetando-se em direção a um possível” que vai tornar-se o “projeto” sartreano.


A idéia de que o ser é o tempo, de que ele deve ser todo repensado a partir do tempo, mas também de que, longe de o passado ser, como para Bérgson, a dimensão desse tempo que dá força ao futuro, longe de o passado nutrir o futuro, futurizá-lo e insuflar-lhe a energia e sentido, é o inverso que se dá: o futuro empresta força ao passado, imanta-o, dá-lhe seu sentido e, na ordem do ser, precede-o.


Para Bérgson, a vida deriva de um impulso da própria vida, é uma manifestação da Vida Criadora, “Ato Puro” que produz todos os fenômenos. O princípio mesmo de O Pensamento e o movente... A definição bergsoniana do conhecimento como progresso contínuo, processo sem fim, movimento necessário e incessante. A vida, para Bérgson, não é um fenômeno suspenso no vácuo da Natureza atéia, mas tem de ser vista sobre o último plano da Vida Criadora, Deus, que trabalha na natureza, criando, no momento ascendente da mesma natureza, novas e mais elevadas formas.


Referindo-se ao conhecimento, a divisão básica é consciente e inconsciente. Para Bérgson, de acordo com a Introdução de Utopia cristã no sertão mineiro , é a necessidade pragmática da Vida que divide o mundo em duas partes: consciente (aquilo que se precisa conhecer para atuar no mundo) e inconsciente (aquilo que, se conhecido, de alguma maneira irá atrapalhar a conservação da Vida em seu estágio presente). Se a vida não é apenas conservação e sim também criação, novas dimensões da realidade têm de ir sendo incorporadas ao consciente para que a mesma vida possa continuar .


A obsessão sartreana por uma natureza sempre qualificada como pesada, pastosa, viscosa – presença inquietante, massa informe, plenitude sufocante, espessaura vegetativa e asfixiada, desmoronar gelatinoso, cola, transbordamento: estamos tão longe da definição bergsoniana da matéria?


A assertiva de que a natureza é exterior a si mesma parece pressupor, mas uma vez, a consciência. Por outro lado, afirmar que a natureza é exterior a si só se entende a partir de um conceito, unívoco de interioridade: a interioridade como sinônimo estrito de consciência.


No seio da natureza, diz Sartre em Baudelaire,


[...] sente-se preso em uma imensa existência amorfa e gratuita que o traspassa inteiro com a sua gratuidade e lhe causa medo.
No meio das cidades, pelo contrário, rodeado por objetos precisos, com existências determinadas pelos seus papéis e, todos, aureolados por um valor e um preço, ele está à vontade: eles lhe devolvem o reflexo do que seja ser, uma realidade justificada .


O “judeu Sartre” – esse antinaturalista resoluto, que, por nunca transigir quanto a seu antinaturalismo, por nunca se ter curado do enjôo diante do perfume da natureza, manteve, até o fim, a escolha da errância, da fratura, do exílio, da não-propriedade de si e das coisas. A natureza é a vida? Não, é a morte.


Aqui, encontraríamos certas análises de O ser e o nada:


A vida morta não cessa, por isso, de mudar e, no entanto, ela está feita. Isto significa que, para ela, os jogos estão feitos e que, de hoje em diante, sofrerá suas mudanças, sem, entretanto, ser responsável por elas... Nada mais lhe pode vir do interior, ela está inteiramente fechada; nada mais se pode fazer entrar ali; mas, seu sentido não cessa de ser modificado de fora... Estar morto é ser presa dos vivos .


E quem pode em sã consciência não considerar que Sartre está expressando e dizendo acerca do “intelectual”, do “escritor”, enquanto aquele quem deixa suas obras, seus pontos de vista acerca da existência humana, desta consciência de que somos a busca de ultrapassar a nossa liberdade em busca da “consciência universal”, embora Sartre mesmo tenha negligenciado haver-lhe considerado como a “consicência-do-século”.


A tentação antiintelectualista não é o tom dominante do “pensamento-Sartre” nem o seu aspecto mais suave. Ela percorre La transcendance del ego , oposição do “fluxo concreto” da consciência fenomenológica à lentidão do conhecimento transcendental. E mesmo O ser e o nada, “não há conhecimento que não seja intuitivo”. Em Bergson, a intuição, destituída dos motivos utilitários, permitiria a apreensão do que é vida, dinamismo, mudança qualitativa, duração e criação.


A idéia de que posso, até o fim, mudar o sentido do meu passado, desligar-me dele e, no mesmo impulso, transformar em escolha o que o “penso” do mundo me impôs como destino. Sustentando Sartre a maravilhosa aposta do arrancar-se da banalidade do ente, percebe-se a denúncia bergsoniana do “impessoal” e do murmúrio “mecânico”; o vitalismo contra o pensamento do “esquecimento do Ser...”.


A grande lição de Schopenhauer ou dos grandes moralistas franceses, La Rochefoucault primeiramente: o olahr viola, no caso particular de Sartre o problema de seu olho direito, “um olho manda o outro à merda”, somos todos medusas petrificadas..


Falávamos antes que a análise existencialista da intersubjetividade fica como que emperrada em seu ponto de partida, naquele momento em que o escravo não passa de um simples objeto para o mestre. A dialética sartreana não se desata nem se resolve.


Na dialética do Senhor e do Escravo, o ponto de partida de Hegel é o imediato: a consciência-de-si na sua simplicidade e igualdade consigo mesma, excluindo o outro, toma por objeto o seu Eu singular. Qualquer outro que apareça já virá marcado com sinal negativo, não lhe é essencial como objeto. Ora, o outro que surge é uma consciência-de-si, com igual independência; e a relação que estabelecem as suas consciências ainda imersas no ser da vida – pois como vida está aqui determinado o objeto “essente” – é imediata: enfrentam-se como simples indivíduos, que ainda não se apresentaram um ao outro como consciência-de-si.


Um indivíduo que não arriscou a vida poderá ser reconhecido como pessoa, porem não atingiu a verdade deste reconhecimento enquanto reconhecimento de uma consciência-de-si independente. Arriscando a vida, o indivíduo visa à morte do outro: a vida alheia não vale mais que a própria. O outro tem de ser posto em perigo de vida para suprassumir sua alteridade: assim deixa de ser consciência perdida nas escórias dos mutios modos do ser e da vida e adquire a pureza do ser-para-si, como negação absoluta.


A reflexão hegeliana sobre a “luta mortal pelo conhecimento”, Sartre dá crédito a Hegel por sua “ligação sintética e ativa” entre duas consciências que não são mais exteriores, mas constitutivas uma da outra; reconhece-lhe o mérito de ter sabido ver, em meu duelo com o Outro, na querela, então, e na guerra, o que faz de mim um sujeito; exceto que ali onde fazia desse duelo um simples momento, ali onde a Fenomenologia do Espírito, tomando o ponto de vista do Absoluto, via já chegar o outro momento, o seguinte, quando a separação será reabsorvida, Sartre vê o estado normal da relação inter-humana, um escândalo definitivo.


Contrariamente a Hegel, Sartre não imagina encontro de consciências que não se torne tão logo, e indefinidamente, uma agressividade, um olho “mandar o outro à merda”. Não concebe olhar que não seja uma declaração de guerra, um gesto dirigido ao outro que não implique uma altercação das consciências, que perdem, tão logo se aproximam.


Pelo olhar se manifesta toda a ambigüidade que sou. Pelo simples fato de surgir um outro adquiro uma dimensão de exterioridade, e tudo se passa como se eu tivesse uma natureza estável e me transformasse num em-si. O olhar do outro espacializa-me e me temporaliza, e me ofereço, sem defesa, à apreciação alheia; assumo, a despeito de mim, uma liberdade que não é minha.


Observe-se que a inspiração na dialética hegeliana do mestre é evidente. Em Hegel, essa dialética se apresenta como resultado de um processo “histórico”, sendo apenas um momento da evolução geral do Espírito. Em Sartre, a tese torna-se absoluta e aplica-se à realidade humana como tal . O olhar alheio, porque tende a transformar-me num em-si, põe em perigo meu ser, e “este perigo não é um acidente, mas a estrutura permanente de meu ser-para-outro” .


O campo inteiro das relações entre os sujeitos, assim como atesta o que ele diz sobre o amor, ou sobre o erotismo, “se o ato sexual não é normalmente, uma violação consentida”, se não é “sempre, mesmo que de forma mascarada, uma espécie de violação” , se “toda penetração” não comporta, o que quer que se diga, e o que quer que pensem os meigos sonhadores a imaginar “uma outra mulher e outro homem construindo-se na revolta do hoje”, um inevitável “elemento de agressividade”: é “importante de um ponto de vista revolucionário”, resmunga


[...] “decidir se o ato sexual é uma violência ou se existe um ato sexual não violento, construído e equilibrado a partir do ato sexual violento”; e conclui: “não creito que a agressão possa ser completamente eliminada da sexualidade – antes de lançar a seus interlocutores espantados: “a maioria dos homens de Libération” nunca se perguntou “o que sente uma mulher nas relações sexuais”, pois nessa mistura de corpos, que é o amor, nessa guerra de todos contra todos e sem fim, “é um problema que não interessa muito aos homens” .




O olhar nos revela a existência indubitável do outro para quem nós somos. “Qual é o ser desse ser-para-outro?” . O ser-para-outro não pertence à estrutura ontológica do ser-para-si; não podemos também derivar um do outro, à maneira como se tira a conseqüência de um princípio. O olhar “nos revela como um fato a existência do outro e minha existência para outro”. Meu ser-para-outro ocorre como um acontecimento absoluto.


Que chama Sartre “sujeito”? O que quer dizer quando diz “sujeito” e quando opõe esse termo à indigesta mineralidade das coisas? Como define esse sujeito, e como sua definição combina com seu anti-humanismo?


O Sentido profundo da análise de Sartre é que a relação sujeito-sujeito não consegue deixar de ser uma relação sujeito-objeto; no fundo, ele pensa a relação do para-si com o em-si.


Sartre acredita em um eu esvaziado de si, proibido de permanecer em si. “A consciência se purificou”, frisa ele, no artigo sobre Husserl, de 1939, A intencionalidade em Husserl “é clara como um forte vento, nada há nela senão um movimento para fugir de si”.


Assim como não tem interioridade, o eu não tem unidade que faça a chamada dos “eu” espalhados. A convicção de Sartre é de que não se deveria falar do sujeito senão no plural: não a, mas as consciências, não a, mas as subjetividades; uma infinidade, para cada um, de consciências e de subjetividades que a comodidade da vida torna, às vezes, um sujeito; e, indexada nessa infinidade, ligada a essa explosão fundadora, a disparidade dos estilos e das escritas.
Manoel Ferreira Neto
(22 DE SETEMBRO DE 2003)


(#RIODEJANEIRO#, 08 DE AGOSTO DE 2018)


Comentários

  1. O “olhar” o Outro mostra e identifica que os caminhos de tecimento do Nós estão muito distantes, tudo está limitado e delimitado nos conflitos, angústias, preconceitos... Contudo, se tomarmos consciência dos caminhos que os homens, os indivíduos, os seres humanos podem atingir com o saber “olhar”, conhecimento de sua dimensão profunda, desejo de saciar a sede de sabedoria à busca de encontro, harmonia, acima de tudo, compreensão e entendimento do sentido das relações, a integração do Eu e Tu, estabelecendo o “Nós”, muito se pode fazer para que a visão-de-mundo possa ser inteirada às relações humanas. Somos todos “medusas petrificadas”, mas isto não significa que não possamos modificar, transformar o convívio com o outro, quem, em verdade, é uma dimensão de nossos “eus” interiores, como nos ensina o escritor-filósofo Jean-Paul Sartre com toda a categoria.
    O tema do sujeito, tendo como alicerce o outro e o olhar, que tento desenvolver aqui, é elaboração de uma intuição que tive há aproximadamente vinte e quatro anos. Era o ano de 1983, tinha ido assistir á peça Entre quatro pardes (chamava-se, inicialmente, Os outros), de Jean-Paul Sartre, no Teatro da Avenida Augusto de Lima, Teatro da Imprensa Oficial, Belo Horizonte, com uma colega de faculdade, cursando, respectivamente, Filosofia e Psicologia, e, saindo da peça, tendo a colega tido muitos vômitos, devido à dramaticidade da peça, seus dramas e conflitos de identidade, disse-me ela que era triste não ter um “sujeito”, de acordo com as situações construir-me. O desejo, o projeto era entregar-me por inteiro às letras, à filosofia, tornar-me escritor. Não se torna escritor, é-se desde toda a eternidade, dom gratuito de Deus. A ação da peça desenrola-se no inferno. Não o inferno da mitologia cristã, com diabos, garfos e cheiro de enxofre, mas um salão decorado no estilo do Segundo Império com três poltronas e uma estátua de bronze sobre a lareira. Ao longo do tempo, questionando sobre as famosas frases “O inferno são os outros”, “sou o que não sou e não sou o que sou”, de Sartre, fui elaborando isto no espírito. As mudanças que se realizam na continuidade “foram-são” tentativas de criação da Vida, sonhos dentro de outros sonhos, dentro de outros sonhos. Em 2003, escrevi uma dissertação acerca do Outro e o Olhar em “O ser e o Nada”, intitulado Um olho manda o outro à merda, que, por interferência do Padre Manuel Quitério, Seminário Sagrado Coração de Jesus, Diamantina, fora modificado para Alteridade do outro em Sartre, pois que a comunidade diamantinense se sentira insatisfeita com o título, era um acinte aos bons costumes e moral da comunidade. Aceitei por haver sido pedido pelo padre, ademais estava lecionando Língua Portuguesa IV no Seminário para os alunos do 4º período de filosofia, e não porque a comunidade diamantinense se sentira incomodada. Essa obra foi publicada pela Gráfica Urgente, 2003, com o apoio cultural da classe empresarial diamantinense, lançada em 21 de setembro do mesmo ano na Boutique Cyrillo, de propriedade da amigas Cyrillo, Mércia, Mariinha, Maria Herminía, Martha Moura (artista plástica), por ocasião do evento Café no Beco. Houve alguns senões na dissertação apontados pelo Padre Nilton Barroso. Agora, que estou escrevendo esse ensaio, decidi incluir este livro publicado, fazendo as devidas correções, e também conservando o título original Um olho manda o outro à merda. Já não leciono no Seminário, rompi definitivamente as minhas relações com a comunidade diamantinense, inclusive tendo feito Testamento Público, proibindo qualquer de minhas obras de serem lançadas, veiculadas, divulgadas na cidade de Diamantina.

    ResponderExcluir
  2. “Na medida em que o ser se transcende em outra coisa, escapa às determinações do entendimento; mas, enquanto ele mesmo se transcende – ou seja, é no mais profundo de si origem de seu próprio transcender – só pode, ao contrário, aparecer tal como é ao entendimento que o fixa em suas determinações próprias” (EM, pág. 55, Vozes, 11º ed. 2002).
    O Ser e o nada envolve a invalidação do processo dialético, cabendo interpretar esta obra como uma cr´tica negativa à dialética. O sentido metafísico da dialética consiste em estabelecer a subida ao fundamento a fim de garantir a participação no ser meta-físico e conquistar um teor ontológico para o real. Platão, no início da metafísica, e Hegel em seu momento conclusivo, em ambos os casos, a dialética seria o meio que permitiria emaprestar dimensão ontológica à finitude do finito. Assim esta dissertação se fundamenta, os olhos são fundamentos da dialética da metafísica e ontologia. Aceder à plenitude do sentido metafísico da dialética significa liga-la à idéia de participação, relação entre o fundamento e o fundado. No existencialismo, a participação se restringe ao problema da intencionalidade, e a reunião dos dois reinos que compõem o real é empreendida através do poder nadificador do para-si. Em O ser e o nada, o homem vive como que constrangido a assumir-se como medida, e a decorrência absolutamente coerente consagra o absurdo, por isso que a realidade humana é finitu8de radical, uma particularidade eternamente devolvida a seu próprio nada.

    ResponderExcluir
  3. Por ocasião da escrita dessa dissertação, 2003, não me lembra de com quem comentei a respeito da dívida de Sartre para com Dostoievski, isto é, fizera ele apenas alguns comentários pequenos sobre o escritor russo em O existencialismo é um humanismo e O ser e o nada. Se ele escreveu sobre tantos artistas-plásticos, escritores, músicos, pintores, deveria ter escrito sobre Dostoievski. Agora, reescrevendo o ensaio, tendo entrado em contato com a obra de Franklin Leopoldo e Silva, Ética e literatura em Sartre, ficamos sabendo que Sartre pretendia escrever, além daquele sobre Flaubert, outro trabalho de psicanálise existencial sobre Dostoievski. Assim nos diz Franklin Leopoldo: “Talvez por isso o exemplo que aparece em O ser e o nada referente a esse assunto seja o do jogador, que lembra o romance de Dostoievski, um estudo extraordinariamente profundo sobre a psicologia do jogador. Sartre enfatiza a necessidade sempre atual que tem aquele que decide abandonar o jogo de reiterar a decisão. Diante de uma oportunidade de jogar, tudo recomeça; de nada adiante ter decidido; isso não o obriga. Ele tem que reiterar livremente a escolha já feita, e pode sempre escolher outra coisa. O projeto de não mais jogar está sob o risco constante de não se concretizar, de transformar-se no seu contrário. Essa escolha do ser, como todas as que poderiam ser feitas, está sempre em questão, porque a realidade humana é uma questão: nenhuma resolução, nenhuma deliberação assegura a persist~encia da escolha. Esse risco representa a maneira pela qual o para-si vive a sua ausência de fundamento. Viver a aus~encia de fundamento, isto é, não ter em que apoiar um projeto de ger, gera a angústia. Esta, como se sabe, é a vivência antecipada de uma oautra possibilidade, daquilo que poderei ser e não sei se serei. Estar distante de si significa não saber o que serei a distância; minha escolha atual não garante minha conduta futura. Essa ameaça de viver a diferença em relação a mim mesmo, assumir uma possibilidade distinta e contrária à minha escolha anterior, provoca a permanente instabilidade de meu ser. Não se trata de um fenômeno psicológico, embora eu o viva psicologicamente; trata-se da estrutura do para-si e da liberdade radical que ele é. A liberdade provoca a angústia porque ser liberdade significa que nenhum ato livre encerrará o processo de ser e o drama de existir. O diferente e o contrário do que sou e do que pretendo ser estão sempre no horizonte do meu ser”.

    ResponderExcluir
  4. Moutinho apud Franklin Leopoldo e Silva, Ética e literatura em Sartre. Ensaios introdutórios, op. cit. pág. 39.
    SARTRE, Jean-Paul. La transcendance de l´ego. 1972, p. 28. Cf. também p. 26: “[A consciência] é o existente absoluto à força de inexistir!”.

    ResponderExcluir
  5. LÉVY, Bernard-Herni. O século de Sartre. Inquérito filosófico. Trad. Jorge Bastos. Editora Nova Fronteira. 2000. pag. 459.

    ResponderExcluir
  6. LOPES, Paulo César Carneiro. Utopia cristã no sertão mineiro. Uma leitura de “A hora e vez de Augusto Matraga de João Guimarães Rosa. Petrópolis. Vozes. 1997. pág. 14.
    Dr. Paulo César Carneiro em sua leitura ressalta e enfatiza que, se a Vida não é apenas conservação e sim também criação, na leitura de Bérgson que ele elabora, novas dimensões da realidade têm de ir sendo incorporadas ao consciente para que a mesma Vida possa continuar existindo, para que possa assumir a categoria de “continuidade”, pois que “Se o Ser se faz continuamente, a continuidade é também o Ser”. Se a dinamicidade da tensão entre criação e conservação for destruída, a Vida se extinguirá. Conservação é tentativa de conservação da Vida. Mudança é tentativa de criação da Vida. Se um desses dois pólos triunfar simplesmente sobre o outro, o resultado que conseguirá é o oposto do almejado.

    ResponderExcluir
  7. LÉVY, Bernard-Henri. O século de Sartre. Inquérito filosófico. Trad. Jorge Bastos. Editora Nova Fronteira. 2000. pag. 284.
    Idem, idem.
    JEANSON, Francis. Sartre. Trad. Elisa Salles. Rio de Janeiro. José Olympio Editora. 1987. pag. 24.

    ResponderExcluir
  8. Sartre não censura o próprio Husserl, o de Ideen, regredido em relação àquele dos primeiros escritos e voltado a um monadismo da consciência, fechada em si mesma, substancial? Não censura Husserl por não ter ido até o fim de sua intuição. Não vale lamentar ter o último Husserl, o de Ideen, regredido em realção àqueles dos primeiros escritos e voltado a um monadismo da consciência, fechada em si mesma, substancial? Uma parte da subjetividade que resiste ás coisas, opõe-se a elas, recusa a resolver-se nelas. Essa parte da consciência qu o fundador da fenomenologia não cessou de repetir, a única “constituição originária” das coisas e de que dispõe de uma “preeminência” ontológica: “risque a natureza”, anota Ricoeur, comentando Husserl – “resta o eu que risca pelo gesto redutor; risque o espírito -, a natureza se acaba por falta de uma consciência para quem e em quem esse gesto se articule”.

    ResponderExcluir
  9. Eu sou escravo na media em que sou dependente em meu ser no seio de uma liberdade que não é a minha e que é a própria condição de meu ser” (EN, p. 326).
    Referimo-nos à intuição que tivemos, aquando assistindo à peça Entre quatro paredes, a dramaticidade dela e seu ponto origiante é o olhar do Outro que perpassa toda ela. Referimo-nos também à Gorgona, Medusa, o mito grego. Se fosse olhada de frente, seria petrificado. O título de nossa dissertação se fundamenta também no drama que todos os homens vivem uma vida fechada, voltada para si próprios, inteiramente preocupados consigo mesmos, uma vida sempre na defensiva em relação aos outros e, por isso, totalmente à mercê do olhar dos outros, das merdas que são enviadas mutuamente.
    SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada. Ensaio de ontologia fenomenológica. 11º ed. Trad. Paulo Perdigão. Petrópolis. Vozes. 2002. pag. 326.
    Libération, 15/11/1973.

    ResponderExcluir
  10. BORNHEIM, Gerd A. Sartre Metafísica e existencialismo. São Paulo. Ed. Perspectiva. pág. 158.
    Idem, idem. pág. 161.

    ResponderExcluir
  11. Sartre apud Franklin Leopoldo e Silva, Ética e literatura em Sartre. Ensaios introdutórios, 2004, pag. 185.
    BORNHEIM, Gerd. Sartre metafísica e existencialismo. São Paulo. Editora Perspectiva. pag. 86.

    ResponderExcluir
  12. O idiota da família prolonga a temática de Questões de Método, ou seja, de um pensamento centrado antes de tudo na realidade social, continuação essa que forçosamente suscita problemas que merecem discussão. Pois a pergunta originária que se faz Sartre, recebe agora um adendo significativo: “Que pode se saber de um homem, hoje?”

    ResponderExcluir
  13. SARTRE, Jean-Paul. Situações IV. Publicações Europa-América. Pág. 385.
    “Três horas. Três horas é sempre muito tarde ou muito cedo para o que se quer fazer. Um momento da tarde bastante peculiar”. (A náusea. Pág. 27)
    SARTRE, Jean-Paul. Existential psychoanalysis. Introduction by Rollo May. Gateway Edition. 1.10. pág. 69. “Mas este movimento de dissolução é fixado pelo fato de que o conhecido permanece no mesmo lugar, indefinidadmente absovido, devorado, e ainda indefinidamente intacto...”

    ResponderExcluir
  14. LACAN, Jacques. Séminaire. Livro XI. Les quatre concepts foundamentaus de la psychoanalhyse. Seuil. 1973. pag. 79-80.

    ResponderExcluir
  15. SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada. Ensaio de ontologia fenomenológica. 11º ed. Trad. Paulo Perdigão. Petrópolis. Vozes. 2001. pág. 292.

    ResponderExcluir
  16. Idem, idem. pág. 296.
    Idem, idem. pág. 294.
    “O eu não deve ser considerado como mero sujeito, como foi considerado até agora, mquase sem exceção, mas como sujeito objeto”. A palavra eu (ou, mais exatamente, eu puro ou egoidade) designa uma consciência transcendental, isto é, uma estrutura universal, independente das consciências individuais e tomadas como pura atividade; encerra em si a estrutura de todo e qualquer conhecimento teórico, ao mesmo tempo que o fundamento de toda e qualquer ação prática do outro.

    ResponderExcluir
  17. SARTRE, Jean-Paul. Infância de um chefe in O muro. Trad. H. Alcântara Silveira. 9º ed. Civilização Brasileira. 1977. pág. 113.

    ResponderExcluir
  18. BORNHEIM, Gerd A. Sartre metafísica e existencialismo. São Paulo. Editora Perspectiva. 1971. pág. 84.
    Idem, idem. pág. 96.
    Idem, idem.
    Interessantíssimo, servindo de bússola de orientação para o entendimento do nível de relações que se possa ir suprassumindo a partir da análise da dimensão negativa das relações, é que Leonardo Boff, em Tempo de Transcendência, Editora Sextantee, diz: “Sartre afirma que a fenomenologia do ser humano, isto é, a descrição de como se manifesta e de como funciona o ser humano, reside em revelar que ele é um ser em si, mas que se abre sempre para o outro, que se abre ao mundo, que se abre à totalidade. Esta é a condição humana básica. Mas ele recusa a aceitar que essa abertura tenha um outro objeto. Para ele, o ser humano é mola distendida para o universo, e tanto sua angústia quanto sua grandeza é aceitar-se nesse empuxo para o puro e simples, sem objeto definido”.
    Tal comentário fora feito anteriormente nesse ensaio, mas visto que o fora a partir dessa dissertação, achamos conveniente não eliminar, pois assim o leitor terá oportunidade de se situar ainda mais na discussão que levantamos.

    ResponderExcluir
  19. BORNHEIM, Gerd A. Sartre metafísica e existencialismo. São Paulo. Ed. Perspectiva. 1971. pág. 97.
    Idem, idem. pág. 98.

    ResponderExcluir
  20. MORAIVA, Sérgio. Sartre. Edições 70. pág. 56.
    Idem, idem.

    ResponderExcluir
  21. LÉVY, Bernard-Henri. O século de Sartre. Inquérito filosófico. Trad. Jorge Bastos. Rio de Janeiro. Editora Nova Fronteira. 2000. pág. 206.

    ResponderExcluir

Postar um comentário