#LÚCIFER PERNÓSTICO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: ROMANCE



CAPÍTULO X


Sente profundos desejos de, às vezes, explicar de modo, quem sabe, categórico a razão de, em alguns dias, amanhecer com o espírito irônico, sarcástico, cínico. Não se importaria se a categoria lhe não fosse possível – enfim, dizer a última palavra sobre algo é dificílimo; fica a sensação de a verdade haver sido dita, a ansiosidade de dizer sobre outras.


Ademais, um sentimento estranho, esquisito de nada mais haver a ser feito. Talvez seja esta a razão dos mistérios todos da vida e da morte: se todos eles forem desvendados, o que sobrará ao homem para lhe impulsionar a seguir a sua jornada? São os mistérios que impulsionam a vida. Disto está mais do que consciente. Vive-os na carne e nos ossos.


Mistérios e jericadas humanos comungados em boa dose dão origem a alegrias e felicidades, pois que se sabe a vida ser eterna piada. Seja, não há qualquer problema; contudo que faça rir à grande. Contenta-se com seu espírito irônico, sarcástico, cínico: seus mistérios e jericadas estão comungados em sua alma e espírito.


Nestes dias, torna-se um indivíduo sobremodo observador, não deixando a mínima coisa passar desapercebida. Ajuda-lhe a enriquecer os conhecimentos de inúmeras mazelas, fatos que acontecem a todo momento, que necessitam, óbvio, de fundamentos reais para serem divulgados a todos os ventos. Um homem bem informado das notícias de sua comunidade, sejam de cunho sério, responsável, sejam de piadinhas e fofocas as mais diversas possíveis, é sempre um homem que deveria ser considerado patrimônio da comunidade.


Fossem-lhe dados dons, talentos para uma explicação superficial!... Amanhece com o espírito irônico quando se sente alegre. Pergunta-se: “O que aconteceu ontem para me deixar alegre, saltitante?” Deve investigar, tomando em consideração todos os acontecimentos vividos, as pessoas com quem encontrou, as novidades atrozes e fantásticas que algumas lhe contaram, os dedos de prosa trocados pelas ruas, etc., etc. Nada lhe explica a razão de ironias, sarcasmos, cinismos. Conclui que alegre está gratuitamente. Dizem até que a alegria gratuita é a verdadeira. Não sabe se assim o é.


No início, aquando chegara a Atenas Atéia, poderia, sem medo algum de estar a tripudiar-se, fugir de sua realidade, dizer sobre os seus encontros com estes ou aqueles, mas isto hoje é passado – alegre se encontra, sobremodo saltitante, pois se conscientizara de com aqueles com quem se envolvera só fez prejudicar a sua imagem, homens que estão sim com a intenção de prejudicar com a simples justificativa de não serem cúmplices ou álibis de quem deseja com toda a força de sua alma e espírito construir a sua vida, não construíram as suas.


Alguém havia jogado uma folha de papel de caderno espiral fora, sem única letra escrita. Se não andasse com a agenda em mão, poderia apanhá-la e aproveitar para garatujar alguma coisa, enquanto tomando a branquinha, acompanhada da cerveja. Com plásticos de bolha apanhados em porta de lojas, no meio da rua, encapou muitos de seus livros. Quem sabe o dono do caderno por não encontrar única palavra a ser escrita tenha se enraivecido, jogando a folha fora, experimentando escrever noutra?


O carroceiro estava com uma pá em mãos jogando a areia no chão. Estava sendo construído, na avenida da Saudade, a que termina no Cemitério Municipal, o prolongamento de uma das pousadas mais importantes da cidade. A rua do Bomfim termina na Cadeia municipal. Quando isto ouvira, caíra na gargalha, uma boa piada; mas era real. Recebemos tantos turistas que as pousadas ficam abarrotadas. Teriam de ser construídos outros apartamentos para atender a demanda. Uma oportunidade magnífica para se ganhar muito mais; quanto mais dinheiro se ganha melhor a aparência na sociedade, maiores os benefícios e privilégios. A areia era necessária aos pedreiros.


Desde a curva de onde se torna possível a visão da pousada, observou a carroça parada, o carroceiro jogando a areia no chão. Lembrou-se, o que não tinha nada a ver com a situação, de, na cantina, antes da pousada, tomando um aperitivo, escrever algo, citando o nome da pousada, o que lhe deu o privilégio de ser convidado para uma seresta que sempre acontece às terças-feiras. Nesta seresta, só músicas que se tornaram imortais, eternas, universais são executadas com toda a engenhosidade e arte, embora os sentimentos, intuições, percepções, que a música revela abstratamente, estejam enlaçados ao passado, e o presente foge aos ouvidos, sensibilidade dos músicos que a executam, mas a intenção é apenas a revelação do que fora o passado, no passado como as suas artes eram executadas, criadas, vividas e experienciadas no quotidiano das coisas efêmeras e eternas. Fora-lhe presenteado um jantar dos mais suntuosos e deliciosos. O que agradeceu cordialmente ao gerente. Sabia perfeitamente da intenção do gerente da pousada: continuasse a fazer sempre elogios, poderia de quando em vez ser presenteado com uma jantar dos mais suntuosos – Credólio Cruzilis sempre que ia a restaurantes com sua esposa Hécuba Cruzilis pedia o melhor prato, gostava de comer bem. Se fizesse de suas críticas, não teria esse privilégio de comer bem e de graça.


Continuou andando em direção a um barzinho próximo à igreja da Consolação, a fim de comprar um maço de cigarros. Não deixando de observar a carroça parada, o carroceiro trabalhando. Lembrou-se, então, de alguém quem, antes de publicar os textos na Internet, tinha de ler atenciosamente letra por letra, a fim de se certificar se não havia qualquer coisa comprometedora, uma daquelas críticas ferrenhas, nas entrelinhas, às vezes até nas linhas. Se encontrava, não permitia a publicação. O que mais dizia era: “Quando os títulos não são agressivos, são os textos mesmos”. Isto aos seus olhares, pois que não tinha qualquer possibilidade de entender e compreender o que as entrelinhas revelavam.


Juízos já deliberados pelos preconceitos e discriminações, além da extrema impossibilidade de entendimento e transcendência. Censurara um. Enervou-se. Não mais publicou uma só linha. O que fora censurado dizia respeito à ética. A falta de ética na sociedade ateniense atéia era uma coisa escalabrosa em todos os sentidos. Partiu da premissa de que ninguém houvera visto falar em ética: era preciso ensinar o que era isto. Assim, partiu de Sócrates: “só sei que nada sei”.


Aquando do assassinato da autoridade, um de seus amigos, tendo ido a uma padaria tomar um café, ouviu alguém dizer que Credólio Cruzilis tinha de ser esperto, ele que adora publicar artigos venenosos sobre todos os acontecimentos da cidade.


- Aquele escritor...


- Quem, Justino? A quem você se refere?


- Credólio Cruzilis... Ele que seja esperto. Caso contrário, a vez dele será a próxima.


Ouvindo estas palavras, o amigo de Credólio Cruzilis, respondeu às pessoas que comentavam sobre o assassinato, que mencionaram o nome dele.


- Ele não precisa ser esperto – disse, dando um sorriso leve – Não mais publica um só artigo em qualquer dos tablóides da cidade. Em verdade, se Atenas Atéia está assim ou assado, isto não lhe diz respeito. Publica sim, mas em sua terra, Cachoeira dos Lobos. E lá não há quem não lhe outorgue o merecido valor. Lá têm competência e sapiência para poder analisar a extensão e profundidade de seu pensamento. Acá, quem pode fazer isto? Ninguém.


Aproximando-se da carroça, é que observou a folha branca de papel no chão. Curioso é que estava justamente à frente de Lúcifer Pernóstico. Andou mais uns passos, parando. Observou.


Intrigou-lhe o fato de Lúcifer Pernóstico estar sempre olhando para a página. Dias antes, subindo a rua do hospital, percebeu que andava lento, de cabeça baixa. Pensou ser contestação por parte do asno por haver seu dono trocado a cenoura. Após uma série de especulações sobre isto, não vendo outro modo de se certificar da realidade, o porquê de o asno estar andando de cabeça baixa, lentamente, aproximou-se de uma mulher, perguntando-lhe o que estaria acontecendo, como ela lhe explicaria Lúcifer Pernóstico estar daquele jeito. Disse-lhe, sem titubear, que lhe faltava a pena, com ela escreveria a nossa História de modo e estilo tão sério e responsável que faria o queixo de muitos cair. Escreveria sem interesses e ideologias chinfrins.


Aproximou-se ainda mais, deixando de propósito o maço de cigarros cair no chão, contendo dois apenas, de modo que pudesse afastar a folha de papel. Fê-lo. O asno virou a cabeça para a esquerda, continuando a olhar a folha de papel.


Vendo a folha branca, imaginava-a coberta de letras. Imaginava se não estivesse ali parado, enquanto o carroceiro com a pá tirava a areia, jogando-a no chão. Estivesse em casa pensando nalguns acontecimentos que ouvira ser dito em tom jocoso.


Fizeram uma espécie de calendário de todos os eventos do ano. Nenhum dos eventos diz respeito ao circuito dos diamantes, o que mostra a elaboração feita está prenhe de interesses e ideologias as mais chinfrins.


Tivesse Lúcifer Pernóstico o privilégio de uma pena ali, naquele momento, com efeito, começaria com uma pergunta das mais simples e reais possíveis: “Que negócio é este de Reveillon ser do circuito dos diamantes?” Ainda não satisfeito com o início de seu escrito, aproveitando a proximidade, perguntaria: “Carnaval ser do circuito dos diamantes? A História está precisando com urgência ser revisitada com seriedade. Os homens assim resgatarem a própria identidade, serem cidadãos reais”.


Não tinha este privilégio no momento. Não haveria qualquer problema. A inspiração estava ali no chão. Sem a pena mesma, o que, em verdade, era irrelevante, pois, às vezes, pensar se torna muito mais rico do que escrever, as dificuldades da escrita são inúmeras, continuaria os seus pensamentos.


Seria inteligente de sua parte, após o início: “Que negócio é este de Reveillon ser evento do circuito dos diamantes? Carnaval ser do circuito dos diamantes, a Festa do Paráclito, etc. etc. A História está precisando com urgência ser revisitada com seriedade. Os homens assim resgatarem a própria identidade, serem cidadãos reais”, abrindo um outro parágrafo tecer as considerações percucientes do significado disto de circuito dos diamantes?
Se a sua intenção primordial era estabelecer a veracidade das informações, das divulgações disto e daquilo, era sim necessário seguir à risca a história. Antes mesmo de dar continuidade a este pensamento, perguntou a si: “Diante de algumas dificuldades, qual livro ou quem irá esclarecê-las?"
Manoel Ferreira Neto
(MARÇO DE 2005)


(#RIODEJANEIRO#, 31 DE AGOSTO DE 2018)


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