#AFORISMO 1026/ PODE ALGUÉM REPICAR COM SINOS A SABEDORIA?# - GRAÇA FONTIS: ESCULTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO



Prescrito fascínio o de gostar de caminhar com pernas tortas. Não quero muitas honras, tesouros. Quero apenas o con-sentimento de con-templá-las nas alamedas, ruas e becos, ruminando paciente como uma vaca: quais foram as dez verdades que me extasiaram na ec-sistência, êxtases de júbilo e glória, as dez risadas altissonantes que me fizeram verter lágrimas pujantes, regalando o meu coração de tanto prazer e estesia, o brilho do sol cintilando nos dentes, em que circunstâncias me reconciliei dez vezes com as mediocridades e mesquinharias que regem as misérias do espírito...


Minha sabedoria reza ser mister pastar no vale todo dia para no entardecer, de estômago cheio de feno, dormir o sono de quem suprassumiu as carências, a memória do tempo mais fundo, a res mais extensa, o sonho anterior às artes, a canção no ermo continente.


Vida mínima, essencial; um início, um sono;
Virtudes simples, amplas; uma inspiração; um sonho. O eco não cor-res-pondendo ao apelo, o exílio sem água e palavra. Não a morte, contudo. O tempo elidido, domado. Seria a sabedoria sono sem sonhos? Não me é dado saber melhor sentido de ec-sistir!


Uma coisa é a solidão, outra, o abandono. Por que, no meio dos homens, hei-de ser um selvagem e um estranho? Faltam-me as palavras para entabular um diálogo, mesmo que de ninharias, mesmo que de orgulho des-enfreado de gostar de caminhar com pernas tortas, mesmo que de "causos" inóspitos, mesmo que de piadas chinfrins. Faltam-me aquelas lisonjas do palrador que sente ser o ás do momento. Des-embesto-me nos hiatos que me habitam à cata dos inter-ditos obstinados dos sentimentos ocultos, sentindo-me in-audito, sendo justamente quando descubro o deserto abismático de meu ser, o devir quer que lhe ensine a falar.


Pode alguém repicar com sinos a sabedoria? Busco, por vezes, des-cobrir caminhos de longe, os rios primeiros e certa esperança e extrema poesia, a alvura primeira de cânticos, o círculo de água refletindo o rosto, novos horizontes em ascendência ao positivo, ao belo... Áureos tempos!... O recurso de Kant, a poesia. Pode alguém musicalizar, ritmar, melodiar, acordear com matraca os hiatos da ec-sistência?


(**RIO DE JANEIRO**, 24 DE AGOSTO DE 2018)


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