#LÚCIFER PERNÓSTICO - ROMANCE# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: ROMANCE



CAPÍTULO VIII - PARTE II..


A comparação é divina, embora a intenção não seja a de demonstrar ou fundamentar esta divindade da comparação. Há quem tenha todos os argumentos, não só plausíveis, mas concretos, que a intenção do carroceiro fora a de que o asno subisse sem precisar ser espancado, as subidas são mesmo difíceis, há ruas e becos quase em pé. Sentir-se-ia atraído pelo alimento e correr seria o mais inteligente para alcançar.


A questão primeira é a indagação se o pernóstico é um asno, se o asno, pernóstico. Ademais, é sabido de nossa comunidade que há ruas, becos, alamedas, desde que caiba a carroça nalguns, onde as pessoas não chegam à janela à hora de o animal passar, sentem-se angustiadas, deprimidas, desesperadas, alguns dizendo que é exatamente com a passagem do asno que se conscientizam de que nada estão realizando, nada há a ser realizado, são perfeitamente inúteis na vida e no mundo.


Não se refere que à passagem do pernóstico, as pessoas saíam da janela ou porta, sentadas ou conversando com algum vizinho, conhecido, devido à sua pernosticidade, noutros termos, devido à sua presença, não esquecendo o seu significado primordial, “ter presunção ou vaidade; arrogar-se, vangloriar-se; ter ou formar (de si) grande opinião ou conceito”. Não suportam a sua presença. Talvez se sintam angustiadas, desesperançadas, tristes, por suas vaidades serem apenas aparências, em verdade, não há qualquer motivo para vaidade, ao contrário.


Se algum escritor criativo pudesse escrever Venturas de Lúcio Pernóstico: a felicidade seria se não identificasse qualquer diferença entre ambos de modo que o leitor ficaria na dúvida se o homem, se o asno. Quem é o narrador, o homem ou o asno? Súbito: “Quem sou eu, o asno ou o leitor?”, invertendo a ordem, inclusive.


Poderia até com engenhosidade e arte identificar a espécie de varal construído à frente do pernóstico, por ele mesmo, o reflexo no seu olhar ser diferente, e ele não perceber isto. A espécie de varal nada mais seria que a vaidade. Colocada a uma distância que ele conseguisse nunca a interiorizar, não a seria de modo algum. Agora o porquê de ele mesmo haver estabelecido a distância não lhe ser possível abocanhar a vaidade, não a ser mais, ser quem sustenta ser, não havendo quem não lhe outorgasse todos os méritos, só ele poderia responder ao escritor que resolvesse escrever um livro de crônicas, contos, sátiras. Não é o seu caso.


Não haveria modo de se desvencilhar da rede nela envolvido: verdade é que as pessoas não chegam à janela de suas casas, com a passagem do asno da carroça, agora até cabível de entendimento, devido ao nome; verdade é que algumas pessoas ou dão as costas quando o pernóstico – em verdade, o nome real é Trussovino Garbo – entra nalguma casa comercial ou simplesmente saem, se passando a pé nalguns becos algumas pessoas ou saem da porta de suas casas ou da janela das mesmas por causa de Lúcifer Pernóstico. Qual a diferença, então? Lúcifer Pernóstico, o asno. O pernóstico, aquele que se julga o mais importante homem de toda a comunidade.


O escritor que escrevesse a sátira só não poderia colocar o pernóstico para puxar a carroça, subindo e descendo ladeiras, por ser uma falta de piedade com o coitado, tão inteligente e importante relegado a puxar carroça.


Será que isto justifica a questão: à passagem de Lúcifer, as pessoas se sentem deprimidas, angustiadas, desesperançadas, por ser ele o “príncipe das trevas”; à entrada ou passagem do pernóstico algumas pessoas saem, viram as costas, por ser ele presumido, pedante com os méritos que outorga e endossa a si mesmo, nada conseguindo ser; ainda há aqueles que sentem inveja dele, quem dera pudessem ostentar algum valor, mesmo que falsos, e isto não podem suportar de modo algum. Que é isto de ter inveja de alguém que não tem valor algum, simplesmente um nada de ângulo obtuso?!... Nas mesmas condições, Lúcio Pernóstico outorga a si os méritos de intelectual, não lhe haveria outra alternativa de valor eterno senão este, seu orgulho.


Assim, ficaria ao leitor a dúvida de se a vaidade, afetação do insigne senhor são as verdadeiras maléficas, se a vaidade do asno, por afetar as pessoas negativamente, enobrecendo-lhe óbvio. Só o leitor poderia responder se há dúvidas quanto a maleficidade: “ambos são maléficos, o asno e o insigne senhor”.
Manoel Ferreira Neto
(MARÇO DE 2005)


(#RIODEJANEIRO#, 30 DE AGOSTO DE 2018)


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