#AFORISMO 1006/ ENGRANZAMENTO DE CONTAS EM FIO DE NYLON# - Manoel Ferreira Neto: DESENHO/GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO



Letras de zaranza e brumas,
Quando a neblina da madrugada
Entrelaça-se aos devaneios e desvarios,
Quando a cerração do alvorecer,
Esvoaça-se na mente com o vento das utopias...
Quando as primeiras luzes incidem no bosque,
Acordam os sons das palavras, sons poiéticos,
Po-éticos, po-emáticos... Sonemas Poéticos...


Quem sabe devesse eu tecer algumas considerações que penso e sinto serem primordiais no sentido de tornar lúcido o que dentro trago em mim, o paradoxo, que, por vezes não encontro modo algum de definir, as situações indecorosas e inconseqüentes em que me envolvo, juízo tenho, mas há quando destrambelho-me por inteiro, muitas vezes tendo de calar-me, nada dizendo, deixando-me exposto a todos os ventos e sibilos deles de entre as serras e montanhas. Há quando penso comigo que questiono a natureza da arte, expressá-la de modo exemplar e único, num estilo muito particular e singular, tendo então de carregar a tinta no que há de contraditório, sem senso, quem sabe assim atingindo o efeito pretendido, o que requer submissão às constantes análises sobre a própria produção.


A idéia assume o papel de um motor que faz a arte.


Escrevo absolutamente de memória, - procuro, principalmente, por emoções que provocam não somente sentimentos puros, mas também os que buscam uma sensação nova, intrigante, complexa, multifacetada, dilacerada, ambígua, prolixa, hermética e, ao mesmo tempo, tênue, frágil -, sem documentos, sem material que me ajude a recordar. Há na minha vida acontecimentos que me estão sobremodo presentes como se acabassem de acontecer; mas há lacunas e vácuos que só posso preencher com o auxílio de histórias tão estranhas quanto a lembrança que delas me ficou.


Apreendo agora o que anda sendo de mim, porque flúmens e abismos encontro-me a marear. Paralelismo primeiro e interno, retentivas e anamneses de ocorrências, a integralidade, no processo de cuidar, assume o papel de uma lente que amplia o olhar o íntimo e o mundo. Prezo mais os cimélios, do mar, as alfaias preciosas das igrejas não me seduzem. Apreendo ou me exorto de que amadurecido estou, enfim, para talhe novel. Para além de minha elementar tenção resido. Sou feliz por esquecer a hora, por olvidar os verbos do tempo, substantivos do pretérito. Afigura-se-me ser a subjetividade, a sensibilidade humana. Todos os caminhos levam-me a elas. Busco em mim o ritmo de árias antigas. Só me recorda o modo demasiado imperfeito, re-versas e in-versas imagens do pleno e eterno, in-verdades, escondendo os segundos e minutos de aflição e cor-agem.


E, em me referindo ao ambíguo, não posso deixar de registrar, ainda que penso não devesse estar tecendo tais considerações, para que irão servir, pergunto-me, angustiando-me, pois que não saberia responder por elas. O ambíguo se me apresenta num campo aberto de sentidos, revelando ou sugerindo diversos significados, às vezes até opostos, sem confirmá-los jamais, se o fizesse, creio, perderia a sua originalidade, autenticidade, pois que intencionam ser uma imagem do mistério, contra-luz do sinistro. Como o objeto ambíguo aponta aspectos e valores múltiplos, perpetua-se o equívoco, que não se extingue, mesmo quando, por um instante, penso que encontrei o sentido verdadeiro.


Na minha opinião, a ociosidade não é um flagelo social menor do que a solidão. Nada diminui tanto o espírito, nada engendra tantas ninharias perniciosas, intrigas, aborrecimentos, mentiras do que viverem pessoas eternamente fechadas umas defronte das outras numa sala, reduzidas, como único ofício, à necessidade de tagarelar constantemente.


A fenomenologia do ser humano, isto é, a descrição de como se manifesta e de como funciona o ser humano, reside em revelar que ele é um ser em si, mas que se abre sempre para o outro, que se abre ao mundo, que se abre à totalidade. Esta é a condição humana básica. Mas ele se recusa a aceitar que esta abertura tenha um objeto.


O bosque em cujo espaço me observo, em cujas brumas me enveredo, assume os ziguezagues das dimensões sensíveis, inconscientes, onde aprendo a ninar nos longe da senzala, do que se campeia no mato sem fim, nos seus resíduos letais. Até que a morte sinta chegando, invoco as águas que me venham lavar os pés, na beira do mar.


Quem sou, que me rememoro de engranzar contas em fios de nylon, procuro o nada que nelas se acha, zaranja com que tripudio o efêmero? Quem sou, que me não memora escutar os murmurejes de brados longínquos em mim, o som harmonioso do mutismo a versejar as fés de agora e a crença de amanhã, a fez deste instante-limite e a fécula das quimeras, dejecto e alimento.


Serem distintas sensibilidades, abalos? Quem sou, que me omito que a mudez é que é o mutismo intenso? Na calada, eleva-se a súplica consistente, abdico que na edificação que se alteia esbarra vento de inovação. No polvilho, o portento da subsistência humana. Na canabis sativa, a luz da inspiração, criação da liberdade, no emudecimento da disposição ecuménica... uma pugna de existência antecede todas as metamorfoses, a flor da agonia precede todos os mistérios, enigmas, bosques do dia a dia.


Um colóquio mantido desde há dias, cuja aparência ou cujo destino, sempre que a água me confia uma boa nova, entreolhamo-nos ambos, assim, com pensamentos id-ênticos, contentes de termos recebido a mesma resposta à mesma pergunta, e nem sabemos em palavras dizer. Tenho de prosseguir trabalhando o fio tênue de água que escorre na vidraça, tecendo sempre mais de teia na obra, esse fiozinho frágil, único, todo dia, toda hora, perdendo e retomando o fluxo de sonhos, idéias, lembranças, para adensá-la enfim numa suave melodia, em que, ao final, as horas tristes e compridas são agora leves e prazerosas; os olhos não tiveram de desaprender de chorar, se porventura choravam antes, vertiam lágrimas de desejos de outros sonhos. O tempo desata de imediato todas as saudades e ressurreições. Diminuir-se-ia a emoção, decerto se anularia, se as idéias visassem a uma demonstração. Nas asas do pensamento, tudo já se criou, inventou, re-fez na refazenda de re-fazer. O olhar se perde na extensão do mar, aquando chove e as ondas avolumam-se, o pensamento perfeito é um ornamento, as idéias são artifícios, a liberdade de tecê-los sonoros e melodiosos são utensílios dos sonhos e utopias. Ruminações se ampliam, perdem-se no orvalho da madrugada, as vozes do mar, os sons do bosque, obscuros desejos e aspirações abrem grande letreiro, despertar silencioso nas sombras do sofrimento, além dos vales e cavernas do conhecimento, a paixão da sabedoria devora, companheira de alta luz no proscênio do picadeiro.


O mais não digo para não dar a esta página um aspecto misterioso, místico, enigmático, mas posso imaginar, na dobra do lençol sinto os dedos leves tocarem-me como tocava o piano, tu tocavas “Canção Agalopada”, e te sentias volúvel e susceptível, tu tocavas para ti e para mim. A alegria sutil e perspicaz desde o fundo da madrugada, desde o silêncio que projeta as imagens até ao limiar de sua evid-ência e também de sua contingência. Como um olhar gravado de cansaço, as estrelas velam o ossuário da terra, o profundo silencia o que me submerge, o viajante inicia a sua prece na orla de um mundo sem "portera", do mar dadivoso em que se todos se banham


Estendo-me ao longo do que dentro trago em mim. Amável faceirice substitui a ternura. Acho que nunca me esforcei tanto por desejar e querer a vida, senti-la-sendo em mim, ouvi-la, dizendo suas palavras de sabedoria e conhecimento; por agradar–me nem nunca fiquei tão contente comigo mesmo. Posso ocultar-me na luz de um abat-jour aceso e fazer de mim, de minhas próprias desgraças, infortúnios, infelicidades, e alguns momentos de alegria, júbilo e glória, um modo de descobrir-me, revelar-me, enfim, de ser-me. Posso expressar-me com empáfia e sabedoria, posso oferecer a Éblis uma gota de lágrima por estar feliz e contente com o conhecimento adquirido de quem sou, e pela indiferença da oferta Fausto não irá se insatisfazer.


O desejo de amor só vive de entrega, onde têm raízes a iluminação e a redenção, cujos frutos são os sonhos que alimentamos e AFAGAMOS, e quem a outrem, que en-vela e re-vela, não poderá, Senhor, alguma vez, desalgemar de mim as mãos rápidas de gestos, deixando-me-ser aos olhos e ouvidos atentos e á minha nítida duplicidade de Alma, ambiguidade de inconsciência, anima/animus?


(**RIO DE JANEIRO**, 15 DE AGOSTO DE 2018)


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