#AFORISMO 1014/ IMAGEM E POESIA NO ESPELHO DO NADA# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO



Sei cá palavrear de sóis! de mundos!
Toda a minha sabença é perder homens.


Pedras rolam montanha abaixo,
Falsidades sobem picos e colinas
Ventos sopram poeiras das estradas de terra a fora,
Hipocrisias sibilam na superfície do mundo.
Orvalho toca as folhas viçosas e vivas de rosas, samambaias
Farsas acariciam com ternura, amor a pele dos verbos do não-ser.


O candelabro à porta da taberna fazia parar toda a gente, tal era a lindeza das cores, parava, olhava, decidia por tomar um bom vinho. Mas a sensibilidade, a espiritualidade não existiam no interior da taberna. Terminando o vinho, com um marca-páginas, fechei o livro, disse boa-noite, fui-me embora.


Aquando Terpsícore dançava a canção do silêncio, a canção que o silêncio entoava no seu interior, tergiversei o olhar para o público, desejei perceber em suas fisionomias os sentimentos, prazeres, emoções, êxtases, que habitavam seus íntimos, nada percebendo, quem sabe estivessem apenas analisando a representação dos atores, e o que havia em suas entrelinhas, o questionamento de nossas dores mais íntimas, os sonhos e ideais que se encontram perdidos, esquecidos. O mais impressionante é que havia um grupo de adolescentes conversando, sem prestar a mínima atenção ao espetáculo.


Sorri, dizendo-me que o medo e a fuga são sentinelas das idéias, dos sonhos, das utopias. Assim, é que ouço a canção do silêncio, inspirado nestas sentinelas da estesia e esperança.
Não acredito que as dores, os sofrimentos a que presenciei no íntimo, olhando através do vidro do carro em que retornava a minha residência, sejam mais verdadeiros que a canção do silêncio que me habitou o mais profundo de mim, aliás, creio, foram eles que me conscientizaram ser verdadeira a canção que ouvia, que ainda ouço nesta manhã, quase onze horas.


Todo este ritmo, melodia, notas soam bem aos ouvidos dos meus ideais, sonhos, utopias. Tudo parece criado para os êxtases do espírito, da alma, da sensibilidade. Miro e remiro o quarto solitário, torno às consolações da esperança, à análise das notas, ritmo, melodia que me pedem que as viva com todo o furor de minha alma, de meu espírito, não me pedem mais nada.
Em sintonia e harmonia com estes momentos curtos e profundos, ouvindo a canção que o silêncio entoa para mim, vivo com serenidade durante largo tempo, compreendendo, recebendo, resignando-me a tudo. Faço parte do verdadeiro mundo e estranhamente tenho-me distanciado dos homens.
Milagrosamente vivo, liberto de todas as lembranças, recordações. Todo o passado se esfumaça. E também o presente são névoas – a chuva que cai na cidade desde anteontem cessara, a tarde está neblinada. A única verdade torna-se esta canção que o silêncio entoa para mim. Todo o meu corpo e alma perdem os limites, misturam-se, fundem-se numa só estesia e esperança, suave, lendo, movimentos vagos.
É a renovação perfeita, a criação.


O que foi, torna a ser. O que é, perde existência.
O palpável é nada. O nada assume essência.


Neblinas cobrem os abismos, flanam sobre a água dos rios
Mentiras velam os medos da morte, a inconsciência da verdade
Neve respinga suave no silvestre da floresta
Simulações, dissimulações escondem as carências da alma
Chuva cai molhando o solo, a grama dos campos e pampas
Condutas de má-fé tecem raios numinosos de glórias
A lareira de achas aquece o frio noctívago
Ódios, ressentimentos, mágoas apagam as luzes do sublime
Horizontes, uni-versos esplendem os brilhos do eterno
Nonsenses sarapalham mistérios, enigmas do belo,
As paisagens do in-finito ornamentam os confins do perpétuo
As telas vazias de arte e poesia re-fletem no espelho do nada
As páginas de letras apagadas, ciências ocultas
Enobrecem, glorificam o descaso com o futuro da vida
Ritmos, melodias, acordes musicalizam o espírito da sensibilidade
A lírica subjetiva a presença da ausência de ideais, esperanças
As harmonias, sin-cronias, sin-tonias da verdade e da busca
Do outro do verbo que diviniza as contingências e trans-cendências
A cegueira da visão nadifica e nihiliza o amanhã de outras utopias
Pintores, músicos, compositores, escritores, poetas
Projectam as constelações do espírito de ser atrás da lua
Homens comuns jogam nas cartas o destino do poder
As mãos fabricam, tecem, fazem os objetos, utensílios
Os instintos dançam a coreografia das maledicências, imoralidades
Moral, ética desenham na tela do vir-a-ser as dimensões
Da felicidade,
Da alegria,
Do contentamento
Dogmas, preceitos escrevem no mármore branco da cripta
O apocalipse das trevas, dos crepúsculos, das sombras, das brumas
A coruja canta o saber, a sabedoria, a res cogitans
O sapo coaxa à beira da lagoa o ignaro, a sandice
A águia voa em direção ao in-finito, ao in-audito
O jegue empaca na travessia da ponte
Para a visão do panorama campesino
O boêmio dedilha as cordas do seu violão endeusando a amada
O bêbado cata os cavacos nas alamedas, ruas, avenidas
Vociferando suas revoltas, incapacidades, incompetências
Os mestres ensinam as regências e concordâncias verbais
Os alunos conjugam os verbos com o pronome oblíquo
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(#RIODEJANEIRO#, 18 DE AGOSTO DE 2018)


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