#AFORISMO 993A/ SÍTIOS DA IN-CONSCIÊNCIA# - DESENHO: Manoel Ferreira Neto/GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Apanho-me sentindo uma leveza, vinda de que sítio não sei - se o
soubesse, ah, o que significaria, o que modificaria? - uma sensação suave na
carne, mas, devido à tensão existente no interior, não consigo nomear estes
fenômenos em mim. Talvez por estar havendo um obstáculo emocional de o tempo
intronizar-se no sentimento de meu amor, arrancando de sua memória as situações
de fracassos, frustrações, colocando a identidade às claras. Talvez por estar
havendo um empecilho de a consciência penetrar no tempo de meus sentimentos,
retirando as arestas das lembranças das perdições, pondo evidentes as emoções.
Talvez por estar havendo uma dificuldade sensível de o intelecto adentrar nas
fantasias, entendendo-lhes, explicando-lhes, construindo o arsenal da
consciência. Talvez por nada disto/disso. O que está elencado são apenas
justificativas, fugas. Os jogos da mente são inestimáveis. As fantasias
precedem a consciência.
Engurgitado no cansaço de um dia envolvido inteiro com a datilografia de
uma Dissertação, e feliz por haver des-coberto em mim um amor antigo, filtradas
as im-purezas no tempo, ad-quiro pela primeira vez uma espécie de cumplicidade
com as forças de decisões, com a firmeza das palavras, uma familiaridade com a
franqueza. É evidente: este amor, desde os primórdios de seu nascimento,
legou-me sempre uma força de decisões, uma autenticidade das palavras, uma
pers-picácia no entendimento de minhas circun-stâncias da cons-ciência,
penetro-me fácil nos liames de minhas fantasias, encontrando a verdade de mim.
Des-cobertos tais fenômenos, alicerçados no sentimento de rejeição, medo da
solidão, necessidade de com-preensão, temi radical-mente os resultados,
preferindo uma am-biguidade de sentimentos, uma força e in-segurança de
decisões, uma autenticidade e des-amparo das palavras, uma pers-picácia e
des-consolo no entendimento de minhas circun-stâncias da cons-ciência.
Vivia com ferocidade a inquietude do próprio corpo. Respirava uma
verdade simples, quase higiênica e equilibrada. Reprimia as fantasias, por uma
questão de não desejar ir bem fundo na duplicidade de sentimentos, dizendo-me
não ser sincero aceitar a imaginação. E, não sabendo mais distinguir a fantasia
da imaginação, transferia o significado de uma para a outra. Não me é sabido
como se deu o processo de filtramento das im-purezas deste amor em mim, pois o
discurso estava envolvido das melhores fugas e mentiras. Conquistar o seio do
amor, em sentido de sentir-lhe com seriedade e verdade, é tarefa dificílima.
Não posso, com convicção, afirmar este amor seja puro, as im-purezas
tenham sido filtradas, pois reside em mim um sentimento de fracasso, começado a
fundar-se no início deste amor. Mágoas, ressentimentos, raivas, cóleras,
aborrecimentos, nascidos a partir de inúmeras situações, esvaeceram-se com
efeito.
A bruma de prata que flutua pela manhã sobre os prados ainda sonolentos
é o vestido da intimidade. Inalo, entre lacônico e lascivo, a pureza de
sentimentos e sensações, que, aglutinados à consciência das dores mais
substanciais, desejam a mim calmo e tranquilo, vivendo e sentindo prazeres.
Encoimo a consciência pers-picaz, por vezes, a empreender-se a favor do singular,
e é a sensibilidade a crochetear os pensamentos. Efemeriza-se no vácuo no
interior da memória e, de suas dimensões temporais, exalam a con-tingência dos
desejos mais profundos, a necessidade da visão de vida mais sentida e
processada.
A intimidade nua, a mostrar-se sobremaneira, sente as sensações mais
singulares de inteiração e des-vencilhamento do gozo e prazer. Trans-corro-me
em termos afetivos. Concilio a intimidade com a imanência, num fervor de
renovação. Insuflando interiormente, sinto-me estar. Não consigo deixar de
re-conhecer existe neste sentimento de liberdade qualquer coisa de inteiramente
espontâneo, às vezes gratuito e irrevogável, que caracteriza o encontro de
percepções novas e escapa a qualquer fantasia. Postergam-se as emanações
con-tingentes do absurdo e, encontradas as idéias de sossego e silêncio,
extravio as sensações de perda.
Há consolo no espírito branco da eternidade. Tenho uns desejos vagos e
in-completos, uma moleza voluptuosa e agradável que me obriga, inerente aos desejos,
a fechar as pálpebras. Parece-me, a princípio, haver sentido uma eclosão, bem
para além do inteligível, e sou uma ironia mesclada de cinismo, a sentir os
pensamentos. Re-conheço o tempo, uma sensibilidade no seu âmago, transpareço em
nível das palavras. Quem sou? Uma gota de mais e/ou de menos no copo de minhas
ausências - surge de verificar a distância de mim a estender-se ao longo da
alma, fluindo-se espontaneamente. O exílio de agora não será apenas
manifestação, ser-lhe-ei os êxtases das ondas. A dança de uma evidência que se
escova todas as manhãs. Conciliam-se raízes que se afloram no fundo do tempo e
da terra à beleza muda, silenciosa. A fisionomia de uma ingenuidade proclama um
silêncio indisciplinado, e o rosto da inocência pers-picaz lança na consciência
a sombra clara do indivíduo.
Um lânguido e tênue olhar entenebrece como um céu onde vai relampejar.
Penso as contingências todas do passo sombrio - uma nitidez de ar sem poeira,
sem a vibração de raios tensos e densos. Intuo as arestas da consciência, os
resquícios da razão, vestígios da indagação: sou a mesma abertura de silêncio.
Brilha mais puramente a brancura da realidade. Lá das profundezas da solidão,
não devolvo as coisas nem as modifico. Um vento brando reflete no coração.
A fumaça do cigarro habita o escopo da intimidade. Fundo-me e me absorvo
na humanidade prolixa. Olho a claridade da luz. Afigura-se-me a imanência
seria... uma ausência lenta. As imagens retornam a encenar frente aos meus
olhos. O retorno nítido de uma cumplicidade com o sentimento do eterno
aglutinado à consciência da alma e suas voluptuosidades e volubilidades.
Levantei com o sentimento de estar sendo consciente hoje. Nada há senão
uma atitude sincera e de que, em verdade, só eu participo de sua orgulhosa liberdade,
só eu, enquanto a necessidade de doar-me vem ligeira à minha consciência.
Sou.
Manoel Ferreira Neto
(12 DE JUNHO DE 1989)
(#RIODEJANEIRO#, 04 DE AGOSTO DE 2018)
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