UM INTELECTUAL PARA OS NOVOS TEMPOS IN MEMORIAM Manoel Ferreira Neto: HOMENAGEM PÓSTUMA A ANTÔNIO CARLOS FERNANDES @@@@


Post-Scriptum: SAUDADES, AMIGO, MUITAS SAUDADES!

***

Aos 11 de abril de 2010, Antônio Carlos Fernandes e Wander Conceição terminaram a revisão completa da obra histórica A TERRA, O PÃO, A JUSTIÇA SOCIAL - A IMPORTANTE PARTICIPAÇÃO DA IGREJA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DO BRASIL.

***

Passaram-se onze anos desde o falecimento deste AMIGO com letra capital, muitas lembranças de encontros em bares, sua residência, por todos os cantos da cidade. A crítica à sociedade era o nosso prato preferido, acompanhado de risos e gargalhadas, Toninho Fernandes era um sátiro por excelência. Não deixava isto transparecer à revelia, mas comigo abria os verbos, talvez soubesse que só eu entenderia, compreenderia a amplitude de seu pensamento. Sou sincero: a saudade dele dói muito em mim.

***

Não deixo de lembrar-me do dia de seu falecimento, e presto-lhe a minha homenagem por uma amizade tão franca e verdadeira, por suas lições da intelectualidade em termos da História aprendi com ele. Assim, dou a minha contribuição à sua eternidade, falando dele e de sua obra, escrever ameniza bastante a dor de sua ausência. Fico pensando intimamente se hoje estivesse vivo, cinqüenta e sete anos, quantas obras não teria produzido já, o seu envolvimento com a Justiça, como professor de História da Faculdade. Aquela velha história: os homens dignos e honrados morrem cedo. Não havia única vez, por três anos, que me encontrasse e dissesse o mesmo com amizade, carinho e amor: “Manoel, você é um intelectual de grandes valores, então faça-me o favor de cuidar de seu coração”, isto desde 2007, ano que enfartei. Estou vivo e ele já partiu faz onze anos. A Memória não morre: está viva e muito viva.

***

Estava ele com os pés muito inchados, e sua esposa Sonia insistiu bastante com ele para ir ao Hospital, seria muitíssimo bem cuidado pelos médicos por ser ele na época Gerente do Instituto Nacional de Serviço Social (INSS). Não adiantou a insistência de Sonia, dizendo ele nada ser grave, apenas que havia trabalhado muito a semana inteira. Como ele só ouvia a irmã, Aparecida, Sonia a chamou para conversar com Toninho Fernandes. Nada adiantou. Aos 12 de abril de 2010, às seis e meia da manhã, caiu morto no banheiro de sua residência, vítima de enfarto fulminante.

***

A obra escrita por ele foi enviada à editora para edição. Cinco meses depois, 12 de setembro de 2010, a obra foi lançada no Auditorium da Escola de Odontologia de Diamantina, tendo sido eu convidado para discursar a respeito de meu inestimável e tão querido amigo, quando li esta homenagem a ele dedicada.

Manoel Ferreira Neto

@@@

Tristeza e alegria se confundem neste instante em que me proponho a escrever comentário sobre obra das mais importantes de nossa atualidade. Acabo de receber das mãos de Sônia Frois Fernandes, viúva de meu amigo e companheiro da vida e dos caminhos da intelectualidade Antônio Carlos Fernandes, “Toninho Fernandes”, a sua última obra histórica A TERRA, O PÃO, A JUSTIÇA SOCIAL – A IMPORTANTE PARTICIPAÇÃO DA IGREJA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DO BRASIL, em parceria com Anísia de Paulo Figueiredo (org.), Antônio Carlos Fernandes, Wander José da Conceição, que não teve oportunidade de vê-la publicada, faleceu dia depois de havê-la concluído. Tristeza por haver “perdido” grande amigo e companheiro, homem responsável com os sonhos e utopias de História que reflita os conflitos sociais, culturais, artísticos, individuais, econômicos e políticos, resgate mesmo da verdade da História, das tensões e interesses ideológicos na sua “feitura” ao longo dos tempos, homem compromissado com os ideais de povo, cujo “pão” é a História, Diamantina, Patrimônio Histórico da Humanidade, homem que dedicou a vida ao engrandecimento e desenvolvimento da História, homem cuja maior preocupação era a Justiça Social, como professor, mestre em História da Igreja, doutorando no mesmo, não chegou a concluir, defenderia no final deste ano de 2010 a sua tese, diretor regional do INSS; como homem, filho, irmão, marido e pai exemplares, amigo sincero e leal, de quem recebi lições intelectuais básicas de compromisso e responsabilidade com a cultura, artes.

Difícil é expressar o que penso e sinto com a leitura desta obra, os sentimentos que me perpassam por sua ausência são demasiados fortes e presentes, subjetividade e objetividades se amalgamam, mas creio ser o caminho perfeito para mostrar o que deixou em mim disto que é a responsabilidade com o homem e justiça social.

Não intenciono ensaio a critério e rigor de seu Ensaio, FIDELIDADE E IDEAL DA MISSÃO EM NOVOS TEMPOS, cujos objetivos específicos foram a análise das obras sociais do 1º Arcebispo de Diamantina, Dom Joaquim Silvério de Souza, quem “vislumbrou um futuro de prosperidade para uma das regiões mais carentes do Brasil, além de ser um grande intelectual”, membro fundador da Academia Mineira de Letras e patrono da cadeira nº 75 do Instituto Geográfico Histórico do qual fez parte” (cf. Introd. de A terra, o pão, a justiça social, pág. 16). O interesse sine qua non aqui é o “homem e o intelectual” Toninho Fernandes: sem conhecer o homem, o autor, impossível compreender a obra, objetivo específico de seu pensamento e idéias em compor o ensaio sobre D. Joaquim Silvério de Souza.

O primeiro pressuposto da história humana é a existência de indivíduos vivos, ação e condições materiais de existência. O homem se diferencia da determinação puramente natural, superando-a, por sua atividade produtiva. Conforme Karl Marx, os homens começam a se distinguir quando iniciam a produção dos meios de vida, passo em frente que é consequência de sua organização corporal. Ao produzirem os meios de existência, os homens indiretamente produzem a sua própria vida material.

O trabalho, a atividade vital, a vida produtiva mesma aparece ao homem só como meio para satisfazer uma necessidade, a de manutenção física. Mas a vida produtiva é a do gênero. É a vida engendradora de vida. No tipo de atividade vital jaz o caráter inteiro de uma spécies, seu caráter genérico, e a atividade consciente livre é o caráter genérico do homem. Quando, no Capítulo 7, subcapítulo 7.2, A Escola Profissional Irmã Luiza – EPIL, Toninho Fernandes comenta a instituição da Associação das Senhoras da Caridade, cuja solene autoridade era do Arcebispo Dom Joaquim, entre aspas, identificando os objetivos dessa instituição, escreve “para alargar a esfera de sua ação em prol da pobreza”, à página 36, vislumbramos o intelectual Toninho Fernandes, sua vida e obra.

Sua produção intelectual, caminhos em prol da História, Justiça Social, compromissos e responsabilidades, se fundamentam in totum na consciência histórica, dimensão em nossa modernidade, especialmente em nossa atualidade, esquecida, perdida ao longo dos tempos, sistema capitalista, ideologias e interesses di-versos de poder e bens materiais. Sem o conhecimento da História, a consciência do homem de seus caminhos, direitos vitais de conhecimento, nada haverá de mudanças e transformações sociais, individuais, políticas, econômicas e artísticas, não haverá nem história, o homem apenas está no mundo.

Entregando-se por inteiro em busca de transformações sociais, políticas, ao caráter in-vestigativo dos processos históricos, a mostrar a continuidade histórica nas manifestações artísticas, culturais, ao conhecimento delas em sua integridade, indiretamente a produção intelectual volta-se exclusivamente para o homem mesmo, isto é, o resgate da consciência de produtor de vida, artífice da dignidade histórica, construtor de responsabilidade e compromisso com o destino dos homens. A consciência, estabelecida e instituída com a consciência dos valores humanos e humanitários advém do conhecimento, este se insere nos processos sociais, políticos, artísticos, gerando lutas, gerando buscas de novos horizontes, gerando justiça.

A atividade intelectual de Toninho Fernandes se coloca para o seu povo, para nós, os homens, como objeto para sua determinação consciente. Isto é, Toninho Fernandes tomou a atividade produtiva como objeto de pro-jeção e reflexão espiritual – daí, o específico interesse pela História da Igreja, caminhos da vida eclesial diamantinense -, consciente e ativo, que se liberta dos estreitos limites da reprodução cega das formas biológicas, intervindo e transformando o meio, as condições materiais e espirituais da existência.

O grande mérito intelectual de Toninho Fernandes na jornada de consciência histórica, interagindo história política, social, espiritual, religiosa, é precisamente o fato de ter vislumbrado a legalidade essencial do processo autoconstitutivo de seu povo, dos homens, da humanidade, através da consciência, que gera a busca de justiça social. Este grande mérito experienciado, não apenas em elucubrações teóricas, solipsismos, mas através de lutas e trabalho verdadeiros, consiste em que o povo compreenda a autocriação do homem como processo historiológico, onto-histórico, historicidade e historialidade, a objetivação como perda do objeto, alienação e superação dessa alienação; nós, os homens, compreendamos a essência do trabalho e concebamos o homem objetivo – verdadeiro, pois é o homem real – como o resultado de nosso próprio trabalho.

Ainda no que tange ao mérito intelectual é o comportamento real e ativo de homem para consigo mesmo como ser genérico, ou manifestação como ser genérico real (isto é, como ser humano), somente possível porque efetivamente exterioriza todas as forças genéricas – o que só é possível através da ação cooperativa de toda a humanidade, somente como resultado da história. Toninho Fernandes tomou a própria atividade intelectual como objeto de construção de uma consciência histórica e espiritual, como bem explicitou Lukács num capitulo de Ontologia do Ser Social, a prévia ideação do objeto da ação e a escolha adequada de meios. A efetivação do trabalho requer a apropriação consciente da realidade, tanto da natureza externa quanto da própria natureza dos indivíduos humanos; além disso, sempre impulsiona à crítica prática, que pode modificar todo o processo por inter-médio de novas aquisições a respeito da realidade objetiva ad-vindas da própria realização do trabalho.

Nestas páginas, deixou Toninho Fernandes registrado o seu pensamento, idéias de intelectual para os novos tempos, em tempos de “mudança de época, mais que em época de mudanças”, em tempos em que a intelectualidade não é objeto de ad-mirações, de orgulhos e lisonjas individuais – ele que jamais fora intelectual de plantão -, mas de compromisso e responsabilidade com os destinos históricos e espirituais dos homens.

Uma carreira tão exemplar, tão profunda, tão consciente de seus objetivos, ser tão precocemente interrompida, é de derramar lágrimas pujantes, como dissera nosso amigo em comum, Juscelino Braziliano Roque, em nosso encontro no velório de Toninho Fernandes, “a história diamantinense pára com a morte deste grande intelectual, deste homem exemplar em todos os níveis; nós que convivemos com ele, que estivemos com ele em sua caminhada, sabemos disso”, o que lhe respondi eu, “nem daqui a quinhentos anos haverá outro Toninho Fernandes em Diamantina, talvez jamais haja outro”.

Mas as obras que deixou, a luta por toda a vida em prol da verdade histórica, da justiça social, continuarão vivas por todos os séculos e milênios, até a consumação dos tempos.

RIO DE JANEIRO(RJ), 08 DE ABRIL DE 2021, 09:44 a.m.

 

 

 


Comentários