IPORTÂNCIA HUMANA-EXISTENCIAL GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: TESE


 

POST- SCCRIPTUM:

  

 

Feliz Páscoa, minha caríssima amiga e crítica literária, Ana Júlia Machado, que você patenteei a sua jornada, sua vida com alegrias, satisfações, seja muito feliz, e nos traga muitas obras de sua autoria como escritora e crítica, obra inestimável, valores transbordam às pencas na leitura minuciosa, sentimentos e emoções transformam-se com a leitura de sonhos, esperanças, ideais, idéias e pensamentos da Espiritualidade.

 

Querida, estive cá pensando como iria lhe dar o meu abraço de Páscoa, entraria em sua Linha do Tempo, escolheria um poema, teceria a língua de minha visão ou publicaria uma de suas obras críticas de que gostei mais? Respondi: nada disso. Vou-lhe dedicar a Introdução de minha tese em Dostoiévski, Espírito do Subterrâneo, com aquele pensamento de que ficaria feliz em lê-la, você que gosta tanto de Dostoiévski, aliás, já observei a presença dele nalguns poemas seus. Você refaz o “sentimento de solidão”, vivenciado pelo personagem de O Homem do Subterrâneo, a tradução tradicional aqui no Brasil, mas em verdade o título original da obra é O ESPÍRITO DO SUBTERRÂNEO, sem perder as características dostoiévskiana, mostrando-lhe nos tempos hodiernos o que é este sentimento, não dói na alma, dói na alma e no espírito.

Feliz Páscoa, nossa amiga mais que querida e amada, amiga do coração, da alma, do espírito, seja muito feliz na sua vida e na sua Arte das Palavra, junto à nossa amada netinha Aninha Ricardo, à nossa Família. Beijos nossos a todos aí, especiais à nossa Aninha Ricardo.

Manoel Ferreira Neto   

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De-monstrar[1] toda a importância humana-existencial e das idéias de Fyodor Mikhailovitch Dostoïévski para a nossa vida interior, nossos desejos, vontades, liberdade, fé, esperança, amor, solidariedade, compaixão, é tarefa árdua e temerária, esforço sobrenatural e perigoso. Além disso, são inúmeras as perspectivas e prismas sobre os quais essa de-monstração pode ser efetuada, por isso ser obra-prima eivada de todos os valores cont-ingentes e trans-cendentais; a obra lega-nos variedade de recursos, métodos, ângulos de análises e interpretações; faz-se mister escolher quais são os fundamentais, isto é, os que iluminem a profundidade que na vida e obra habita, revelando trilhas e caminhos de espiritualização, evangelização e cristianização. 

Não havendo criatividade – “criatividade” aqui significando o ato de tecer as situações e circunstâncias vivenciadas e os desejos, vontades de trans-cendência, trans-formação, fundamentados na Arte, na literatura, na busca da espiritualidade - para abordar tudo isso em sua obra e vida, isto é, buscarmos a totalidade, não somos capazes de re-colher e a-colher as mensagens que nelas habitam, o mergulho jamais será tão profundo como realmente merece, os frutos terão sido comidos apenas com os olhos, cumpre saboreá-los.

Perguntamos, então, o que é “criar-se” no universo dostoievskiano, tendo uma fresta por onde olharmos é a intenção dessa pergunta. “Criar-se” para Dostoiévski significa matar o homem velho, prisioneiro das formas estéticas, psicológicas e espirituais que estreitam seu horizonte de homem e de escritor.

Dostoiévski e sua obra são exemplares, não no sentido em que uma obra e uma existência sem falhas o seriam, mas em um sentido exatamente oposto. Vendo este artista viver e escrever, aprendemos, talvez, que a paz da alma é a mais árdua de todas as conquistas e que o gênio não é fenômeno natural.   

A envergadura e a elevação de sua individualidade, personalidade, caráter e genialidade escapam a qualquer processo atual de apreciação, análise e interpretação, de busca de saciarmos nossa sede e fome de conhecimento, redenção, felicidade, diante da obra e autor somos sempre pobres e miseráveis, humilhados e ofendidos – resta-nos contemplá-la[2], fundando-nos na KOINONIA: DESEJO E BUSCA DA CONSCIÊNCIA-ESTÉTICA-ETICA, tema deste ensaio que ora intencionamos fundamentar, buscando realizar a experiência de fundir biografia, crítica literária-filosófica-teológica e história sócio-cultural.

Reconhecer-lhe a singularidade não é o suficiente. Faz-se mister encontrar as diferenças específicas de cada obra, signos de uma busca que atinge ou não um objetivo. Em Dostoiévski a busca do absoluto não é vã; iniciada na angústia, na dúvida e na mentira, termina na certeza e na alegria. Não é através de uma essência imóvel que se define o escritor, mas por esse itinerário exaltante que talvez seja a maior de suas obras-primas. Para encontrar suas etapas, é preciso opor as obras particulares umas às outras e destacar as “visões” sucessivas de Dostoiévski.

Tarefa árdua porque a exigência de comunhão entre o homem e a obra, na sua especificidade literária, social, filosófica e teológica, sempre resultando em mal-entendidos mais ou menos felizes, é de fundamental importância para a compreensão e entendimento do universo e horizonte de suas idéias e pensamentos que contribuíram e contribuem para a abertura de outros tempos e esperanças, utopias e sonhos da humanidade e dos homens. De primordial importância o conhecimento das idéias filosóficas e sociológicas que habitam a obra desse genial russo, bem como a compreensão dos autores que influenciaram a sua obra.

A exigência da “totalidade” é caminho de sinuosidades que necessita de seriedade e arte na sua elaboração e abordagem, pesquisa e conhecimento para a estruturação das situações e circunstâncias do homem e artista, suas experiências e vivências ao longo de sua existência, a busca da verdade, nada mais que a verdade: mas é a verdade sagrada. 

O que, todavia, fica da leitura atenta de tanta coisa de Dostoïévski e de tanta que se escreveu a seu respeito, é que foi, quem sabe?, a dureza da alma do pai que o marcou. Dureza boa, firme, de diamante, que vinha de longe, de que o pai não tinha culpa, pois ninguém se endurece por si, mas é temperado pela vida – ficam, contudo, o desejo e vontade, determinação e cor-agem de superação, de transcendência, de mudança em Dostoiévski; a dureza de seu coração ocasionou-lhe o assassinato, em 1839, pelos seus camponeses.

Hospital, cemitério, furna, pátio de milagres, serão comburido de secas, com o gado estorricando e a sede imensa, campos de concentração com privações inomináveis, isto seria nada sem a malvadez do homem, e esta malvadez não é só o fruto exterior do quotidiano, mas lhe habita o interior, habita-lhe o espírito. 

Criança é planta que só necessita de amor, carinho, ternura – numa metáfora reveladora: necessita das águas da fraternidade e eternidade, da compaixão e solidariedade, da fé e da esperança.  Ela encontrará na devastação, na sombra, no horror, na carnificina, uma nesga do céu, uma flor, um caco de vidro que brilha, um diamante que risca o éter, um bichinho de asas coloridas, e se a alma de um Dostoïévski não se libertou na sua sombra, e não cresceu em toda a plenitude, é que ela foi varrida pelos maus ventos das tormentas humanas.

RIODEJANEIRO(RJ), 03 DE ABRIL DE 2021, 14:55 p.m.

 



[1] Por volta de dezesseis, dezessete anos, a admiração, quase chegando às raias do fanatismo por Dostoïévski, por sua obra; adquiri nesta época O subsolo. Algumas obras foram lidas por diversas vezes, O subsolo, Os possessos, O idiota, Noites Brancas, Pobre Gente. Outras conheci por haver lido ensaios, artigos sobre elas, embora as tivesse: Humilhados e ofendidos, O eterno marido, O sósia, Os irmãos Karamázovi. No início das relações com o escritor Paulo César Lopes, alguém fizera um comentário negativo acerca de minha pessoa, tendo ele dito que não acreditava no que ouvia por ser eu leitor de Dostoïévski.  Em 1984, 1985, deixara de ler, entregando-me vez por todas à leitura de Jean-Paul Sartre, ao conhecimento de suas idéias e pensamentos filosóficos. Mas, aqui e ali, relendo alguns ensaios de Dostoïévski, especialmente O subsolo, por que sempre fui apaixonado. Mas sentia certo vazio, ausência da obra do grande escritor russo. Inspirei-me em O subsolo para escrever a novela Ópera do silêncio, tendo sido ela recebida com imenso entusiasmo pelo escritor Newton Vieira (o grande crítico curvelano; por inacreditável que seja o Bielinski curvelano, grita e esgoela a todos os pulmões que minha novela jamais será superada, as outras obras que escrevi e escreverei não chegarão aos pés dela), quem tornou possível a sua publicação, que escrevera a “orelha” se referindo às influências de Dostoïévski e Lúcio Cardoso dentre outros. Em  novembro de 1999, iniciei um ensaio sobre Dostoïévski, escrevendo por volta de umas setenta páginas, mas desisti de continuar, deixando numa pasta do computador, não mais retornando nem para uma leitura superficial. Após uma elaboração do ensaio sobre Sartre, Sartre à luz da experiência mística (título provisório), 2004-2005, disse a mim mesmo haver chegado a hora de Dostoïévski, tinha com ele um débito muitíssimo importante. Ainda no processo de estudo, de feitura deste ensaio, o vazio que sentia em mim aos poucos está sendo por inteiro superado,  havendo comentário de minha senhora Marize Lemos Silva de estar muito diferente, mais calmo, mais tranqüilo, mais confiante na vida. Recentemente, abril de 2005, numa conversa com o escritor Newton Vieira, disse-me ele: “Eu sabia que algum dia você ainda escreveria sobre o escritor de sua vida. Sabia que isso iria acontecer. Fico muito feliz com sua entrega a ele”. E mais recente ainda disse-me: “Esta será a sua obra-prima; você é o único curvelano que realmente conhece Dostoïévski”. Embora o entusiasmo do escritor Newton Vieira, tem ele razão num aspecto de seu comentário: em Curvelo, não há quem conheça Dostoïévski. Ao longo deste trabalho, deste processo de leitura, sempre uma preocupação que julgo a fundamental: o desejo da responsabilidade com as idéias e o pensamento de Dostoïévski, o modo de reconhecimento e agradecimento pelas influências tão importantes na minha estrada das letras, da intelectualidade, da vida.   

[2] Na teoria sobre o Belo, em Kant, a reflexão é um ato que o sujeito exerce sobre o espírito à medida que este enfatiza a harmonia da imaginação e do entendimento à luz sempre da esquematização sem conceito. É, pois, na falta da obra de arte concreta ontologicamente considerada, que a reflexão se exerce sobre o funcionamento propriamente dito da imaginação junto ao entendimento, sendo que este obedece àquela. Daí a contemplação ser para Kant totalmente inexeqüível desde que não há objeto a ser contemplado. Para nós, entretanto, que tomamos a obra de arte como medida do juízo estético, e que consideramos a contemplação como ato infenso a uma atitude meramente passiva, contemplação que é uma reflexão muda ou silenciosa, temos que considerá-la, a contemplação, como ingrediente constitutivo do espírito humano frente à realidade artística.

 

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