CASA-GRAÇA-DO-SER# PINTURA: GRAÇA FONTIS Manoel Ferreira Neto: AFORISMO *****


Que há para além do sonhar,

Ressonando arbítrios, sonando nuances?

Não está em mim sabê-lo, mas na Vida.

Que há para aquém das quimeras?

Não está em mim filosofar,

Mas no Ser contingenciar.

****

Assim o nada sagra quando finda

porque o que é, só é o não ainda.

Hoje não sou eu nunca por inteiro

e há sempre no que faço um intervalo,

No que falo um hiato,

No que digo reticências,

No que ouço sonescências,

A língua retorna,

De uma ampl-itude retórica,

Para a concisão e a força da linguagem

Do sentimento...

****

Tomado por impulso poderoso

Que faz-me sentir chamado a um alto dever,

Jamais antes rea-lizado.

Ah, essa agonia eterna

De arrancar de dentro a solidão,

Mostrá-la viçosa e viva,

"De mim, eis a solidão!"

Não mais clamar das palavras

A verdade de que existo.

A imagem do espelho

No reflexo solitário do eu.

*****

Ah, essa angústia imortal

De ser no Ser o Ser do Ser,

A dor que sinto

no outro obscuro de mim

nunca fala a minha voz

mas de quem de mim ausente,

só a mim próprio con-sente

quando não estou eu

mais só do que ao estar só.

Chama obscura que visível arde

Quando arde ao sol o pó,

Sombra de poeiras refletidas nas vidraças.

****

Refugiado em ninho de serpente

Bergmaneando as trevas da alma,

De ingmar morango a voz recita

O sabor da fruta,

Na vida a paixão é raramente eloquente,

A verdadeira paixão, na vida,

Não fala por sentenças,

E a paixão, na poesia,

Desperta desconfiança

Quanto à sua sinceridade

Sempre que se distingue

Profundamente dessa realidade.

****

Somente habitando na casa-graça-do-ser,

dançando,

re-presentando gestos e performances,

con-sonantes à música do espírito de desejar,

semelhantes à alma de sonhar,

sei falar em imagens das coisas mais elevadas,

querer dançar para além de todos os céus,

como ainda não dancei nunca;

e, assim, fica-me silenciada nos membros

a minha mais elevada imagem,

"que alvitra ser extasiada, impensável."

Fica-me a mais elevada esperança.

****

"Em meu intelecto cogito um local...",

uma casa-graça-do-ser,

pouco importando que as ondas de luz

e do mar revolto,

ao romperem-se,

espumejem e, furiosas, se oponham à quilha.

Inesgotável e geradora vontade de viver.

Tudo o que inquietante há no vir-a-ser,

inquietância que in-troniza as perspectivas

do além na imagem do Ser,

e tudo o que um dia fez tremer pintassilgos,

cabeças-de-fogo,

curiós,

aves perdidas é ainda,

em verdade, em verdade,

mais familiar e tranquilizador

"que a oscilação enérgica oscilando as folhagens".

Para onde ainda deverei subir, agora,

com o meu anseio, com as minhas expectativas?

Para onde ainda deverei descer com a minha sede

de um sítio deserto longe da humanidade

- ah, como a presença dos homens nauseia!

"...Demanda de tamponar o orifício oco da alma,

que chora muito ou ri demasiado."

De todas as colinas,

olho em redor à procura de pátrias.

****

Errante sou eu em todas as cidades

e um decampar de diante de todas as portas de cidades.

Sou expulso,

banido de todas as terras pátrias e mátrias.

Todos falam de mim,

borrifam ideias e ideais que em mim afloram e fluem,

quando, à noite, estão sentados em torno do fogo,

olhando, observando, perscrutando a luz da clareira;

falam de mim, mas ninguém pensa - em mim!,

"nesse caso apodera-se a nostalgia desse loco

Que, sem elucidação,

apenas o conhecimento que permanece...",

se deve à doutrina da solidão

e da virtude que são eternamente afins.

Rio de Janeiro(RJ), 30 de abril de 2021, 09:09 a.m.

 


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