Manoel Ferreira Neto ESCRITOR POETA E CRÍTICO LITERÁRIO ANALISA E INTERPRETA O POEMA Cantiga à Poeta DE SONIA GONÇALVES @@@@



Segundo Derrida, traduzindo o discurso da lembrança e do luto, a retórica do epitáfio incorpora o outro na violência do mesmo – do sujeito, do orador, do amigo. A amizade, fraternidade, amor, solidariedade trazem, no seu âmago, o luto e com ele o epitáfio e suas aporias: manter a memória do morto pela oração fúnebre e, ao mesmo tempo, vê-la dissolvida na subjetividade do orador-amigo.
***
Ao reproduzirem a retórica do epitáfio, os discursos filosóficos da amizade questionam a suposta estrutura de simetria e reciprocidade existente na perspectiva clássica da amizade, introduzindo uma “assimetria insuperável” entre os amigos. E nestes versos da poetisa e escritora Sonia Gonçalves, tecendo a sua homenagem póstuma, epitáfio, à sua saudosa amiga Elair Cabral, conferimos sentimentos de amizade "Segue agora rumo ao infinito do ser/Com poesia e nossa sempre saudade", assim é que a perspectiva clássica da amizade se faz presente, fundamentada na dimensão poética, as poetisas eram amigas.
***
Como bem observa Ortega, com o amigo morto não pode haver simetria, pois a lógica do epitáfio de uma amizade além da morte, reproduz uma egologia e o fortalecimento da subjetividade. O fortalecimento dessa amizade patenteia-se na última estrofe do poema: "Segue em paz amiga poetisa/No tempo certo a gente poeta/De novo diremos "Somos Poeta" A alteridade do morto é dissolvida e progressivamente assimilada ao discurso do amigo que lhe presta a homenagem fúnebre.
***
A intenção primordial e essencial do poema é re-velar a amizade, a ligação sensível entre a poetisa e a amiga falecida. Assim, era-lhe necessário mergulhar bem fundo na sua memória, "Da amabilidade e sua cortesia/Pessoa linda que virou foi POESIA!", nos sentimentos mais profundos que alimentou e regou em toda a relação que mantiveram, e as saudades dela doem-lhe no peito.
***
A dor metamorfoseia em solidariedade, compaixão, ternura, carinho, amor. A linguagem e o estilo se fundem e mergulham na alma do falecido, revelando-lhe a alma eivada de sentimentos os mais calorosos e sensíveis: "Com alma e coração sacramentou/Rubricou nos poemas mais lindos"
***
A linguagem e estilo do epitáfio são facas de dois gumes: por um lado revela os sentimentos da poetisa e escritora Sonia Gonçalves, o que explica a amizade tão profunda, e o retratado (a falecida) fica nas entrelinhas, exigindo de nós os leitores habilidade na interpretação e análise para conhecer a profundidade da alma humana, os segredos que a habitam.
***
Neste poema, com maestria e engenhosidade, Sonia Gonçalves consegue mostrar com nitidez a alma de ambas, de si própria e da amiga poetisa falecida, Elair Cabral, e nessa adesão das almas surge-nos a amizade límpida e cristalina.
RIO DE JANEIRO(RJ), 20 DE ABRIL DE 2021, 08:25 a.m.

 

Comentários