ÓDIO É ÓDIO GRAÇA FONTIS: FOTO(ARQUIVO) Manoel Ferreira Neto: PROSA @@@@



Não há quem esteja num velório que não presencie sobre o falecido suas dignidades, honras, suas atitudes e ações exemplares, aquilo mesmo da fala popular "Na morte, qualquer um se torna santo, exemplo lídimo de grandes valores e virtudes." É o modo, estilo de os saudosos expressarem a humanidade, a compaixão, a solidariedade, sem atentarem para a hipocrisia, farsa, falsidade das lágrimas(chamadas de "lágrimas de crocodilo"), dos corações apertados de tristeza, desconsolo. E quando o falecido em verdade possui valores inestimáveis, poucos elencam estes valores, reduzem-se todos ao silêncio.
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Há três anos falecera o homem mais canalha, viperino, caguincho que existira na face da terra. Surrava crianças, prostitutas, mendigos, a própria esposa e filhos sem piedade e compaixão, dava tiros nos pés de jogador de baralho em mesa de botequim, ladrão no seu negócio próprio, açougue, adulterava a balança de pesar carne, quem comprava um quilo de carne, levava para casa apenas oitocentos gramas, preso por estuprar adolescente de treze anos. Sempre as pessoas frágeis a quem maltratava, dos homens fortes tremia de medo só de ouvir-lhes os nomes próprios, não tinha peito para enfrentar-lhes cara a cara. Vasco Ferreira da Silva era este caguincho inominável.
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Éramos inimigos não apenas capitais, mas congênitos. Odiava-o com todas as letras deste sentimento. Não ombreava com ele em qualquer rua ou calçada, mudava de trajetória, vendo-lhe. No dia de seu falecimento, ligaram-me para comunicar de seu passamento, já que éramos filho e progenitor, o que achei bastante estranho a comunicação, por ser de conhecimento de todos a nossa inimizade. Disse à prima que me ligara de São Paulo para comunicar o falecimento dele, seria enterrado em Curvelo. O que diria? Apesar da inimizade entre nós, havia falecido, aquele sentimento inconsciente de filho deveria relevar as nossas diferenças? Deveria sentir-me infeliz, desconsolado, desolado, triste, colocar em prática os ensinamentos cristãos da humanidade, compaixão, solidariedade? Longe de mim tornar um canalha santo, ser hipócrita, falso, farsante, mesmo diante da família, dos irmãos, netos, bisnetos. Simplesmente disse à prima Shirlei Ferreira da Silva, dito sentido profundo no coração, na alma, no espírito: "Fico feliz que ele tenha morrido. Sempre desejei a sua morte", o que ela me respondera "Nem sei o que dizer, Manoel", contra-respondendo-lhe: "Nada há a ser dito diante de minhas verdades acerca deste homem; o mundo ficou livre dele." Não é de meu conhecimento se Shirlei disse à família o que havia eu dito, mas creio que sim. Os irmãos, embora tenham sofrido o pão que o diabo amassou com o rabo nas mãos dele, todas as violências corpóreas, no velório derramaram todas as lágrimas, até faltando algumas, até elencando alguns valores(mentirosos, obviamente). Se estivesse eu presente, presenciaria a uma tragicomédia das mais sui generis.
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Lembra-me com perfeição, numa discussão entre nós, haver-lhe dito com todas as palavras: "Tenha certeza, imbecil, de que no cemitério, quando seu caixão descer na sepultura, farei xixi sobre ele na presença de todos." Uma ação ridícula teria sido, claro. Encontrei um modo de eternizar o ódio por ele, escrever este texto. Ódio é ódio, ainda mais quando nele habita todas as razões, motivos. Quem o conhecera pessoalmente, sabe não estar eu adulterando as coisas, por odiá-lo, era este homem sem tirar nem pôr. Se me senti feliz com a sua morte, fico ainda mais feliz por tornar público o caráter e personalidade de Vasco Ferreira da Silva. Agora sim patenteio o ódio.
RIO DE JANEIRO(RJ), 20 DE ABRIL DE 2021, 13:49 a.m.

 

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