#AFORISMO 934/ NAS ASAS DE LETRAS E PALAVRAS# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO



Vacilo entre querer e não querer,
entre ficar e arrumar as trouxas
para escafeder-me sem deixar vestígios,
sinais de minha presença,
fantasias e quimeras de minha ausência,
saudades de minha falta, ec-sistência,
sem deixar os passos nas pedras das ruas,
re-colhendo as palavras todas que pronunciei,
as idéias que, inocente e ingenuamente,
divulguei,
as idéias que se me anunciaram,
esperei amadurecer para id-ent-ificá-las,
como dissera um de meus maiores
e melhores amigos no instante
de nossa despedida,
“você está no seu mundo mesmo”,
os sentimentos de amor que armazenei
em mim dentro para viver no meu espaço
singular e particular,
os olhares com que observei as coisas,
os rostos e os objetos,
jogando-lhes na mochila, bem mais tarde,
comentários e opiniões, pontos de vista que ouvi altissonantes, cretinices e mesquinharias,
nos litteris de todos os ipsis re-fazer-lhes
e re-contruir-lhes nas instâncias e estâncias
do in-verno e seu aspecto ensimesmado
nas auroras e crepúsculos do sertão,
imagem do presente, do verão e seus raios numinosos incidindo nas cabeças de transeuntes e nas ruas sem sombras, não há árvores por todas elas, um convite ao mergulho na divinidade do desejo e o adeus
insofismável na algibeira,
imagem do passado, “hasta la muerte” no alforje,
no dia do apocalipse faria uma viagem rápida
com o objetivo exclusivíssimo de soltar
os fogos de artifício,
comemorando a alegria de assistir
ao sepultamento da absoluta súcia,
quem há que dela não seja integrante,
participante, nascido e criado nela?,
ande ao seu lado como ovelha do rebanho,
ao fim de toda uma civilização e cultura,
o espaço vazio no mapa,
jamais em todas as dimensões da alma;
quem dera pudesse isso concretizar,
não veria re-fletido no espelho
a tristeza e a desolação na minha imagem,
a boca fechada, em silêncio irrestrito e irreversível,
há as suas vantagens,
observo com mais percuciência
as mazelas e hipocrisias individuais e da história,
entre o que se foi e o que haverá de ser
– na verdade, na verdade, não sei se foi mesmo,
parece confundido com o que está sendo,
o que haveria de ser é o que se foi,
o que está sendo é uma ilusão do sonho
que se anunciou instantes atrás,
tudo parece entrelaçado com certas inconsciências, concebidas e nascidas dos instintos voltados para as justificativas e explicações fundadas e fundamentadas nos interesses espúrios, súcias ideologias,
pergunto-me como o que há-de ser será possível,
se o presente está amasiado,
suciado ao passado,
entrelaçado com ele feito vermes,
não tendo qualquer resposta,
inda que inviável...


Pergunto-me ainda se haveria possibilidade de silenciar onze anos de minha vida, amanhã poderão ser trinta, três não me foram fáceis, mas era garoto de oito anos, apesar de aquando em vez alguma perspectiva se me a-nuncia, cuido logo de devolvê-la ao catre com alguns comprimidos de Paracetamol, mais um para somar ao coquetel que ingiro todos os dias, algumas massagens nas costas, lugar onde tudo ficou mais que inscrito; jamais poderão figurar em qualquer espaço, levo-lhes comigo para os sete palmos de terra, não havendo quem possa tecê-los de modo a representá-los, quem conhece esses três anos de minha vida não irá dar com a língua nos dentes, respeita-me o último pedido de não fazê-lo, não que tema algo inconsciente seja exposto a todos os ventos, denegrindo-me a imagem, sim porque não quero carregar canalha nas costas pela eternidade, tudo o que disserem serão criações, invenções, frutos da imaginação fértil, mesmo dos interesses de importância, pois que contribui com leituras mais percucientes, esclarecedoras da psique e suas contribuições à personalidade e caráter insolentes, prepotentes – não acredito que a psique seja a responsável pela insolência e prepotência, em verdade são elas frutos da consciência da inteligência e dos valores sensíveis e intelectuais que me habitam, foram sempre objetos de encômio - à luz do que é exterior, mas no interior a busca de verdades que me indiquem os caminhos do ser e dos verbos - o passado, seja o que ele?, passado e promessa de outro presente, outro futuro; é na carne mesma que trago esses anos, nela ninguém poderá mergulhar, arrancar dela as verdades angustiantes que viveu por toda a vida, mesmo com a presença de todas as mimeses para tripudiar com as mágoas, ressentimentos e ódios -, o que penso e os sentimentos que me vão no íntimo, entre a verdade e a in-verdade – insegurança e medo, suponho, - que me diz: “O indivíduo, sob qualquer perspectiva e ângulo que se considerar e analisar, está sujeito a todas as mudanças, é uma lei a mais, uma necessidade a mais para tudo o que está por vir”.


É mais fácil ser feliz do que escrever;
Não troco a felicidade pela escrita,
É escrevendo que artificio
a felicidade que desejo,
com ela abrir espaços e vazios,
vácuos e abismos,
para a a-nunciação do
SER E DOS VERBOS,
que lhe tecem a VIDA,
que lhe compõem
o itinerário de campos
e
florestas
silvestres.


É mais fácil tecer palavras
Que re-presentem a verdade
Que habita o sonho do verbo
Que assistir de camarote
Às realizações de todos os desejos,
A concretização da VIDA em sua
Essência de pureza, inocência,
Acima de tudo,
Da ingenuidade do tempo,
Suas circunstâncias e situações.


É mais fácil alçar vôos profundos
Nas asas de letras e palavras
Que encontrar no quotidiano das ações e atitudes,
Dos desejos e vontades outras
Que preenchem a vida de alegrias e prazeres,
Asas para sobrevoar campos e florestas,
Abismos e descampados;
É criando letras, artificiando palavras,
Transcendendo com elas os caminhos percorridos,
Que a vida se mostra plena,
E os sonhos de estendê-la a todas as distâncias
Se tornam reais,
São perspectivas da beleza e do belo.


Mas não é da esperança grande e imensa que nesta terra houvera, limpa e pura a alegria, como têm costume, hábito e orgulho de assim dizerem dela, sim da condição pesada e dura, cárcere de correntes e algemas, de trabucos e carne viva e sensível, a culpa terá firmeza, a responsabilidade, solidez, o mal logo mudará a natureza, os ossos para sempre sepultados – quão fáceis são ao corpo o caixão, a sepultura!


Quão esplendidas são a hipocrisia e mesquinharia na construção de um patrimônio histórico, de um museu cultural.


(#RIODEJANEIRO#, 08 DE JULHO DE 2018)


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