#AFORISMO 935/ LONGA-DA-MIRONGA-DO-CABULETÊ# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Dedico ao amigo e escritor memorialista Antônio Nilzo(Eliete Araujo
Duarte) com apreço, amizade e reconhecimento.
As criaturas da noite são apaixonadas.
Fazem anarquia, fazem comunismo, fazem liberdade, fazem libertinagem,
fazem nonsenses e ridículos. Uma farra que descobre sentimentos, que en-vela
dores e sofrimentos, que omite mágoas e ressentimentos, que eleva os fracassos
e frustrações às antípodas da terra e do mundo. Que amam a madrugada, o latido
dos cães, o zurro dos jegues puxando carroças. Que cantam com fervor, cânticos
os mais di-versos na esperança de a aurora nascer, tabernáculo de novo dia,
performando novos passos de dança, à luz do corpo, constituído de carne e
ossos, de sensações e calafrios. Que somem sem deixar quaisquer vestígios, sem
quaisquer mínimos traços inda que invisíveis.
Empalidece e cai a noite que num murmúrio, sussurro, cochicho, martiriza
uma parte adormecida do UNI-VERSO, e como cantam as aves cantam os sinos,
novamente batendo, acordando o abismo que arregala de olhos vendados. Se todos
sonharam? Sonharam, sim, e neste sonho supuseram as mais lindas histórias da
escravidão e desrespeito aos direitos humanos, e como numa fábula resplandece a
paz que mais uma vez julga inter-mediária da conquista e do resplendor, da
glória e êxtase.
Ali, à face da montanha, vejo sumir-se, nos pingos dágua, expressando de
outro modo asco e náusea que me habitarão, enquanto for vivo, mesmo debaixo de
sete palmos – disse à querida-doce-companheira-e–esposa que na sepultura vou
sentir falta de nossas noites de amor e agarração -, mesmo por toda a
eternidade até a consumação dos tempos.
Na minha voz tranquila, impérios ruíram, orgulhos e vaidades escusas
desmoronaram, ostentações de moral e ética indevassáveis quedaram sem direito a
único suspiro, até as letras, em princípio, uni-versais e eternas, conheceram o
nada e o vazio do nascimento da razão, uma luta de morte pré-cede todas as
mudanças, no sil-êncio da ordem uni-versal rigor da razão cobre o tempo novo, a
fé nova que nasceu, as velhas que se transformam, mudam de fisionomia, mudam as
faces. Esse cenário, se as câmaras cinematográficas filmassem em todo o
esplendor e magia, transcenderiam a contingência de oitava maravilha do mundo,
o mundo inteiro conheceria a divinidade do espírito e sensibilidade da imagem.
Continuo escrevendo para um mundo distante, para mentes longínquas, de
sermos nós, mas amplo de nossos pensamentos, mitos, ritos e história. E que
minhas escritas caem num lugar vazio, num abismo sem fundo, onde este vácuo
esteja imune da podridão, do odor fétido, muitas vezes ocupando a mente e a
alma... Certos papéis são sensíveis, certos livros nos tomam inteiros.
Pensando, orando, ou a cantar, encontro em mim uma libertação, prazer que
e-nuncia outros sentimentos e emoções, às vezes uma liberdade que esconde e
liberta com sua única arma de defesa: “O LAZER”.
As criaturas da noite são apaixonadas.
Todo dia, faça chuva ou faça sol, há o jogo de luz e sombra, jejum
repleto de gula, o réptil subreptício com sua gosma de íntimo. Quem não sabe
dos buracos negros nas profundezas do poeta? Quem não conhece os vazios e nadas
nas pré-fundas do escritor? Se os homens e a humanidade, mesmo que nos olhares
de esguelha, não sentissem pena e comiseração de nós, o que seria de nossas
vidas? Em verdade, humilhe-nos e ofende-nos, somos todos dignos de dó. No
observatório do coração alucinado, perdido nas costelas das constelações, nas
costas das estrelas e da lua, de sonhos e atônitas realidades, o escritor, o
poeta são galileus no breu das inquisições, nas trevas da Idade Média. Todo
cair da tarde a toada de medo, de insegurança, poema ou prosa de m..., m... de
prosa poética, o morrer que começa feito cócegas nos dedos.
Ouço, só, só no ser e verbos entre todas as ad-jacências do amor aos
sonhos e utopias, quimeras e fantasias, o silêncio, silêncio afogado e úmido,
longo suor frio, na medula espinhal ou no joelho que separa a perna da
anti-perna, silêncio branco e sepulcral. Quero amanhã lembrar-me que fui
embora, larguei o passado à mercê do esquecimento do tempo, da indiferença e
desprezo humanos. Jamais me esquecerei do olhar do ator John Wayne no filme
Rastros de Ódio, contracenando com seus filhos Ethan Wayne e Patrick Wayne,
numa cena de escuridão e uma luz fosca, o olhar perfeito do desprezo, só por
ele merecia um Oscar inédito na história do cinema, o Oscar do Olhar verdadeiro
e sincero, e nenhum ator senão John Wayne seria capaz de mostrar-lhe nas telas
mundiais, ele que era frio e duro por fora, mas sensível por dentro. A Academia
não dera a mínima para este filme. É com esse olhar que olho a hipocrisia
humana, a história de certo povo. Na face das velhas casas alastram-se manchas
de água, o rodar dos carros estruge no enlameado da rua feita de pedras, o meu
bafo quente coalha nos vidros turvos – disse-o nalgum instante de minha vida,
em circunstâncias e situações de que não me lembram, mas agora expilo a fumaça
do cigarro à mercê do vento que se dirige ao leste do paraíso celestial,
naquela época era a respiração lenta e comedida que se distanciava, a diferença
de sentido e sentimentos reside aqui, hoje o éden está muito íntimo,
entrelaçado em mim, comungado a todas as dimensões de minhas re-versas razões e
in-versa sensibilidade, avessa intelectualidade e intuições do cogito ergo sum,
lembrando-me do filósofo Descartes, por quem me senti atraído na idade de minha
juventude, apesar de que não tenhamos quaisquer semelhanças nos interesses e
objetivos, nas idéias desfaço-lhe as seguranças e certezas do que há-de vir, o
por-vir tranqüilo e sereno, sem quaisquer dúvidas, a ciência pura e absoluta da
vida, acompanhada da intuição, percepção, imaginação, inspiração, enquanto que
o paraíso celestial ao leste está bem distante de mim, só mesmo na imaginação o
concebo, e o desejo é de me aproximar dele, saber-lhe, re-colher-lhe e
a-colher-lhe, no tempo, literalizado, tecer palavras que lhe id-ent-ifiquem a
essência e o ser por vir. E imerso assim em umidade, quase alcançando a
lod-icidade, com os pés frios, esmaga-me um cansaço sem tempo, um abandono
absoluto da vida e da morte.
Sempre um sepulcro sutil debaixo do edredom e cobertor, altas horas da
madrugada, minutos antes do canto do galo, na arapuca de Morfeu os pesadelos de
Sísifo, assim ou assado, em si mesmo petrificado – narcísifo en-si-{mesmado}.
Vomito finalmente o mito repelente, o mito indecente e indecoroso, o mito
refutável e descartável: admito ser gente, con-sinto em ser humano, estar à
mercê do tempo, estar sujeito a trans-formações, estar sujeito a ser o outro de
mim, envolvido em todos os princípios e verdades do final.
As criaturas da noite são apaixonadas.
Três horas da madrugada: reclamam as asas da alma espaço para voar além
do corpo e do catre, além do bairro e da praça, além do chapadão e dos
córregos, quer a alma excitada voar além da cidade, além das florestas, apesar
dos morangos e pêssegos deliciosos e apetitosos, que tanto aprecio, além dos
mares que se perdem no infinito, confundem-se com as nuvens brancas e azuis,
deixam olhos extasiados e voluptuosos de prazer com a beleza e magia do
uni-verso, universo que des-lumbra o barroco de sua apoteose, que a-lumbra o
expressionismo dos sofrimentos e dores da alma, vice-versa-lumbra o realismo
dos pensamentos e idéias no per-curso do tempo e de suas contradições, suas
tragédias homéricas e ulisseanas. Pois que voe a desalmada, voe mais que águia,
deixando o corpo em soluços, dissolvido sonrisal, alka-seltzer num copo de
solidão. Sempre uma dose de angústia sobre o acrílico do medo no Pôr do Sol da
periferia onde, amargo, me exilo, penso e sinto o que me convém, o que está de
acordo com a minha alma e ser, as saudades indescritíveis e indizíveis de minha
querida Pitibiriba se me anunciam todas, sou todo saudades, sou todo ouvidos
dos sibilos do vento, sinto-me sendo o outro de mim, e mando o resto para a
“longa-da-mironga-do-cabuletê” ou pentear macaco no pálido crepúsculo das
montanhas... Segredos, episódios a serem contados em livros, apenas o vento, as
folhas reconhecem o talhe.
Sonho que vai, sonha por que vem atraindo o toque de ser tocado,
acariciado, sonho das belezas das profundezas espirituais, das buscas profundas
de felicidade e alegria; dormindo, sonhando, sonho das realezas das perfeitas
cordiais de sentir, de tocar, imanizar e curtir sem ser curtido. Sonho que leva
tudo que corre no tempo, no espaço, nos traços entre-volados e opacos sem
corrigir. Sonho de sonhar sem sentir, de interpretar, de impor, de ver e saber
aquilo...
Oh, bela terra não pode ser ingrata nem julgar suas costas cansadas inda
jovem, nem fugir a paz ser sensata, volver com príncipes milharais e no arroz
as espigas em ouro lhe envolvendo e o café... Oh, bela terra que acendeia em
terra própria vida de matéria viva, imagem de sonho, eros oníricos... Oh, solo
trincado pelos raios do sol, por entre o matagal virgem resplandece.
(#RIODEJANEIRO#, 05 DE JULHO DE 2018)
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