#AFORISMO 936/ O MAIS LONGE QUE SE DEVE LEVAR O DESEJO E A VONTADE# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
"À beira-mar a "odisséia proseada" nos céus do
Olimpo..."
Busco na solidão - ou no "estar-só", "ser-só"? - com
que me deparo nesta manhã de após chuva noite inteira, no silêncio que se me
a-nunciou desde que abri os olhos, meus sentimentos distantes, emoções à
soleira da eternidade, pensamentos e idéias perdidos em não sei que sendas,
intuições e percepções em estado de expectativa, alma e espírito dispersos na
imensidão dos infinitos horizontes do mundo, mas tão perto que posso senti-los
vivos e presentes, posso senti-los pujantes, posso sentir-lhes os êxtases e volúpias,
vagam nas linhas curvas de letras e frases curtas que não tenho qualquer pejo
ou medo de mostrar, id-“ent”-ificar, a-nunciar e re-velar, e mesmo que houvesse
relutâncias não saberia como evitar a presença – como existir pejo ou medo em
incertas palavras, inquietas letras, dispersas linguísticas e semânticas, se
antes não existissem em mim, se antes não fossem re-presentações do que em mim
habita profundamente, não fossem símbolos de desejos e vontades, não fossem
signos de esperanças e fé, não fossem metáforas dos sonhos e querências, não
fossem estilo e linguagem do outro atrás do meu eu? Isto é perfeitamente
impossível, isto é totalmente irrealizável, isto é ipsis litteris in-audível.
Ser de avessos, sin-estesia
Sim de desejos puros, inocentes, ingênuos
Sim de idéias simples, humildes, verdadeiras
Estesia do sim, numinando espaços,
A lua olha de soslaio a distância da estrela próxima
O espaço sideral vislumbra de esguelha os relâmpagos
Que anunciam, primevas pers-pectivas da imagem,
A chuva niilista do apocalipse de divin-idades absolutas,
As estrelas olham a proximidade da lua a versejar
Seus brilhos, desejando a luz uni-versal da verdade
A escuridão do uni-verso em plena desova das trevas,
Aspirando a dialética da iluminação trans-versa às ideologias,
Versando a escravidão de homens bêbados de boêmias
À luz das ruas áridas e íngremes de solstícios do alvorecer,
À semi-luz das cavernas solitárias e silenciosas de estalactites,
Cambaleando, tropeçando, caindo, arrastando nas sarjetas,
À busca da canção executada na harpa da suprema querência
Do sentimento da vida, enleado e entrelaçado à espiritualidade
Do ser tempo no silvestre dos verbos do estar-aí,
Boêmios lúcidos à sombra das calçadas pectivando
As pers de suas solidões, silêncios, abandonos, tristezas.
Na imensa escuridão de minha alcova, na obscuridade do temporal que
descia do céu – não me lembra de no mês de março chover tanto como agora,
“águas de março fechando o verão”, assim o definiu o “poetinha” Vinícius de
Morais; não existem somente as águas de março, existem as do início de setembro
para as flores da primavera abrirem e extasiarem a alma, instigar a busca da
beleza eterna ou o eterno dos sentimentos e sensações da beleza, do puro, do
belo, alfim do divino; a primavera e o amor é que me inflamam, o sublime e a
amizade é que me enternecem, a verdade e a ternura é que me sensibilizam. Que a
um abismo irei ter, em vão percebo, e me rio aos toques e retoques. Em vão
atraco, e em vão ponho brida a esta selvagem paixão, a este rebelde e
irreverente devaneio (ou desvario?) -, meu coração se entristecia na solidão,
no estar-só, no ser-só, sentimentos de ausência, carência, falta perpassavam o
íntimo, no esquecimento da felicidade que já ia embora, no olvidamento da
alegria que já partia e acenava o incólume adeus.
Meu ser vivia na escuridão da noite, meu ser vivia na obscuridade do
temporal, meu ser vivia no desejo, minha alma era uma lembrança que existia em
mim, eu não era qualquer recordação, eu era nada e nada con-templava a manhã
que se re-velava aos poucos, lenta e serenamente. Quando abri a cortina e
semicerrei a janela, o vento frio tocou no meu pálido rosto, respirei amor,
respirei carinho, respirei ternura, respirei o sublime carinho e a eterna
amizade, suspirei de prazer e alegria, suspirei de tantas volúpias que me
habitaram o íntimo, as pré-fundas de meu ser, o abismático não-ser de mim,
criei poesia a des-vendar o céu, as estrelas, o espaço sideral, a des-velar as
meiguices insolentes do inferno, a percorrer as florestas silvestres, a
sobrevoar os abismos, procurando intensamente a loucura de trazer a sublimidade
para junto de mim. Senti a maresia do mar - sentimento que não entendi de
imediato: por que o mar? Seria que à beira-mar compusesse a "odisséia
proseada" nos céus do Olimpo? Senti-me feliz, e a tristeza é que ficou no
esquecimento dentro da obscuridade, derretendo-se em chuvas, caindo pelas
estradas, sendo levada pela enxurrada, e esquecendo-se de mim, que não lhe dei
qualquer guarida, não compreendi os seus valores naquele instante.
Do supremo repouso a hora nefasta soou, os sinos de todos os domos de
igrejas simples e humildes redobraram. A treva impenetrável, densa, cresce em
torno; e enche a noite da descrença, da desesperança, do ceticismo a amplidão
do deserto adusta e vasta.
Que inquietação profunda, que desejo de outras realidades, outros sonhos
dentro de outros sonhos, de outros versos e uni-versos, de outras coisas, de
outros modos de estados de alma, de outros estilos e sensibilidade!
(**RIO DE JANEIRO**, 06 DE JULHO DE 2018)
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