#AFORISMO 938/ IMAGEM DA SOMBRA NO CHÃO QUE É DE GIZ# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO



Sim, mas agora, enquanto dura esta manhã de ideais e pro-jectos além dos lotes vagos da inconsciência e alienação, além dos jardins de delícias da terra maculada de idolatrias fúteis, reverências indecentes, este tempo de após chuva por toda a madrugada, esta neblina que cobre a montanha, esse friozinho ads-tringente, as flores, as folhas respingadas, essa paz que sinto no mais profundo de mim, quiçá por querer, ter vontade de cavalgar noutros prados, embora seja inacreditável, seja-me con-sentido crer o que jamais poderei ser, seja-me permitido nada saber do que já sei, do que desejava saber.


Ser de sou, em mim o verbo,
Que re-nasce, re-nascendo o re-nascer,
Que, re-nascendo o re-nascer, re-nasce o ser-da-vida,
Sou de ser, nos re-cônditos da alma,
A luz que alumina a morte e vida do verbo,
Iluminância que ilumina a vida e o eterno-do-ser,
Ilumin-idade que dessedenta a carência
Ilumin-itude que des-fomenta as ausências
Da sabedoria das Palmeiras do Inverno.


Ergo-me para uma nova manhã, manhã docemente viva, manhã efetivamente presente em todas as coisas, especialmente nas minhas retinas – quem dera pudesse con-templar as imagens que perpassam as minhas pupilas! quiçá as volúpias e êxtases fossem mais pujantes! A minha felicidade é pura, é o reflexo do sol na água, é a imagem da sombra no chão que é de giz. Cada acontecimento vibra em meu corpo como pontas finas de estalactites que se espedaçassem...


Ser de verbo, em mim o vento,
Que regencia os tempos e histórias dos sonhos,
Que concorda as dialéticas e as circunstâncias ambíguas,
Que conjuga os enganos e dúvidas com as contas do terço
Das in-verdades e devaneios,
Que corrobora enálages aperfeiçoar as con-tingências
E ideais do tempo e dos ventos;
Depois dos momentos curtos e profundos,
Mínimos e abismáticos, vivo com serenidade e
Calmaria durante longo tempo,
Quase impossível conceber a sua extensão,
Diria em termos dos alhures aos augures,
Com-preendendo, recebendo,
Resignando-me a tudo, sendo-lhe indiferente de todo.
Caem as folhas secas no chão irregularmente


Parece-me fazer parte do verdadeiro mundo e estranhamente haver-me distanciado dos homens, haver-lhes desconhecido, ser indiferente a eles, se existem, se são frutos de imaginação fértil, isso muito pouco diz-me respeito, isto muito pouco me desperta para outras jornadas em busca da verdade. Embora neste instante consiga estender-lhes a mão com uma fraternidade e solidariedade de que eles sentem a fonte viva. Falo-lhes das próprias dores, falo-lhes dos desejos e esperanças, falo-lhes dos sonhos e da fé, e eles, embora não ouçam, não pensem, não falem, têm um olhar bom, um olhar compassivo.


Ser de quem sou...
A verdade me falta na continuidade do tempo,
O eu-de-mim é a busca dela:
Vivo manuscrevendo as entre-pedras de suas estradas,
As pedras em fileira das peças artísticas
Dos tempos de Martha Moura,
Sinto-me tecendo as linhas poéticas
Do diamante que risca o éter do apocalipse
Dos pretéritos das genesis às luzes das etern-itudes...


Sim, mas agora, enquanto dura esta música do extermínio do Muro de Berlim, The Wall, o itinerário propício para encontrar a alma é afastá-la o mais possível de mim... Existir só em mim é não ser mais alguém. Um riso tres-loucado repousa em todo o quarto como se de tão sentido houvesse perdido o significado, e fosse apenas sua própria idéia. Reconfortante um repouso e os pensamentos inteiros são reminiscências de entrega. Para além de minha subjetividade... alcanço o seio mole e fecundo do próprio ser... A longa extensão dissolvendo os limites...


Saber onde estar para poder estar em toda a parte, saber onde deitar-me para estar passeando por todas as alamedas, por todas as quitandas. A meta invisível, resolver a equação da inquietação prolixa, ali sem restrições nenhumas. Não há resultado de conversa que não seja meu por acaso. Não há modo de eu não estar em toda parte. O meu privilégio é tudo.


Ser de nada verbos que sibilam entre pedaços de jornal crestados pelo sol, ressecados e quebradiços como folhas mortas, tão amarelas que se poderia dizer, imaginar que tivessem sido mergulhadas em ácido pícrico. Lembrou-me melhor do que senti outro dia, junto ao mar, quando segurava uma pedra. Era uma espécie de enjoo adocicado. Como era desagradável! Não se tem noção. E vinha da pedra, falando sério, passava da pedra para as minhas mãos. Espécie de náusea nas mãos.
Distante da margem do rio de águas turvas, o impenetrável bosque de fetos verdeja ainda; é um bosque de folhas ondulantes, no qual o gado, pisando, traça permanentes veredas. As plantas tem enormes folhas esbranquiçadas que pendem como orelhas. Ao toque pareceria cartilagem. Como nos dias da meninice, abria passagem violentamente, através da espessura, fundindo-me entre as plantas altas, nadando com as mãos, e procurando, às apalpadelas, onde pôr o pé. Insetos e répteis assustavam-se à minha aproximação.


(**RIO DE JANEIRO**, 06 DE JULHO DE 2018)


Comentários