#BRUMAS DE PRATA# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: SINOPSE DE PEÇA DE TEATRO


ANÁLISE: 21 DE JUNHO DE 1989


III ATO


"O ego nos aparece como algo autônomo e unitário, distintamente demarcado de tudo o mais." (Sigmund Freud)


O dia está para além da montanha: silenciosa, radiante, esplendorosa. Um silêncio indisciplinado e desordeiro. Um pedaço de matéria escravizada, submetida a uma ordem óbvia. O significado é desordenado, invertido, despido de caracterização. Sinto-me atraído, e a sedução é uma correspondência de afetividade e sentimento. Uma beleza muda, silenciosa: a mudez de sentimentos lindos e breves, de emoções breves e efêmeras. No sonho, a presença do limite a estabelecer a verdade de emoções muito longinquamente é vivida, e assim mesmo sou eu quem a sinto em mim.


Desejo imediatamente uma aresta de liberdade possa de uma boa vez desvencilhar-me de atuações, destituir-me de farsas, e assim coloque-me no mundo. Imediatamente...


Já não pode estar havendo qualquer laço de união com o que estou sendo e o que já fui. O que se denomina "pensar" é-me um limitado constrangimento, uma justificativa de estilo. O limitado constrangimento afigura-se, às vezes, ser um bom senso frente à sensibilidade. É uma afronta ao bem-estar, à felicidade, à alegria.


A afetividade de mim mesmo: busco com a sinceridade radical e exigente de um olhar a quem se ama. Antes de haver conscientizado a mim desta grande verdade, afigurava-se-me ser suficiente a afetividade (não se é preciso buscá-la num indivíduo: é uma de suas dimensões). Ora, concebo a verdade da sinceridade funda e realiza a afetividade. Experimentei-a com olhar atento e percepção aguda. Lembra-me de como no silêncio de um monólogo interior, nestes monólogos em que se penetra no mais fundo dos sentimentos, fui conscientizando a mim de como a vida se sucedia na minha consciência, a partir de uma sinfonia a que assistia orgulhoso e irrequieto, um cuidado enorme exigente. O silêncio sentia-o eu num estilo de vertigem - no estilo era-me eminente fácil perceber a presença do carinho a suceder no coração; a vertigem era uma espécie de mergulho nos recônditos dos desejos dissonantes dos atos, simplesmente atuações. A longa e aguçada vertigem aguçava-me os sentidos inteiros, mostrando-me a sua utilidade, e melhor ainda, a urgência de metamorfoses em nível de comportamentos. Fazia-se mister o fluimento do afetivo.


O sonho é o estilo sensível, e por excelência, de as emoções mostrarem-se, coadunarem-se, processarem-se e, no mundo da vigília serem realizadas em sintonia com a identidade, o fundo dalma. Se surge um limite, neste sonho, é que as emoções não conseguem sobreviver de modo disparatado, num estilo atabalhoado, além de irem morrendo no suceder dos instantes, nada pode ser realizado, a identidade mergulha-se e se efemeriza.
O interior dos olhos... embaciados...


(**RIO DE JANEIRO**, 05 DE AGOSTO DE 2017)


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