#ATEÍSMO, ABSOLUTIZAÇÃO E NIILISMO# - GRAÇA FONTIS: ESCULTURA/Manoel Ferreira Neto: ENSAIO


DEUS ESTÁ MORTO - CAPÍTULO XXII...


É apenas um prejuízo intelectualista – ingenuamente platônico – acreditar que é o grau de certeza de um pensamento que está na origem do efeito que ele possa produzir sobre alguém. Isso é crer que apenas o constrangimento do verdadeiro é eficaz, o que é uma grande tolice: o cristianismo excerceu imensa influência enquanto idéia – o que não tem absolutamente nada a ver com a “verdade”, nem com o índice de certeza de sua doutrina. Que se pense, dirá Nietzsche, na ação que exerceu a simples possibilidade da dança eterna. Neste momento, a doutrina do retorno reata profundamente com o “perspectivismo” de Nietzsche. Como ele anunciara, com essa doutrina trata-se apenas de recuperar certa perspectiva sobre o vir-a-ser.


A estrutura fundamental visada pelo conceito de vontade de potência é a limitação de uma ambição ilimitada. Digamos que o conceito comporta dois momentos, a própria ambição, que é ambição de potência, e a limitação dessa ambição pela posição de uma potência determinada, que busca ampliar-se e também ambiciona uma potência maior. Por isso, a determinação formal da noção de potência é um “superar-se”.


Com isso, a “potência” não nomeia propriamente nenhum estado ao qual se possa aspirar, nenhuma finalidade determinada, mas apenas um momento do próprio aspirar – a saber, o momento da superação de um estado por outro mais elevado – e, com isso, o momento da abolição de um limite da aspiração através de uma nova limitação.


Com a morte de Deus, a humanidade encontra seu sentido existindo em função do super-homem que, para Nietzsche, busca um sentido que é encontrado na idéia de eterno retorno do mesmo.


No livro III da obra Assim Falou Zaratustra, sobretudo no capítulo que tem como título o “Convalescente” encontramos uma revelação mais clara do eterno retorno; quando os animais da caverna que viviam com Zaratustra diziam:


Ó Zaratustra, para aqueles que pensam como nós, são as próprias coisas que dançam: elas vêm, estendem as mãos, riem e fogem – e tornam a vir.
Tudo vai e tudo volta; a roda do ser marcha sem fim. Tudo morre, tudo renasce, o ano do ser está eternamente em curso.
Tudo se quebra, tudo está reunido; eternamente se constrói a mesma casa do ser. Tudo se separa, tudo se encontra; o ciclo do ser continua eternamente fiel a si próprio.
O ser começa em cada instante: em redor de cada aqui gravita a esfera além. O meio está em todo o lado. O caminho da eternidade é uma linha quebrada. .


Sem dúvida alguma, encontramos neste fragmento a idéia cerne do eterno retorno, onde o movimento do mundo não tende para um fim. Assim, o devir explica-se por si mesmo, pelos seus próprios movimentos, preterindo qualquer intervenção finalista. O mundo vive de si mesmo: “suas dejeções são seus próprios alimentos.”


Nietzsche descarta totalmente qualquer possibilidade de um mundo criado: este possui para ele um caráter indefinível e irrealizável, munido de superstição; ao contrário, em suas próprias palavras:


[...] o mundo é um monstro de força sem começo nem fim, uma quantidade de força brônzea que não se torna nem maior nem menor, que não se consome, mas só se transforma, imutável no seu conjunto, uma casa sem despesas nem perdas, mas também sem rendas e sem progressos, rodeada do nada como de uma fronteira... não é algo de vago e que se gaste, nada que seja de uma extensão infinita, mas, sendo uma força determinada, está incluído num espaço determinado e não num espaço que seria vazio em alguma parte .


De fato, Nietzsche concebe este mundo como um campo de forças que jamais se cessam; onde a agitação do mesmo provoca uma tempestade, resultando num eterno vaivém, passando do jogo das contradições ao prazer da harmonia, declarando-se a si próprio como algo jamais extinguível; um constante retornar, um devir que jamais se sacia, enfim:


[...] este mundo dionisíaco da eterna criação de si mesmo, da eterna destruição de si mesmo, este mundo misterioso das voluptuosidades duplas, meu além do bem e do mal, sem fim, senão o fim que reside na felicidade do círculo, sem vontade senão um anel que possua a boa vontade de seguir seu velho caminho, sempre em redor de si mesmo e nada mais senão em redor de si mesmo .


A vontade de potência, nome também atribuído a uma das mais célebres obras de Nietzsche, publicada por sua irmã após sua morte, adquirira um caráter central em sua filosofia.


Nietzsche declara, nesta presente obra, a vontade de potência como vida e todos aqueles que optam pela vida, os mais vivos, os melhores representantes da espécie humana são estes os que detêm com maior vigor esta vontade de potência. Temos, portanto, na história, o exemplo de homens ilustres: “César, Frederico o Grande, Napoleão, mas também Homero, Aristófanes, Leonardo da Vinci, Goethe” , simbolizando a mais alta e admirável encarnação da vontade de potência existente até o momento. Vale lembrar que a vontade de potência tende a ser superada pelo super-homem, em quem essa vontade de potência se concretizará, atingindo o seu ponto mais elevado.


A obra nietzscheana, Genealogia da moral, em seus três ensaios centrais: ressentimento, má-consciência e o ideal ascético aduzem que ao privilegiar na análise as forças, os instintos, a vontade de potência, a genealogia dos valores atinge sua realização enfocando, por vez, a vida, como critério avaliativo, evidenciando especificamente o conceito nietzscheano de vida como vontade de potência, pois toda natureza da vida é tendenciosa para essa vontade de poder e onde há vida existe vontade, não absolutamente a vontade de viver, mas a própria vontade de potência.


A essência da vida considera a vontade de potência algo elementar, afirmando que toda força motriz é vontade de potência, não existindo nenhuma outra força, quer seja dinâmica, psíquica ou física fora dela, isto é, de si mesma; e mais, esta vontade de potência não é unitária, mas constituída de formas ou de tipos distintos. Isto porque o homem anseia sempre e sempre mais, como uma busca ambiciosa pela potência, pelo querer ser mais forte, significando tanto estender quanto conservar a potência.


A vida, numa perspectiva, anseia fundamentalmente ao mais alto grau que pode chegar a potência, não necessariamente adaptação ou conservação, mas aumento, aglomerado, extravasar, explosão de potência: “e a própria vida me confiou este segredo: olha, disse-me ela, sou o que sempre se deve ultrapassar a si próprio”


Nesta perspectiva, toda a vida se volta para uma vontade de potência onde reinam os desejos de querer, crescer, estendendo-se num alarmante açambarcar, na busca de um constante dominar, pois a vida é uma vontade de potência. Nesta tendência da vida, há um sentimento máximo de potência, ela busca mais potência, tendendo a se tornar mestra espalhando sua força em todo espaço.


A vontade de potência, ao invés de representar o fim do perspectivismo do conhecimento, será para Nietzsche exatamente o princípio que fará com que todo conhecimento seja sempre perspectivo, isto é, parcial e provisório, destinado a superar-se em direção a outra interpretação, outra perspectiva. É isso que Nietzsche indica em um fragmento póstumo, de forma concisa, mas precisa, ao afirmar que o próprio “interpretar” é uma forma de vontade de potência, que tem existência não como ser, mas como processo, como vir-a-ser.


Meus escritos afirmam constantemente que o valor do mundo se encontra em nossa interpretação (que talvez, em qualquer outro lugar, são possíveis outras interpretações, distintas das simploesmente humanas); que as interpretações até agora admitidas são avaliações perspectivas, em virtude das quais nos conservamos na vida, ou seja, na vontade de potência, no aumento da potência, que toda elevação do homem traz consigo a superação de interpretações mais restritas; que cada consecução de nova força e de extensão da potência abre novas perspectivas e significa crer em novos horizontes. O mundo que nos interessa é falso, isto é, não é um fato mas uma fantasia e um ajuntamento de uma escassa soma de observações; ele é fluido, como coisa que devém, como uma falsidade que continuamente se desvia, que não se aproxima nunca da verdade, porque não há ´verdade´ alguma .


A vontade de potencia, em vez de significar a reedição de um novo “verdadeiro mundo”, na v elha linhagem platônica, como pensavam todos aqueles que queriam, a todo custo, reinscrever Nietzsche na história da metafísica, é antes de tudo a reafirmação de que não há verdade alguma. Aquilo que os filósofos chamam, com muita pompa, de “verdades sobre o ser”, são apenas episódios, muito transitórios, no movimento geral da perpétua superação de si.


(**RIO DE JANEIRO**, 02 DE AGOSTO DE 2017)


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