#AFORISMO 119/O HOMEM É O MELHOR CAVALO ALADO# - GRAÇA FONTIS: ESCULTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


Vós, os cansados do mundo. Vós, os preguiçosos da terra. Cumpre acariciar-vos com açoites, e cumpre, a chibatadas, devolver energia a vossas pernas.


Solidário, compassivo com as vossas justificativas, explicações, desculpas de que a carroça do mundo ou perdeu o freio ou não há jegue que a conduza, nele tudo se perde ou muda de nome, de ideologia, de partido, sonhos são asnices, utopias são despautérios, projectos são cegueiras da visão, a justiça escafedeu-se, o bem se perdeu nos interstícios dos dogmas e preceitos religiosos e/ou científicos, quanto mais se anda mais não se chega a lugar algum. Se não quereis esticar as canelas, se não quereis correr expeditos, então deveis sumir-vos de uma vez por todas. Mister mais coragem para pôr termo à vida do que para dar começo a um novo verso: médicos e poetas são cônscios.


Não vos esqueceis jamais de que quem fica cansado se tornará passivo, ao sabor de todas as ondas, de todos os ventos, de todas as tempestades, de todas as intempéries. Isto é peculiar aos fracos: perdem-se nos caminhos. Seria que desejais embarcar-vos no barco da morte? Podeis responder-me com toda a empáfia: "Embarcamos em diversos barcos furados. Afundaram-se todos, e mesmo nadando não fomos capazes de chegar à praia. Perdemo-nos no mar." Barco da morte... barco furado... todos são iguais. Bem, se não sois pobres-diabos enfermos ou zés-manés, sois gatos lascivos.


O querer liberta, pois querer é criar, re-criar, inventar. Somente a criar deveis aprender, mas, antes, deveis aprender a des-aprender o que foi aprendido: cansar após árduas labutas, a nada fazer, pois que nenhum feito muda as coisas. Aquilo mesmo de, não querendo entrar em contra-dicção, a sabedoria ser o silêncio pleno e absoluto, a boca fechada, a língua inerte.


A vida, ó cansados do mundo, ó preguiçosos da terra, é uma nascente de volúpias e prazeres, mas, para aqueles em quem fala o estômago com úlcera, gastrite, estragado, o pai de todas as aflições e agonias, todas as fontes estão envenenadas. Acaso já houvestes pensado, refletido, meditado que o estômago estragado é vosso espírito: esse aconselha a morte.


Oh, bem-aventurado tempo longínquo em que um homem dizia a si mesmo: "Se morrer é descansar, prefiro viver cansado", um povo dizia a si próprio: "Quero ser senhor - sobre outros povos". Não é mais tempo de reis; o que hoje é chamado de povo não merece rei. Onde doutrinas, leis a ferro e fogo soam diferentes, há, por lá, falta do que é plausível, concebível, melhor.


A vida há de ser difícil; cansaço e preguiça não são vida, pois que são demasiado fáceis. O homem é o melhor cavalo alado: galopa na terra, voa nos ares.


Sou varado pela noite, pela madrugada, atravesso os lagos frios, os córregos lamaçados e lamacentos, absorvo epopéia, absorvo verbos e carne, bebo tudo, desfaço tudo, tudo jogo fora, torno a criar, a esquecer-me; durmo agora, recomeço anteontem, reinicializo ontem.


(**RIO DE JANEIRO**, 24 DE AGOSTO DE 2017)


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