#AFORISMO 74/DILECÇÃO E ELOQUÊNCIA NO HADES DA LIBERDADE# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


"Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias Póstumas" (Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas)


Epígrafe:


"Aquando na subconsciência o iminente e avassalador acasalamento das palavras sobrepuja sonoplasticamente com irreverência toda a textualização" (Graça Fontis)


Redijo rastos de mim
Rastos de lembranças, re-cord-ações,
Rastos de perdas, mágoas, ressentimentos,
Redimensiono traços e marcas
Traços e marcas de decepções, frustrações
Na biografia de minhas reminiscências,
Originando linhas de impressionabilidade,
Surpresas, espantos, mesmo ad-mirações,
Sublimidade,
Almejando na memoração assinalar
O inenarrável con-templar,
O indescritível vislumbrar,
O indizível des-lumbrar,
Feitos de quimera,
De prenunciadoras reflexões e paixões,
A-nunciadores ideais, questionamentos,
Nas fendas primitivas
Das espacejas frescas
Que sobrepujam o Eterno alabastrino
Das sensações resplandecentes
De dilecção e eloquências da subsistência.


Além dos limites, fronteiras da con-tingência, abertos horizontes e uni-versos da trans-cendência, palavras fornicam-se livres, busca in-expressível e in-inteligível de dizerem o que lhes habita a carne do desejo dos sign-ificantes, metáforas, sentidos, o sangue das vontades, aspirações, sangue efervescente, assim re-velando a libido vernácula do verbo.


Antes fora o vernáculo "fornicar": espremi os miolos para me lembrar dele, angustiei-me, desesperei-me, não me fora possível a lembrança naquele instante-limite de necessidade. Aquando urge o encontro de algo, não se lhe encontra. Esquecendo ou esperando o instante de aparição, surge em momento inusitado. Preencheu alguns recônditos da alma, vazios da mente.


Veio-me à mente "fenecar", utilizando-me dele, embora duvidando, não era o de que precisava, serviu-me de algum modo. Consultei no dicionário, não existe tal termo - por que não um neologismo? Mas com que sentido? Não imaginava. Só mais tarde, nem pensando nisso mais, surgiu-me. Existiu um outro naquele mesmo momento, larguei-o de lado, surgiria noutra ocasião. Nada. Esqueceu-me por completo, necessidade efêmera, instantânea. Encontra-se enclausurado no limite da contingência, travessia para a trans-cendência, ardendo de desejo de fornicar, mas não encontra a companheira, o objeto do tesão que lhe realizará o desejo do prazer, do gozo, do clímax. Quem sabe se me lembrar dela, liberte-a, e saindo do limite da contingência encontre a companheira, fornique com mais tesão ainda?! Quem sabe sabendo estar enclausurada, faça-me lembrar dela, assim realizando as suas volúpias do prazer? Nada disso acontece. Quiçá pudesse, graças ao dom de teoricamente acreditar de modo muito firme nos milagres, milagre do restabelecimento do lapso de memória, do estado de alma triste, macambúzio, melancólico, realizá-los e, dessa maneira, assaltar o céu, aí está o que ultrapassa em muito os limites da razão para que se possa considerar por muito tempo uma ideia tão ab-surda. Ab-surdo é o único termo que se me a-presenta para definir isto, quiça por estar a sentir-me sorumbático, de início a consciência de algo interfere nos sentimentos, não tem mais quaisquer serventias, o instante-limite de outro tempo.


O termo "fornicar", cujo sentido é a relação íntima, usa-se para o inferno, fornica-se lá onde o tesão das penadas almas não lhe reside qualquer censura, o clímax transcende o divino e o eterno, e perpétuo. "Vá fornicar no inferno" tem o sentido de gozar o prazer da alma penada, na terra-mãe era realizar os instintos, no inferno, o clímax das chamas eternas.


Forniquei palavras, joguei-as nas imundícies contingentes do inferno, no safo dos caldeirões had-jacentes ao perpétuo, mergulhei-as nas chamas ardentes além das metafísicas carnívoras da ausência e manque-d´être, das falhas, faltas das forclusions dos pecados inominais do verbo, à busca de expressar o sentimento, emoção que sentem, quando os caminhos que só elas sabem, conhecem, não se re-velam somente no inter-dito, com ironia, sarcasmo, cinismo sui generis, re-velam-se na fornicação aberta e livre no hades da liberdade, quando os instintos da carne se decompuseram no silêncio do sepulcro, re-nasceram na pena das almas hereges, das almas condenadas a postumarem, epitafiarem: "Nas had-jacências do perpétuo, habita o clímax ab-soluto do litteris, ipsiando as ipseidades dos ócios após o sêmen ejaculado livre e espontâneo às cinco pontas das estrelas...", epígrafe que somente Brás Cubas entende após as suas memórias póstumas, tendo os vermes comido seus restos mortais e contingentes, descansando em paz na harmonia sin-tônica, sin-crética e sin-crônica do que trans-cende as imanências do Hades. Quem sabe a suprassunção, o suprassumir as quatro paredes do inferno sejam realizados com a postumidade linguística, semântica das metáforas verbais do verbo carne, estar-no-mundo, fornicando no que foi perdido após o grande evento do verbo-espírito re-criar-se carne-verbo dos desejos, esperanças, sonhos, deixando às palavras, vernáculos o livre-arbítrio de mudar o destino de a vida serem dores, na morte é que a felicidade, além do perpétuo, eterno, perenize-se, plen-ifique-se.


Desde a eternidade à eternidade, as palavras a-nunciadas e re-veladas, no espírito por inter-médio dos verbos-sonhos, vers-ificadas, vers-ejantes, vers-entendidas no limiar, soleira, solstícios, tornadas vividas, vivenciadas, até mesmo experimentadas, o ipsis re-cria-se litteris, o inter-dito refaz-se dito, morte e vida não mais existem, jamais existiram à luz da terra-mãe, carne e ossos às sara-palhas da esperança do para-ser na continuidade do haver-sendo, liberdade, ainda que tardia, autenticidade além de todos obstáculos, censuras, verdade além de todos os juízos, o ser nas trilhas, sendas e veredas do sublime e simples.


(**RIO DE JANEIRO**, 01 DE AGOSTO DE 2017)


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