#AFORISMO 128/ESTÁ CHOVENDO NO MUNDO# - GRAÇA FONTIS: ESCULTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


Busco na solidão
Com que me deparo nesta manhã
De após chuva noite inteira,
Clima frio,
ventinho suave e sereno,
tempo nublado, ensimesmado
no silêncio que se me a-nunciou,
na solidão que se me patenteou,
Desde que abri os olhos, bocejei
Perscrutei através da vidraça,
Persianas semi-abertas,
Sentimentos distantes, quase esvaecidos
Emoções à soleira da eternidade,
Pensamentos e idéias perdidos
Em não sei que sendas,
que pontes,
que pinguelas,
que grutas e cavernas
que bosques e serras
- Quando se me anuncia a dúvida metódica:
se é para verbalizá-lo ou se é para conhecer-lhe a presença
re-colhê-la, a-colhê-la, afagá-la -
Intuições e percepções em estado de expectativa,
Em estado de ansiedade, em que estado de medo,
Alma e espírito dispersos na imensidão
Dos infinitos horizontes do mundo,
Tão perto que posso senti-los vivos e presentes,
Posso senti-los pujantes,
Posso sentir-lhes os êxtases e volúpias,
Posso sentir-lhes introspectivos e circunspectos,
Vagam nas linhas curvas de letras e frases curtas
De sentidos profundos e abissais,
De ritmos e melodias efêmeros,
De acordes e musicalidades transitórias,
Que não tenho qualquer pejo ou medo de mostrar,
Id-“ent”-ificar, a-nunciar e re-velar,
E mesmo que houvesse relutâncias
Não saberia como evitar a presença
– como existir pejo ou medo em incertas palavras,
Inquietas letras, irresolutos sons,
Se antes não existissem em mim,
Se antes não fossem re-presentações,
Se antes não fossem apenas metafísicas prosaicas do verbo,
Linguísticas de regências preliminares,
Semânticas de inspecções racionais,
Semiologias de in-vestig-ações intelectuais
Do que em mim habita profundamente,
Do que em mim excede,
Não fossem símbolos de desejos e vontades,
Não fossem signos de esperanças e fé,
Não fossem metáforas dos sonhos e querências,
Não fossem estilo e linguagem do outro atrás do meu eu?
Isto é perfeitamente impossível,
Isto é totalmente irrealizável.


O peito procura abrigo
Com o coração dilacerado
Quiçá de angústias pretéritas armazenadas
Nos cofres inóspitos da inconsciência,
Quiçá de náuseas antigas acumuladas,
Num só pulsar que troveja e me transpassa os nervos.


Do supremo repouso a hora nefasta soou,
Os sinos de todos os domos
De igrejas simples e humildes redobraram, repicaram,
A treva impenetrável, densa, cresce em torno;
E enche a noite da descrença, da desesperança,
Do ceticismo a amplidão do deserto adusta e vasta.


Saboreando o prazer de ser frágil,
Entrevia em mim,
Deslumbrava a inconsciência das místicas inspirações,
entre as ilusões de meu espírito,
Em estado de pureza, à flor da terra,
Em estado de sublimidade, à flor do mundo,
Confundindo-me com o céu, onde esperava ir ter.
Era para avivar a fé, fazer vir a crença.


Mas deleite algum descia do céu,
E eu me erguia, os membros fatigados,
Com o sentimento vago de um imenso logro.
O perfume do campo e dos bosques
Envolvia-me, impregnando-me hálito e coração...


Há neblina lá fora, além da janela, da janela aberta,
O grande símbolo do espírito pleno,
O grande signo do verbo da alma.


Sinto-me tão dentro do mundo
Que me parece não estar pensando,
Re-fletindo, meditando,
Mas usando de nova modalidade de respirar.
Isso é o mundo, eu sou eu,
Quem ou o que seria por mim?,
Está chovendo no mundo.


Quando abri a cortina e semicerrei a janela, o vento frio tocou-me o pálido rosto, respirei amor, respirei carinho, respirei ternura, respirei o sublime carinho e a eterna amizade, suspirei de prazer e alegria, suspirei de tantas volúpias que me habitaram o íntimo, as pré-fundas de meu ser, os hiatos de meus pensamentos e ideias, o abismático não-ser de mim, criei poesia a des-vendar o céu, as estrelas, o espaço sideral, a des-velar as meiguices insolentes do inferno, a percorrer as florestas silvestres, a sobrevoar os abismos, procurando intensamente a loucura de trazer a sublimidade para junto de mim, a inconsciência de entrelaçar, sin-cronica e harmoniosamente, a leveza e a humanidade do ser. Senti-me feliz, e a tristeza é que ficou no esquecimento dentro da obscuridade, derretendo-se em chuvas, esvaindo-se em gotículas d´água, caindo pelas estradas, sendo levada pela enxurrada, e esquecendo-se de mim, que não lhe dei qualquer guarida, seria que em verdade ou desconhecesse-lhe ou fosse-lhe indiferente, não compreendi os seus valores naquele instante.


Quê inquietação profunda, que desejo de outras realidades, outros sonhos dentro de outros sonhos, de outros versos e uni-versos, de outras coisas, de outros modos de estados de alma, de outros estilos e sensibilidade!


(**RIO DE JANEIRO**, 27 DE AGOSTO DE 2017)


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