#AFORISMO 118/SEGURANDO UMA BALANÇA E PESANDO O MUNDO# - GRAÇA FONTIS: ESCULTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


No mundo há muita lama. Na orla marítima, também reduto do mundo, impera a areia, mas a sujeira ultrapassou todos os limites. Poder-se-ia ser um lugar por onde caminhar sem brear os sapatos, mas se tem de andar chutando os lixos.


Aquele que, entre os homens, quisesse livrar-se da lama e dos lixos, deveria ir para fora do mundo, mas lá tudo se esfrangalha em palavras. Aquilo que, ainda ontem, era rijo demais para o próprio tempo e seus dentes saudáveis - pende, hoje, sugado e esmigalhado, da boca dos homens de hoje. No mundo, lama, fora do mundo, tudo se esfrangalha em palavras. Sem alternativa. Esquecer e passar além é, para fora do mundo, a melhor sabedoria. Mas quem quer ficar quieto no ninho, chocando ovos? Disseram que na oralidade as palavras carecem de tornar-se atitudes, na Literatura e na Poesia são eternas. Onde: no mundo ou fora do mundo?


Com silenciadas verdades, solitárias convicções, mão de desvairado e coração enlouquecido, querem alguns por ser inquieto, rico em pequenas mentiras de compaixão - assim sempre vivi entre os homens. Mas agora que a lama e os lixos do mundo se revelaram plenos na minha consciência, vejo que não se lhes pode revolver. De por baixo dos velhos entulhos, jazem mefíticas exalações, de por baixo da lama, vivem os vermes. O que para mim, antes dessa consciência, era espírito suficiente, e o que para mim, hoje, depois dela, é espírito demais, titilada por brisas agrestes como por espumantes vinhos, espirra a minha alma e a si mesma deseja e diz a plenos pulmões: saúde!


Contudo, pronto estou para desconhecer-me a fim de desconhecer a lama do mundo, os lixos das orlas marítimas, e dizendo complacente a mim próprio: "Ó desmiolado, não conhece a realidade das coisas, dos homens." Aquele que vive entre os bons, a compaixão ensina-lhe a mentir. Aquele que vive entre os maus, o medo ensina-lhe a silenciar-se. Menti e silenciei-me, mas os meus olhos aprenderam a buscar os longes. No último sonho desta manhã, achava-me eu num promontório, ar abafado - além do mundo, segurando uma balança e pesando o mundo. Olho de soslaio para este sonho, soslaio de quem sabe ser alma livre, perguntando-me, indagando-me, questionando-me onde encontrei paciência e vagar para pesar o mundo. Há segredos oníricos que os mundos in-finitos escarnecem.


Por que sofrer pela lama do mundo? Por que penar pelos lixos das orlas marítimas? Patético, fico entre as coisas e as palavras. Penso na doçura das palavras. Penso na dureza das coisas. Penso no mundo das coisas e das palavras. Quê foucault me comunicam, não na superfície branca, mas nas manchas da vida!


Pés no barro... Pés na lama... Pés nos entulhos... Pés n´água... Pés que trilham muitos, alguns se tergi-versam, mas tudo é caminho.


(**RIO DE JANEIRO**, 24 DE AGOSTO DE 2017)


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