#AFORISMO 116/O QUE É ISTO - SEM INSPIRAÇÃO?# - GRAÇA FONTIS: ESCULTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


Não importa a dimensão contingencial de um momento; importa sim o que se é possível realizar com ela. Momento assim revolucionou as ciências, as artes; momento assim deu origem a obras-primas na Literatura, na Poesia; momento assim espiritualizou alguns homens. Assim, esse momento, qual seja, de medo, angústia, tristeza, depressão, desconsolo, solidão, é necessário, faz a diferença, são pedras de toque do novo, da re-novação, da in-ovação. Todos os homens vivemos à busca da felicidade, entregamo-nos plenos e inteiros a este desejo, vontade, e a felicidade não concebe fruto algum, não dá origem à revolução nas ciências, nas artes, obras primas não vem à luz... Viver as contingências é a luz, é o arco-íris, são os raios numinosos do sol.


Quão difíceis são estes estados de alma, medo, angústia, tristeza, depressão, desconsolo, solidão. Há quem não consiga conviver com eles, suportá-los, aproveitá-los como húmus de outros tempos, entregam-se, sucumbem.
E todos estamos sujeitos a este momento contingencial. Jamais pensara fosse acontecer comigo, nó górdio na garganta, o coração pulsando descompassado, o olhar perdido na distância, irritação, nervosismo.


Mais do que acostumado com a inspiração presente sempre, até a iluminação pres-ent-ificada, criando, criando, criando, compulsivamente, por vezes acordando com textos ou poemas na cabeça por serem realizados... Vem o momento inesperado de nada estar produzindo, criando. Antes, se projetava algo a ser escrito, não era possível única letra, era sentar e escrever, improvisadamente. E, neste momento, para amenizar as dores e sofrências, experimentando projetar algum poema ou texto, mas o que surge de idéia, de inspiração é acompanhado: "Não vou dar conta do recado. Prefiro a pena sob a mesa do que porcaria numa ou algumas páginas".


Talvez o momento tenha origem: não estar satisfeito com as criações, desejando outros voos, outras luzes - mas nenhum indício de re-novação se revela, o resultado sendo "empacar", e no lugar do que não agradava, não satisfazia, dava náusea, a presença de um vazio sem limites e fronteiras. Outras explicações, outras razões para não estar produzindo coisa alguma. Num momento assim nada adianta ficar escarafunchando as coisas à busca de motivos, razões. Não se lhes encontra, o criar torna-se ainda mais complicado. Notoriamente situação de Sísifo: jamais resposta será encontrada, a fertilidade da imaginação criando coisas. Só uma solução: deixar as pedras rolarem montanha a baixo. Nalgum instante o retorno à produção, à criação, e até de modo diferente, satisfazendo e felicitando mais. Aquelas razões desejadas para superar o momento não importam mais, não possuem mais qualquer validades. Infantilidade procurar razões para as coisas que acontecem, no movimento das contingências é que são superadas suprassumidas.


Sentei-me à mesinha de trabalho determinado a escrever, mesmo que tivesse de queimar todos os neurônios, espremer os miolos, arrancar tufos de cabelos na calvície, mas um texto escrito. Engraçado, muito engraçado: não parei um segundo para pensar, refletir, meditar, à mercê do fluxo de idéias, pensamentos, sentimentos e emoções.


Agora pouco me importa se este texto seja renovação, inovação, aprofunda as minhas coisinhas, é novo tempo que começa, é obra-prima, está revolucionando tudo o que antes fora escrito. Isto é ninharia para mim.
O importante é que o texto está escrito.


(**RIO DE JANEIRO**, 22 DE AGOSTO DE 2017)


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