#SENÁCULO DE PANGARÉS - II TOMO #UTOPIA DO ASNO NO SERTÃO MINEIRO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: ROMANCE



CAPÍTULO XIII - CENÁCULO DE NÓS GÓRDIOS E PRIMAVERAS - PARTE III


De acordo com as informações recebidas através de minha esposa, o acontecido fora durante o dia, pois não se lembrava de haver eu dito algo enquanto dormia, o que é muito comum. Aliás, ela tem o costume de dizer que penso tanto que só escrever já não me satisfaz, algo fica por ser escrito, a cabeça permanece cheia ainda.
Lembra-me de haver pronunciado por três vezes, durante o sono, estas palavras: “Vá onde não fui e acabarás não tendo ido”. Uma frase muitíssimo enigmática, inclusive suscitando um mergulho muito profundo na inconsciência. Um enigma. Onde é que desejei ir e não fui? O que desejei conhecer e não conheci? De que estaria a conscientizar-me de sua não realização? A quem estaria eu dizendo para ir onde não fui e acabaria não tendo ido? No sonho à pessoa que atravessaria o abismo, segurando com mãos e pés? Mas quem é essa pessoa em minha realidade, sou esta pessoa, preciso atravessar no cabo de aço dos preconceitos, invejas, ciúmes, discriminações de toda espécie, não compreendido senão por um senáculo de pangarés.


Atravesso-o sim com o maior prazer, mas com certeza se olharem para trás para saberem a extensão do que já andara não saberão e a dúvida sendo tão atroz que cairia para sempre no abismo. Para esta pergunta há uma resposta: não me lembro de haver dito a alguém no sonho. Para as outras há uma resposta na qual me inspiro: com as primaveras chegando, enfim estou com quarenta e seis anos, estou a conscientizar-me de muitas coisas, estou adquirindo mais senso das situações e circunstâncias de minha vida.


Acordando por volta das duas horas da tarde, enquanto almoçava comentei com a minha esposa sobre a frase que dissera enquanto dormia, tendo-a memorizado. Discutimos a respeito. Em princípio, fora eu a interpretar tomando em consideração os tempos de verbo existentes nela. Contudo, a esposa fora ainda mais profunda, dizendo que se relacionava com o conhecimento. Este nunca se esgota. No seu entender significava que no meu conhecimento ainda não cheguei ao lugar aonde desejo ir, não alcancei o objetivo que pretendo, devendo ainda continuar a desenvolver o meu conhecimento, continuamente, as minhas estratégias e subterfúgios às vezes escusos e espúrios, para continuar equilibrando-me no cabo de aço atravessando o abismo de um abismo para outro, com um detalhe não mais tendo qualquer noção de onde partira, os extremos se unem e tudo é passar a vida atravessando um vazio sem limite de extensão. Por mais que o desenvolva, vá realizando os meus sonhos, a sede de conhecimento, terei muito a conhecer. O conhecimento nunca se esgota. Tal interpretação se refere à primeira parte: “Vá onde não fui...”
“... e acabarás não tendo ido”, constituindo o final da frase, significava para ela que se alguém decidisse começar a desenvolver o seu conhecimento a partir de onde eu terminei, conhecendo muito mais que eu, enfim, tenho os meus limites, ainda assim não chegará a esgotá-lo, ainda haverá muito a ser conhecido, a ser descoberto. Se este alguém decidir ir onde não fui, acabará não tendo ido, aquando se dignar a pensar e refletir acerca de seu conhecimento, apesar de que terá conhecido muito mais que eu.


Procuro acenar para a gênese de qualquer processo de transformação. Não conheço quaisquer homens que tenham algum dia desejado ser pangaré por um dia apenas, não compreendo quando encontro um humano que não só deseja, vive, vivencia isto a todo momento, são verdadeiros pangarés quando agem, falam e fazem gestos despropositados. Seja transformação pessoal ou coletiva. É necessário, portanto, não tomar estes discursos como sendo o fornecimento de nossos dados ou informações acerca do que nós já sabemos sobre a capacidade da oração de fazê-lo. O fundamental é dirigir-se a ela com a disposição pobre de quem não sabe o que é rezar e que deseja extrair a originalidade da espiritualidade cristã da sua fonte: a encarnação de Cristo.
Uma interpretação muito feliz feita por ela. Decidi até escrever um outro artigo, intitulado “Miríades de Partículas de Sol”, tomando em consideração o sentido figurado do termo “Miríade”, “Quantidade indeterminada, porém grandíssima”, as muitas experiências que venho adquirindo na minha vida, experiências muito profundas e importantes para realizar os muitos sonhos que habitam a vida. As “partículas de sol” significando as pequenas informações que me iluminam.


Encontrar-se é o mesmo que conhecer-se. Apesar de que tenha consciência da dimensão de meu pensamento, e que para me fazer entendido por vós vou ter que trabalhar muito com a ambigüidade das palavras neste nosso encontro, para que os verdadeiros ideais e pensamentos sejam revelados com toda a arte e engenhosidade, com os arrebiques de última hora para enfatizar um pouco mais o que estou desejando, e explicá-lo seria essencial para a compreensão dos relinchos mais primorosos, já que não recebêreis de Deus de modo gratuito e simples o dom do riso à sorrelfa de idílios compactos. Na medida em que nos encontramos a nós mesmos, desvelamos a própria natureza diante de Deus e pode ver desvelar-se repentinamente a natureza de Deus como aquele que vos ama e sustenta, conforme nos testemunham inclusive as Sagradas Escrituras.


Desde modo, no fenômeno do encontro está em jogo o auconhecimento. O autoconhecimento é, ao mesmo tempo, possibilidade de realização do ser pessoal. Isto é importante e significativo, principalmente para uma época em que as pessoas primam pela sua realização. Aconteceu não me lembra em que cidade um homem haver entrado na igreja montado em seu cavalo, a ferradura ficou presa no assoalho da igreja, o homem impossibilidade de descer, mas aí há de se considerar a heresia, coisa que Deus jamais admitiu em sua Casa. Vós não ireis ficar com a ferradura presa por entrardes na casa de Deus e fazerem suas orações, os humanos nada podendo dizer, pois a Casa de Deus é de todas as criaturas.


Creio que assim aprendera a fazer com as letras, quando ficava olhando o padre celebrando a missa, e minha imaginação fértil criando as situações mais absurdas, envolvendo os jegues, pangarés, mulas, asnos, e todos as qualidades da espécie. Nas letras, precisamos estar dispostos e nos assumir do jeito que somos diante de Deus, do silêncio das almas brancas de papel, tenho a chance de ser acolhido por mim mesmo e, assim, também ser amado e transformado por ele. Para tanto, nas letras, preciso estar disposto e nos assumir do jeito que somos diante de Deus. Trata-se de uma árdua e exigente tarefa. É por isso que, para o autor, a “oração não deve ser piedosa e sim verdadeira”, pois, ao escrever, estou diante de alguém que sabe tudo acerca de mim, as letras têm dimensões bíblicas, as Palavras de Deus, os escritores dizem que as Palavras de Deus necessitam ser apresentadas em nível da literatura, da filosofia, das artes, o homem moderno, e também vós os modernos pangarés de todas as épocas e tempos da humanidade desde a pedra lascada, passando pela polida, até os nossos dias atuais.


Escrever estes discursos para vos apresentar durante mês e meio, quatro encontro por semana a modo de encontro acarreta uma certa exigência: deixe estar, não haverá qualquer tristeza, mágoa, decepção, medo, a vida nos oferece as artes e os espíritos profundos que certamente transformam os homens: devo colocar-me diante das letras como quem não sabe o que é isto escrever. Este não-saber significa, antes de mais nada, uma atitude de abertura e de disposição para o exercício e o aprendizado da oração. Não consiste numa mudança de gestos exteriores, mas é um contínuo voltar-se para si mesmo. Ao voltar-vos para vós mesmos, deparar-vos-eis com vossas pressuposições.
Manoel Ferreira Neto
(JUNHO DE 2005)


(#RIODEJANEIRO#, 06 DE SETEMBRO DE 2018)


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