#SENÁCULO DE PANGARÉS - II TOMO #UTOPIA DO ASNO NO SERTÃO MINEIRO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: ROMANCE



CAPÍTULO XIII - CENÁCULO DE NÓS GÓRDIOS E PRIMAVERAS - PARTE IV


Escrito, saíra para comprar cigarros e no caminho pensara muito sobre o fato de que sou homem muito calado, nunca dizendo acerca de mim próprio, de minhas situações e circunstâncias; um medo sem limites de não ser bem interpretado, de não ser compreendido, e, alias, o que digo é sempre motivo de muitas polêmicas, embora não me cale sobre o que penso. Aliás, é isto um dos motivos fundamentais porque me tornei um escritor. Escrevo o que bem entender, um escrito tem um sem-número de interpretações.


Retornando, deitei-me. Conversei um pouco com a minha esposa sobre assuntos triviais, mas as palavras ditas durante o sono permaneciam muito fortes em minha mente, suscitando que deveria eu explorá-las em outro artigo, até explicando como surgira o título.


Pergunto-me qual é a interpretação que daria às palavras ditas durante o sono que significam um lugar onde não fui e acabarei não tendo ido. Não existem respostas. Posso escrever inúmeros artigos sobre elas e não chegarei a interpreta-las por inteiro.


E, terminando, antes de descer para o escritório, comentei com a esposa que um sonho, por mais bem interpretado que seja, interpretação esta que se aproxima bem da realidade, haverá muitas outras interpretações no decorrer do tempo. E cada uma revela outras realidades.
O que dizer, de início, a respeito do sonho tido esta noite, não tenho a menor noção. Não sei dizer mesmo se se poderia considerar um sonho, tendo em vista as características tradicionais de um. Diria que foram palavras ditas durante o sono, o que, aliás, acontece quase que com freqüência, mas destituídas de uma profundidade, sem qualquer senso ou sentido.


Às vezes, a esposa costuma fazer-me perguntas sobre o sentido das palavras ditas, mas, diz-me ela, não respondo, se emito algo, não tem sentido algum, tudo em vão. Disse-lhe inúmeras vezes que não adianta perguntar coisa alguma, não há respostas. Apesar de ter aconselhado a nada indagar, continua ela a perguntar, esperando que aconteça uma única vez receber a resposta que espera. Aproveitando esta oportunidade, diz-me que eu jamais poderia ter um caso, confessaria enquanto durmo, o que para ela é algo muito agradável, sente-se segura.


Acordando, enquanto almoçava – sendo hoje domingo, acordei às duas horas da tarde, isto porque foi até ao quarto, a fim de saber se estava a sentir-me bem, pois não é normal dormir tanto, fora dormir por volta das onze horas da noite -, contei-lhe as palavras que surgiram durante o sono, uma espécie de sonho, assim preferi denominar, mas não se lembrou de as haver ouvido, com efeito, dissera durante o dia, quando já havia levantado, fê-lo por volta das oito e meia da manhã.


Quis de imediato saber se as disse a alguém, se me lembrava de ter estado conversando com alguém. Podia até ser que estivesse, que conversasse com alguém, e nesta conversa emiti tais palavras, mas não me lembrava. Há sempre em sonhos muita coisa que já no estado de vigília não nos lembramos. Contudo, não cria que estivesse conversando com alguém. Interessante era ressaltar que tais palavras foram repetidas três vezes: acreditava que quisesse memorizá-las. Fazia-se necessário, fazia-se mister, fazia-se conveniente que as memorizasse para que assim pudesse escrever um artigo. Em termos de lhe estar dizendo que se fazia necessário, se fazia mister, se fazia conveniente, não queria dizer que me servia das três repetições de tais palavras, criando estes três estilos, assim o chamo, desvencilhando da gramática que tem uma definição para estas construções, que, no momento, havia esquecido, mas desejava enfatizar bem a necessidade de as memorizar. Isto porque eu estava crendo que começo a criar frases soltas nos sonhos para escrever os artigos. Aliás, isto não é novidade. Quanta vez ouvi de pessoas de minhas relações, aquando descrevi alguns sonhos, que eram eles perfeitamente sonhos literários. Alguns até chegaram a aconselhar que eu tivesse um caderno para anotar estes sonhos para criações futuras, seriam eles de grande profundidade, se soubesse explorar.
Haveria, continuou minha esposa a indagar, algum lugar onde sonhasse ir ou ter ido para dizer no sono “Vá onde não fui que você acabará não tendo ido”. Não me lembrava, como agora ainda não me lembro, de onde amaria ter ido, sonhasse ter ido, e ainda não fui, continuando o desejo de ir, sendo até interessante esta sua pergunta, pois nos sonhos revelamos desejos não realizados. Não me lembro de qualquer lugar.


Com esta indagação dela, surgiu-me que nesta frase há três tempos verbais. Sem dúvida, penso que a condição sine qua non para se escrever é conhecer a língua. Tendo o Dicionário de Aurélio Buarque de Hollanda em meu computador, faz pouco tempo que venho desenvolvendo continuamente a experiência de consultar o sentido das palavras, e isto, sem dúvida, venho desenvolvendo com muito amor, carinho, o que me tem proporcionado um crescimento sobremodo importante. Os três tempos de verbo existentes nesta frase são: imperativo do verbo “Ir”,pretérito perfeito do verbo “Ser”... Esqueceu-me no momento se se chama “locução verbal” “ter ido”, mas iria consultar. Precisaria faze-lo. Era um modo de analisar as palavras ditas no sonho. Se “ter ido” é mesmo “locução verbal”, na frase esta locução verbal está no Gerúndio.
Olhava-me a esposa com muita atenção, enquanto desenvolvia o ponto de vista dos três tempos verbais, dizendo até que o tempo não sabido por mim era o gerúndio da Locução Verbal “Ter ido”.


O que lhe parecia mais nítido se relacionava à questão do conhecimento. “Vá onde não fui” no seu entender significava que no meu conhecimento ainda não cheguei ao lugar onde desejo ir, não alcancei o objetivo que pretendo, devendo ainda continuar a desenvolver o meu conhecimento, continuamente. Por mais que o desenvolva, vá realizando os meus sonhos, a minha sede de conhecimento, terei muito a conhecer. O conhecimento nunca se esgota.
“Que você acabará não tendo ido”, constituindo o final da frase, significava para ela que se alguém decidisse começar a desenvolver o seu conhecimento a partir de onde eu terminei, conhecendo muito mais que eu, enfim, tenho os meus limites, ainda assim não chegará a esgota-lo, ainda haverá muito a ser conhecido, a ser descoberto. Se este alguém decidir ir onde não fui, acabará não tendo ido, aquando se dignar a pensar e refletir acerca de seu conhecimento, apesar de que terá conhecido muito mais que eu.


Achei muito interessante a sua análise, vista sob o ponto do conhecimento, o que sem dúvida fundamentava e muito tais palavras. Incentivada por estas palavras, decidiu continuar a sua interpretação do sonho. Em verdade, o desejo que se manifesta nele é de continuar a desenvolver este conhecimento, de me ir aprofundando mais e mais a vida, e com este conhecimento realizar coisas que ainda não tive oportunidade de faze-lo. Dito isto simplesmente porque há coisas que só agora estou realizando, só agora estou fazendo pela primeira vez. Crê ela que não aproveitei muito de meus conhecimentos, de minha vida, enfim fora ela muito atribulada, com muitos sofrimentos. Sinto-me seguro agora, o que não o fizera antes, e por isto estou pensando seriamente em desenvolver o meu conhecimento.
Manoel Ferreira Neto
(JUNHO DE 2005)


(#RIODEJANEIRO#, 06 DE SETEMBRO DE 2018)


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