#SENÁCULO DE PANGARÉS - II TOMO #UTOPIA DO ASNO NO SERTÃO MINEIRO#- GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: ROMANCE



CAPÍTULO XIII - CENÁCULO DE NÓS GÓRDIOS E PRIMAVERAS - PARTE VI


Quase que por completo e absoluto posso dizer que são as águas o que sacia as tristezas e desconsolações que em mim trago dentro, de mergulhar profundamente nelas, ser elas, e seguir o rio sem margens, sem pressa... Tamanha poesia que as águas se me deixam deslizar na alma, um êxtase de quem está acordando, as janelas abertas, a luz da manhã iluminando o dia que será igual a todos os outros por serem o caminho a ser seguido e respeitado por todo o sempre, desde toda a eternidade até à imortalidade, invertendo e inver-sando as palavras, para que mostrem o que sinto nos liames e interstícios deste sonho e desta utopia de as águas serem o que alimenta a sede de toda a humanidade, esta que sonha com a sublimidade, a ressurreição...


Cabe-nos, assim disse Baudelaire, saber traduzir os nossos sonhos. Traduzi os meus e os busco traduzir a cada passo dado, a cada passo dado ao longo do rio de águas límpidas, este sem margens, sem pressa, um cavaleiro do silêncio, desta ópera que continuamente é executada no espírito e na alma, e se é assim que o Ser se faz, e a sua continuidade é também o Ser, faço das águas o húmus do espírito, a mostrar-me a sua tranqüilidade e calma, serena e terna segue o seu rumo ao mar, ao seu destino, a longitude, e os olhares voltados em sua direção buscando inspiração e esperança para felicidades e prazeres anteriores a quaisquer outros...


De ambos os princípios e intuições que penso e sinto, não há como não aceitar e viver que solitariamente vou seguindo estas trilhas, os olhares voltados para o que fui desde sempre vocacionado, se bem que em muitos momentos me esqueço deles, trilho outros lugares, mas não me é dado me afastar das águas, do que em mim sinto muito profundo, e que estas simples palavras são incapazes de traduzir em sons de outrora e de agora, rumo ao futuro que não será nunca construído senão hoje, e é ele que me fortalece, deixa-me os lábios molhados de prazer e de exaltação, um esplendor que só consigo contemplar à luz das águas, de seus espíritos e sua divindade...


Mistérios!... Cânticos!... Não flor, nem fera, ambos misturados, mostrando e identificando um espírito a que nada mais interessa senão a ressurreição dos caminhos de luz nas trevas, estes que trilho com agradecimento e adoração por quem me doara gratuitamente...


Palavras!... Pode ser, e quem sou para negligenciar que são representações de sonhos e utopias? São. Assim aprendi a traduzir o que mais desejo e sonho nos interstícios do espírito... São palavras de um poeta, de um escritor, nesse instante em que sente profundo a presença da contemplação das águas que se reflete na alma, e me faz crer e acreditar que os homens podem ser eles mesmos, podem erguer as mãos para os céus e agradecer a vida que lhes possibilitou a realização do sentido da vida...


Vejo o mundo através de meu “pincerneufs” – nunca sei como registrar esta palavra, mas quem não conhece é só olhar num livro o retrato de Machado de Assis, os seus óculos, são o pincerneufs -, e é este o caminho que persigo, tentando construir a imagem da vida no espírito, não só o seu sentimento, que me transformou as alamedas e becos por onde ando.


Às vezes, imagino alguém lendo os meus escritos e penso neles como quem busca nas entrelinhas captar as mensagens e sentidos que as minhas palavras trazem, mas lhes digo que são águas que seguem o rio de águas límpidas, e para poder degustar o sabor delas é necessário seguir este rio, sem margens, sem pressa...


A noite acaba de se apresentar simples e humilde, as luzes iluminam a cidade, os becos e alamedas, avenidas, os homens se preparam para o descanso, as noitadas, as conquistas, as diversões, a solidão, o desconsolo, a angústia, mas a certeza e a esperança de a manhã novamente se mostrar, revelar-se, e assim caminha os homens à busca de suas realizações, do que realmente se mostra em seus espíritos e almas...


Sigo, de ambos os estilos e modos que se pode imaginar, frágil e esperançoso, presunçoso e fraco, mas residindo no mais fundo da alma, o desejo de traduzir os sonhos com sabedoria e inteligência...


São mistérios e cânticos que vou cantando ao longo deste rio de águas límpidas, de olhar rápido, de pensamentos e idéias profundos...


Deixo o espírito e alma livres, momentos e instantes de sonhos e utopias, e se alguém me mostrar que existem outras realidades mais importantes que essas, assim mesmo continuo a minha trilha...
Manoel Ferreira Neto
(JUNHO DE 2005)


(#RIODEJANEIRO#, 06 DE SETEMBRO DE 2018)


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