#ALDEIA DE LAGRIMAS DOS INSANOS# - III TOMO #UTOPIA DO ASNO NO SERTÃO MINEIRO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: ROMANCE



CAPÍTULO VI - PARTE II


Jornalista importante quis entrevistar-lhe, achara as idéias sobremodo modernas. A reitoria, lendo a entrevista numa revista, requisitou sua presença diante do reitor. Lavou-lhe a alma por estar fazendo propaganda de droga dentro da universidade. Refutaria as idéias, publicando outro artigo. Isso ou a expulsão. Preferiu continuar estudando. Não houve qualquer proibição da edição. Circulou normalmente.
Não consegui descobrir o que quer que seja nos meus olhos, o mínimo sinal de anomalia. Poderia ser que estivesse tendo visões. Um asno visionário? Intelectual, visionário... De qualquer modo que fizesse, fecharia o cerco. Estaria condenado a ser atração de Lágrima dos Insanos.


Saí da beirada do Rio das Pulgas. Caminhava sem rumo. Restava algum tempo para a noite chegar. Acostumado que estava a dormir tarde. Da escada do barraco de Lúcio Ferreira, era possível que ele soubesse as horas, olhando num relógio sobre a tampa do fogão. Dizia sempre: “Lúcifer, durmi...”. Dormia às dez horas da noite. Ainda não me acostumei com a nova vida, podendo dormir a qualquer hora que me desse na veneta, podendo até dormir o dia inteiro.


Passear pelo campo à noite sob a luz das estrelas e da lua que agora é minguante. E as cobras? Perco o sono, mas fico na minha caverna, lembrando de algumas situações e circunstâncias durante a vida de puxador de carroça.


Olhava em volta procurando os consoladores da minha solidão, vendo que eram as vacas, calangos, pássaros nas galhas das árvores, entoando o canto, que, sem dúvida, embelezava a tarde; as vacas pareciam escutar atentamente alguém que conversava não muito distante dali, e pouco ligavam se havia asno solitário, vagando pelo pasto sem quê e nem porquê.


As discussões sobre o “referendo” da não comercialização de armas no país era geral. Até as vacas queriam saber a respeito disto. Viram muitas serem abatidas a tiro. E se uma delas saísse com uma nove-milímetros dando tiros naqueles que mataram as companheiras de raça? Não estavam satisfeitas com a idéia. Imagino Trussovino Garbo entrevistando os cavalos, burros, vacas, cabritos, publicando no seu tablóide sobre a opinião dos quadrúpedes. Às pessoas não valia a pena o esforço: não tinham nem idéia do que acontecia. Enfim, o tiro tem vantagem das mais solenes e pomposas: morre-se de só vez, não se sente a faca entrando até no coração, o sangue jorrando, a tontura, a queda, a morte se aproximando aos poucos. A questão para os homens é que é complicada. Não é permitida a venda de armas no país. Mas os bandidos têm várias, inúmeras, e só armas pesadas. A insegurança vai continuar a mesma. Teriam de desarmar os bandidos. Ademais, tal lei iria beneficiar o tráfico de armas de países vizinhos.


Relincho a história como ouvi Tenório Dunga contar a Ratto Neves, coisa acontecida em sua terra-natal Morro da Garça. Pai e filho saíram para passear num domingo à tarde, chovera pela manhã, estava um clima bastante agradável. O pai só saía armado, mesmo para passear com o filho. Conversavam sobre o aproveitamento de Agostinho Ventosa. Passaram perto de um garoto, colega de Agostinho.


- Venta-de-burro... – as narinas tinham esse aspecto.


Afonso Leôncio Ventosa chamara a criança. Tirou o revólver da cintura. A criança tremia.


- Papai...


- Fica calado... Você ajoelha – disse à criança; assim ela o fez, estava morrendo de medo, tremia inteira – Abaixe a cabeça – a criança obedecera – Reze Ave-Maria e Pai-Nosso.
Agostinho estava morrendo de medo. O pai estava com o revólver apontado para a nuca da criança. Esta se encontrava rezando. Tinha Agostinho vontade de dizer alguma coisa, fugir, correr até mais não poder, mas não ousava fazê-lo, seria pior para ele. Quando a criança terminou de rezar, Afonso Leôncio dera-lhe um tiro na nuca. Agostinho desmaiou.
Aqueles sentimentos estranhos, esquisitos continuaram por tempo sem fim. A voz percorria-me as entranhas, reclamando da vida e das coisas, rogando por lhe revelar os mistérios, estava necessitado. Como iria poder ajudar?


Deitei-me à porta da caverna onde passo as noites, olhando as estrelas e a lua, antes de cair no sono. O coaxar dos sapos perto da lagoa, o canto das corujas, o barulho de inseto qualquer no capim. A não ser os sons próprios da natureza um silêncio sepulcral. Vento agradável, às vezes, passa invisível sobre a superfície do capim, das folhas das árvores, sinto, vez por outra, calafrio no corpo, sensação bastante agradável. Célere e leve como pluma, assim o sono passa por mim. Não me cerram os olhos, conservo os instintos acordados. Chegaria para os instintos, em plena metade da madrugada, a noite de um sétimo dia?
Manoel Ferreira Neto
(OUTUBRO DE 2005)


(#RIODEJANEIRO#, 12 DE SETEMBRO DE 2018)


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