#ALDEIA DE LÁGRIMAS DOS INSANOS - III TOMO #UTOPIA DO ASNO NO SERTÃO MINEIRO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: ROMANCE



CAPÍTULO III - PARTE II


A mãe de Ratto Neves vendia dobradinha pelas ruas de Lágrima dos Insanos de porta em porta. Todos os dias, chovesse ou fizesse sol, estava no matadouro municipal. Limpava em casa. Os dois filhos foram criados com o cheiro de merda dentro de casa o tempo inteiro. Tanto melhor, digamos assim, não cheiraram o infinito até que o infinito cheirasse a eles. Não cheiram a merda. Mas tudo tem conseqüências: Ratto Neves não consegue perceber a merda à distância, torna-se vítima deslavada de todos os acontecimentos que se lhe são referentes. Ingênuo...


Quem sabe se não houvesse alguém, daqueles que possuem olhos de lince e possam saber que a imbecilidade de Fomá Fomitch não tenha origens nesta ingenuidade do pai, há um fio mui tênue entre o ingênuo e o imbecil. Se houver, terá a certeza mais do que absoluta de que Ratto Neves se tornará perfeita sirigaita com o lero-lero de vítima.


Durante a gravidez de Fomá Fomitch, desde o instante que o exame confirmou, começara a engordar aos pouquinhos, dia a dia. Ao final da gravidez, estava pesando oitenta e seis quilos, o seu peso normal era setenta e quatro. Após o nascimento de Fomá Fomitch começara a emagrecer. Alguns cabelos caíram, não a ponto de o deixar calvo, mas com lua atrás no topo da cabeça. Algumas pessoas disseram que psicologicamente havia se engravidado. Há gestantes que após o parto tem problema de queda de cabelo.


- Sou sim o culpado disso... Se eu tivesse deixado de lado, mas não tive inteligência suficiente, a ingenuidade, passasse a desconfiar de tudo e de todos, criticar tudo quanto há no mundo, estar sempre armado para qualquer insinuação, Fomá Fomitch não teria nascido imbecil. Não tive força de vontade. Tive medo da opinião das pessoas. Sou um traste sem qualquer veste. Quem sabe até fosse menino de inteligência a mais notória e pública de Lágrima dos Insanos. O orgulho de nossa terra. Mas não... Quem sabe estivesse pensando nisto, quando fora concebido. Enquanto fazia amor com Ragozina pensava na minha ingenuidade, imbecilidade, nesta facilidade que tenho de sempre entrar em fria, tornar-me vítima das coisas.


Não podia haver sido diferente. Cresceu ouvindo a mãe se lamentando, falando de desgraças, infortúnios, tristezas, a pobreza, enquanto limpava o buxo do boi no tanque com a pedra carcomida pelo tempo. Podia ter estudado. Lédia, sua irmã, não deixou. Tudo era para ela apenas. Ela é que tinha privilégios. Exigiu dos pais que tirassem a irmã da escola, já que não podia pagar para as duas estudarem. E não soube aproveitar coisa alguma. Tinha vontade de se tornar atriz de teatro, fazer novela. Quem sabe até devido a isto não se tenha tornado a mulher que era, criou uma personagem na vida, representa a todo momento, e a personagem é vítima da vida e da morte. Casou-se com homem de posses, tinha muito dinheiro. Não precisava trabalhar. Ela não. Casou-se com homem sem sonhos na vida, dono de botequim de bairro, os tipos mais esdrúxulos, gente sem qualquer importância social, pobre. Se quisesse comer e comprar as roupas das crianças, tinha de vender dobradinha nas portas, levando num carrinho de mão.


- Olha o buxo... Quem quer comprar buxo? ´Tá fresquinho, freguês!...
Manoel Ferreira Neto
(SETEMBRO DE 2005)


(#RIODEJANEIRO#, 09 DE SETEMBRO DE 2018)


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