#ALDEIA DE LÁGRIMA DOS INSANOS - III TOMO #UTOPIA DO ASNO NO SERTÃO MINEIRO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: ROMANCE



CAPÍTULO VII - PARTE I


Por toda a vida dos lacrimenses dos insanos se deu razão às mesquinharias, mediocridades, sandices, fofocas – enfim, isto é mais do que normal num lugar pequeno onde todos conhecem todos, sabem dos mais íntimos segredinhos de alcova. Acabou-se por se lhes outorgar igualmente o poder sobre os demais, as línguas dão a sentença mortal, culpado ou inocente. Agora dizem a plenos pulmões: “Só o que o Zé-povicho acha digno de ser reconhecido como valores é bom”!
E agora chama-se “verdade” ao que o pregador da igreja dos crentes que saiu do seio desta gente, santo raro, advogado de defesa dos corruptos, de acusação dos humildes, que afirma por si, só: “Eu sou a verdade”. Só ele vela, só ele, pedindo à Sorte que o fio, com que está sua alma presa à vil matéria lânguida, lhe corte...


Quanto a isto só tenho muitos relinchos na ponta dos beiços. Poderia haver deixado o narrador, encarnado em Credólio Cruzilis, em Atenas Atéia, contar a história. Compreendeu ele que não era algo percuciente. Fosse homem a narrar a história, a leitura seria impregnada de subjetivismo, suas opiniões e pontos de vista da comunidade ateniense atéia estariam sujeitos a questionamentos. Fosse o narrador que o fizesse, aqui em Lágrima dos Insanos, correr-se-ia o mesmo ledo engano, não é no mato que se perde a subjetividade humana. Sendo eu o narrador, transformando leite em ácido crítico, as opiniões e pontos de vista são mais objetivos, podem se tornar verdade verdadeira.


Como iria continuar a contar a história, se havia fugido de Atenas Atéia, não tivera mais qualquer notícia. Continuasse, seria pura criatividade. Terminara. Nada mais tinha a ser dito.
Ademais, o narrador estivera duas semanas pensando, exprimindo os miolos, relutava em prosseguir a sua obra. Alguém poderia perceber o problema dele estava relacionado com “neurose de transferência”, isto poderia afetar-lhe os brios e calafrios. Não que fosse inconsciente desta problemática. Conhecia-a a fundo. Não haveria a dita inverossimilhança, asno com neurose de transferência? Neurose de transcendência? Dissera, na adolescência, custasse o que custasse, não se despiria frente a ninguém, não ficaria nu diante da vida. Não se abriria, não revelaria a intimidade.


Certa vez, não faz muito tempo, estivera aqui na fazenda um pregador, viera comprar ovos de galinha caipira para cozinhar de manhã, o tira-jejum preferido sai e entra ano, a primeira coisa a comer. Só depois de comer o ovo é que toma a xícara de café, come pão francês com manteiga. Não pode comer muito, apesar de que a vontade é de empanturrar-se, mas há tantas criaturas que passam fome.


Na infância, indo à missa com a mamãe, assistia a ela, imaginando o banho de banheira, a água quentinha, o sabonete cheiroso, o café da manhã verdadeira refeição de sumo-pontífice, o almoço só de coisas mui apetitosas. Não sabia entender o porquê de sempre pensar no luxo dos clérigos. Havia um padre que não gostava de gente pobre, miserável. Gostava dos ricos, carro de última geração, roupas de grife. A comunidade lhe chamava “padre-luxo”.
Manoel Ferreira Neto
(OUTUBRO DE 2005)


(#RIODEJANEIRO#, 15 DE SETEMBRO DE 2018)


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