#ALDEIA DE LÁGRIMA DOS INSANOS# - III TOMO #UTOPIA DO ASNO NO SERTÃO MINEIRO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: ROMANCE



CAPÍTULO I - PARTE III


Conta-se que Fausto Araújo, nascido em Morro da Garça, após se formar em Matemática na capital, viera lecionar num dos colégios de nossa aldeia de Lágrima dos Insanos. Os alunos elogiavam bastante os seus ensinamentos, muita paciência com todas as dificuldades deles, mas havia um problema, problema que afetava os ouvidos: falava os maiores absurdos na Língua Portuguesa, cometia erros os mais estrambóticos.


Três meses depois de sua chegada, começara a namorar com Fátima Menezes, professora de gramática. Sabendo das dificuldades dele, as reclamações dos alunos – alguns diziam “O que consegui aprender com Fátima Menezes, estou desaprendendo com esta topeira” -, decidiu ensinar-lhe com esmero e dedicação. As aulas da Língua Portuguesa era ministradas de cinco e meia da manhã aos quinze para sete, horário de irem ao colégio. Levou tempo sem conta para aprender o básico. Casaram-se. Com o casamento é que desenvolveu os seus conhecimentos. Aliás, os alunos, não me é dado saber se inspirados na “burrice” do professor Fausto Araújo, se por lecionar embriagado às vezes.


Perguntavam entre si: “Você sabe como os morrenses da garça jogam boliche? Dez garrafas de cachaça e uma berinjela”. A berinjela está justificada: é o que mais dá nas terras morrenses da garça.
Quanta vez não vi adolescentes, alunas das escolas conversando com os colegas sobre o cartão “Amar é...”, de péssimo mau gosto, chinfrim, relinchemos vez por todas. Nossa, algo difundido em todo Brasil. A partir deste cartão outros surgiram na criatividade dos homens, e mandando algum para alguém não se esquece, mostra de conhecimento e sensibilidade, “viver é...”, “lucrar é...”... e outros tantos.
Não é criança que não saiba conversar, repete o que sempre ouviu; o que não consegue fazer é falar corretamente como manda o figurino, comete gafes a todo momento. Se relinchasse a minha opinião, não precisaria de espremer os miolos. O relincho é: aprendeu na escola, fala na rua; aprendeu lá ficou lá, isso não dá resultado. É sempre a mesma picuinha: “Se começar a falar como manda o figurino, as pessoas vão dizer que ando de sapato de agulha grande”.


Isto os pais não podem aceitar. Está estudando, precisava saber aproveitar a inteligência que tem para aprender a falar direito a língua. Homem sem língua é homem sem identidade. Não pode ser. O que não podem admitir é ser o imbecil da Língua Portuguesa. Ninguém diz para que ouçam, mas em verdade adquirira este epíteto: “Imbecil da Língua Portuguesa”.
Não me lembro as razões de Ratto Neves... Sei que dera no filho sova daquelas por causa da história da cozinheira. O pai ficara simplesmente furioso, bestificado, com o que vira pela janela do quarto, estava semi-aberta e não perceberam. Criança de oito anos fazendo uma coisa daquelas. Não podia ser. O garoto veio para o pasto. Chorou muito. Não estava podendo sentar. Ragozina dera beliscões, puxões de orelha na empregada, mocinha de vinte anos, estava desencaminhando seu filho, não fazia aquelas coisas nem com o marido. Tinha direitos de assim agir, Mariinha vivia na fazenda desde os onze anos. Não fora mandada embora por seus pais já serem falecidos, não havia ninguém por ela.
Manoel Ferreira Neto
(SETEMBRO DE 2005)


(#RIODEJANEIRO#, 08 DE SETEMBRO DE 2018)


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