#ALDEIA DE LÁGRIMA DOS INSANOS# - III TOMO #UTOPIA DO ASNO NO SERTÃO MINEIRO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: ROMANCE



CAPÍTULO VII - PARTE III


Do mesmo jeito que existe história com “h” e estória sem “h”, existem piadas para crianças. As portas do céu foram abertas para as crianças, adultos, animais. Era Natal. As crianças e os filhotes reclamavam da falta de bandinha para tocar as músicas típicas desta festa universal da humanidade. O leão mandou o macaco ir à terra, buscar a banda. Não quis ir, a viagem era cansativa. Mandou, então, a anta, o veado, o avestruz. Ninguém quis ir. Resolveu mandar o bicho-preguiça. Aceitou alegre. Não podia demorar muito, crianças e filhotes estavam esperando. Se demorasse, seria esgoelado pelo leão. Passou um dia, dois, três, uma semana. Todos choravam desejando a bandinha. O leão estava furioso. Iria comer o bicho-preguiça. Xingou, xingou, xingou... Ia saindo, quando o bicho-preguiça abriu a porta, dizendo: “Se continuar a dizer que vai me esgoelar, comer, não vou à terra...”.


Há muitas piadas sobre festa, proibição no céu. Isto que aconteceu não foi piada, o povo inventou a história com Jacinto Bofe, jogava dos dois lados.


- Jacinto Bofe, tente lá no inferno – disse-lhe São Pedro – Quem sabe tenha lugar para você. Aqui é impossível. Jesus não vai receber você para o ajuste das contas, aliás, as suas contas já estão ajustadas, o seu lugar é no inferno.


Dirigiu-se ao inferno. Com muita dificuldade, conseguiu convencer uma alma penada que cuidava do portão a ter dedo de prosa com Mefistófeles. Também ele já tinha avisado que se Jacinto Bofe aparecesse, não tinha lugar para ele. Irritado, Mefistófeles atendera Jacinto Bofe.


- Mefistófeles, estive no céu para ver se era possível ficar lá. Deus e Jesus proibiram São Pedro de abrir a porta para mim. Extrapolou as ordens, abriu-a, conversou comigo poucos minutos apenas. Disse que tentasse aqui no inferno, lá não tinha lugar para mim.


- Aqui também não tem lugar para você. O inferno está muito cheio, estou até precisando de ampliar as nossas comodações, mas as coisas financeiras andam muito complicadas por aqui. Quem fornece as verbas é Deus; não sei quem ainda fez isto, mas houve lavagem de dinheiro.Volte ao céu. Chore suas lágrimas a São Pedro. Tem de representar muito até conseguir convencer.


- Cometi todas as ruindades na terra. Quem faz ruindade o lugar não é no inferno? Por que não pode me aceitar? O que há de errado com todos os pecados que cometi? Só pode ser. Não tem lugar no céu, não tem lugar no inferno. Onde é que vou ficar na eternidade? Vou vagar por aí a fora. Não é possível.


- Não tem jeito. Não tem lugar. Já disse: tente outra vez no céu.


Sem qualquer outra alternativa, Jacinto Bofe subiu ao céu. Tornou bater e novamente São Pedro abriu-lhe a porta.


- São Pedro, lá também não tem lugar para mim. Mefistófeles mandou-me de volta. Pense bem... São Pedro, converse com Jesus. Não é preciso que ele me atenda, já que não deseja se encontrar comigo. Se ele consentir, prometo que fico bem longe de seus olhos. Mas não posso ficar por aí, sem céu, sem inferno, vagando na eternidade. É uma injustiça. Injustiça de Mefistófeles. Aqui no céu só entram as boas almas. Mas numa situação de Mefistófeles não me aceitar, quem sabe Jesus se compraza de mim.


- Não é possível. Volte ao inferno.


- Repartição pública virou a eternidade – disse Jacinto Bofe virando as costas - É daqui para ali, sem eiras nem beiras.
Voltou. Mefistófeles já estava ao portão do inferno, esperando por ele.


- Já sei. Não conseguiu convencer. Mas aqui também não há lugar.


- Posso, então, saber o porquê de nem no inferno poder eu ficar? Tem de ter alguma explicação tudo isso.


- Simples: não quero aqui nenhum concorrente.


- Concorrente?


- Sim, senhor. Depois você consegue converter as almas penadas a mudar de posturas e atitudes. Vão acabar indo para o céu. Vou ficar sem qualquer hóspede. Apenas nós dois aqui. O seu pecado aqui fora converter as almas. Convenceu todos, menos a mim, e eu não vou abrir mão de sua condenação. Viveremos juntos pela eternidade e tudo aqui jogado às traças.
Manoel Ferreira Neto
(OUTUBRO DE 2005)


(#RIODEJANEIRO#, 15 DE SETEMBRO DE 2018)


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