#ALDEIA DE LÁGRIMA DOS INSANOS# - III TOMO #UTOPIA DO ASNO NO SERTÃO MINEIRO# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: ROMANCE

CAPÍTULO II - PARTE VI
Se se diz o que quer, esteja de antemão preparado para ouvir o que não quer. Ah, quanta vez ouvira as pessoas dizerem isto por todos os lados. Disseram a alguém não dar nada à cultura adquirida, era inútil. Respondeu-lhe: “Fico satisfeito. Então, a inveja já saciou a sua sede de nada”. Sou asno destrambelhado. Se o que acabo de relinchar não tem qualquer sentido no desenrolar deste novelo, é que me viera ao instinto qualquer coisa, mas logo sumiu. Sentiu-se ressentido, vítima de sua própria inveja. Disse exatamente o contrário do que sentia. Dava enorme valor a ela, desejava-a, mas não tinha qualquer capacidade de adquiri-la. Aí começa a vítima, quando já não é possível negar, está mais do que evidente.
No início, quando fugido de Atenas Atéia, apareci nesta terra, Ratto Neves ficou verdadeiramente intrigado com o fato de haver aparecido do nada um asno na fazenda. Estava velho. Sem dúvida, puxara muita carroça a vida inteira. O dono deveria ter soltado, já não tinha qualquer utilidade. Morresse nalgum canto do mundo, as aves negras do céu teriam alimento para sustentar-lhes nas alturas. Uma pergunta: será que se alimentariam da carniça do rosto? Não será que se sentissem incomodados por estar comendo, ao invés de cara humana, cara de rato de esgoto? Melhor: cabeça de animal, corpo humano. A ave que preferisse a cabeça de animal o prato era delicioso; do mesmo jeito o corpo. Tudo dependeria do paladar e da vontade. Ambos se sentiriam satisfeitos.
- De onde surgiu este asno? – fora a pergunta por muitos dias. Estava indeciso se me deixava pastar, não tinha problema algum quanto ao feno, mas teria outros gastos comigo. O que iria justificar tratar de asno por tratar de asno?
Tinha de haver motivo para isto. O tempo ajudou-lhe a admirar-me. Admiração por asno... Até onde vai a capacidade humana: de tanta admiração passou a pensar, já não tem dúvidas de o asno pensar. Além do mais, é cínico, irônico. É de fazer idéia o que penso das atitudes e posturas humanas. No mínimo, relincho à beça interiormente. Não está errado. Relincho mais do que se estivesse sentado na arquibancada assistindo ao quadro de palhaços famosos, verdadeiros artistas. Se o mundo inteiro contribuísse com alguma quantia para armar o circo, os personagens seriam a própria humanidade, não se reclamaria
nunca de tristeza e angústia, ter-se-ia e muito para rir.
Sou um anti-asno par excellence? Então, nego a minha raça. Como nego, se não tenho dúvidas de que a minha raça desde tempos imemoriais é de tração e carga!? Ficar nisso é que são elas. É preciso aprender com as experiências. Não posso ser de importância histórica? Deus me deu o dom do intelecto. Por que não me vou aproveitar a oportunidade?
Manoel Ferreira Neto
(SETEMBRO DE 2005)
(#RIODEJANEIRO#, 08 DE SETEMBRO DE 2018)

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