#SENÁCULO DE PANGARÉS - II TOMO #UTOPIA DO ASNO NO SERTÃO MINEIRO# CAPITULO XII - ESTRÍDULOS SONS DE NAVALHAS - PARTE III



As aparências enganam mesmo. Sentado à janela de guilhotina numa cadeira de balanço, sempre esta cidadã de nossas terras passa vestindo roupas muito estranhas, conhecida por todos como “a boneca”. Conheço-a, respeito-a. Tenho profundo apreço por seu pai, homem de condutas às vezes ilibadas, mas sincero com suas palavras, não leva desaforo para casa de modo algum. Homem de princípios.


Ela, a filha, puxou bastante o seu querido papai. Mulher de caráter irreverente, direita com os seus negócios.


Se assim me explico o que desejo com estas palavras dizer: os “caráteres” são inúmeros, cabe-me compreender-lhes e entender-lhes. Não me caber qualquer crítica, qualquer alusão às mazelas e picuinhas dos seres humanos. Bem, isto depende de muitas situações e circunstâncias a serem analisadas. Por isto estou a sentir-me melancólico, nostálgico, estão todos enganados, saudades de tempos que não aconteceram ou que foram recriados com a passagem dos invernos e dos inversos da linguagem e estilo que faz as pessoas de meu serviço dizerem admirarem estar eu no balcão de uma loja de acabamentos de latrinas para os gostos mais delicados e exigentes, deveria ter seguido outros rumos, tornando-me escritor, pois que escrevo bem... Não, senhores, gosto de servir as pessoas, de proporcionar-lhes conforto e gosto. Sentados no trono muitas pangarices se nos advém ao espírito e alma, e aí não sobra outra senão dizerem de si para si... “Agora sei onde começa o prazer dos homens”. Quem o sentiu soube o que significou em suas vidas, como se tornaram outros ao longo do tempo.
Invejar a mulher por quem tenho apreços inúmeros por ser de ilibado caráter, com seus pitis e mazelas ao longo das primaveras floridas, o chão coberto de folhas amarelas, mas é com orgulho que o amor vê as folhas amarelecerem e caírem, cobrindo o chão de pedras.


Não invejo aos homens a notoriedade que lhes sustenta tanto a existência de cada dia, mesmo que iguais a todos os outros, como, aliás, o é. Não invejo a ninguém, em verdade. Estou satisfeito e sinto que estou a realizar o que me fora dado gratuitamente, restando-me ser original e singular. Esforços. Entregas. Jamais me cansando de criar, o que me sustenta a vida. “Oh, eu que tanto sofro neste mundo”, dizia a mamãe. Não o digo: digo que os sofrimentos foram a ponto e natureza. Ter a consciência de quem sou neste mundo, não outorgando o que faço de mim, a responsabilidade com a vida, sim endossando o que escrevi, noutra linguagem: registrando o “cachaprão”, a assinatura, isto me responsabilizando por tudo o que escrevo.


Fora com estes sentimentos tão preciosos que o presidente convidou-me para realizar alguns discursos, dizendo-me: “Só vós mesmo para dizer aos pangarés “deixe-me ser o único homem que os ame com todas as forças espirituais, pois que vos lhes entrego com todos os êxtases permitidos por lei e por princípios, eu que lhes ensino os caminhos outros das pangarices de todos os dias, apenas para se verem distante do fim inevitável, com direito a tédios homéricos e universais.
Não saberia elencar os outros muitos modos e estilos de “inveja”, lembrando que a cada um o seu destino, sina, saga, e tudo o mais que se quiser acrescentar para enriquecer a condição humana em todos os seus milênios de existência.


Alguém de minhas relações mais pessoais, um cliente muito querido e digno, um professor de faculdade, estivera lendo os meus discursos, dizendo-me que sentia muito não estar residindo em nossa cidadezinha para poder assistir à minha leitura, como iria sentir-se, não tinha nem noção dos prazeres e felicidades que sentiria, vendo-me falando com todos os pulmões, com emoções e sentimentos perpassando cada fio de cabelo do rabo de um pangaré como vós próprios os sois. Dissera-me em tom de encômio: “Escrever bem assim causa muita inveja, não é mesmo”, respondendo-lhe que os homens podem chegar a fazê-lo desde que se entregue à busca de si mesmos, infelizmente será difícil aparecer outro homem-pangarético na vida e nas letras, sou mesmo eterno. Disse-lhe que ser invejoso é não assumir as próprias pangarices, desejando a dos outros, o que as minhas irão servir para eles, de nada serviriam. As deles é que servem de verdade, com direito à sublimidade.


Rogo a Deus que os perdoe destas pangarices, compreenda-lhes as ausências e pendências. Dom mesmo como orador, dificílimo discursar para pangarés, que não lhes cause tédio, ao contrário, êxtases os mais variados, a gosto e paladar de cada um, a pontos de vista e visões contrárias sobre isto ou aquilo, causando polêmicas as mais profundas, as pré-fundas que as possam explicar com decência e deiscência. Sentem prazeres inusitados com sendo ouvintes de meus discursos nesta egrégia causa. Vendedor de latrinas para finos gostos discursando numa casa tão importante, com membros tão reconhecidos e considerados por todos os mais instintivos, mas é que só os instintos podem compreender as linhas, entrelinhas e além-linhas de minhas idéias e pensamentos, convosco me abro por inteiro, por favor afastem os conhecimentos escusos, digo-me com todas as letras e sílabas, sei que possais entender-me, entendeis-me, causando até inveja nas pessoas, “eu gostaria de poder discursar para pangarés”.


Esta não gostaria de deixar de registrar pois que se torna ipsis litteris a inspiração desta sátira a que me proponho realizar. Se eu, ao invés, de abordar as faces outras de todos os seres humanos, não me é dado saber se os asnos o fazem, me servisse delas nas entrelinhas, mas nas linhas dividisse a palavra através de hífen: “in-veja”, que de modo vulgar iria se referir a ver-me por dentro, alguém me ordenando a ver-me por dentro.
Manoel Ferreira Neto
(JUNHO DE 2005)


(#RIODEJANEIRO#, 06 DE SETEMBRO DE 2018)


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