VOZES DE CÂNTICOS E DISSABORES GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: POEMA @@@@


As estrelas velam

O ossuário da terra,

Noctívagos pretéritos revelados de memórias,

A terra encolhida em seu canto

Dorme intranqüila na calçada fria e íngreme,

O mundo carcomido pelos cancros da civilidade

Arrasta-se no chão,

Lamenta-se dos infortúnios,

Chora as desgraças.

Alguma esperança perdida nalgum tempo da vida?

Algum sonho esquecido nas drobas da

Necessidade de sobrevivência,

A vivência quando?

Alguma utopia escondida no punho das desilusões,

Fracassos, frustrações, medos?

Em que tempo curto, eterno?

Alguma noite, longos dias,

Dias solitários, noites distantes,

Séculos silenciosos, milênios esquecidos,

A vida se revelará,

Mesmo com as razões in-versas,

Começando das virtudes para atingir os equívocos,

Os sonhos re-versos de outrora,

Enganos, erros, medos,

Culpas, pecados, responsabilidades?

Algum dia, e tudo será lembrança íntima

De que tive a oportunidade de dar bom-dia

Ao dia que se anunciava,

Aos novos desejos que se revelavam

Nos silvos de ventos perpassando

Vales, abismos, chapadas,

Nos claros-escuros das pedras,

Sombras de luzes e da lua,

De transeuntes solitários

Gastando o tempo, entrando e saindo de ruas,

Homens que alimentam suas esperanças

De felicidade, paz, alegria,

Deslizam suaves, fazem cócegas

No olhar, o vazio e angústia,

Tecem a dor de retinas

Que assiste, no velar da alma e espírito,

As tristezas, saudades,

Melancolias, nostalgias,

Crocheteiam o sofrimento de pupilas

Em cujos reflexos das imagens e das coisas,

Entoando cânticos, ritmando melodias,

Reverberam as regências de seus verbos defectivos,

No peito retinam desilusões, medos e fracassos.

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Risos e prantos se confundem nos delírios da paixão,

Medos e solidão se aderem nos devaneios,

Desvarios das fantasias da liberdade,

Na insanidade dos sentimentos, emoções,

Nos in-versos de re-versos amores,

Nos in-vernos de ad-versos delíquios

Das utopias, sonhos, desejos,

Vontades, esperanças.

Tudo será possível,

Cabe apenas a força de vontade, da mente,

As luzes de verdades da vida

Conquistada na labuta árdua,

Angústias, tristezas, preconceitos, discriminações.

Tudo será realizado com a fé.

Sinto-me na “roda-viva” das sensações

Nítidas e nulas em instantes

De tristezas breves,

Sinto-me na “dança” de luzes da lua, estrelas

Um ser opaco,

Sinto-me nos “re-versos inversos” da vida

Em êxtase de agonias e ansiedades.

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As palavras não exprimem as idéias.

Os pensamentos condicionam as emoções.

Futuro é outro presente

Na esguelha de olhos noturnos,

Nos soslaios de olhares vespertinos,

Das visões matutinas às revezes do crepúsculo,

O presente serão ontens esquecidos e latentes,

Serão outroras no catavento das razões,

Na ampulheta das verdades,

Sentimento de busca e sublimidade,

Da sublimidade ao sentimento de busca

Esplendores e desejos de pássaros que cruzam o céu,

Entoam suas líricas nas grimpas

De árvores frondosas e folhas viçosas,

Expressam em seus instintos diversos

A magia da natureza,

Habitam as silveirinhas dos lamentos e silêncios;

Ontens serão subterrâneos do espírito

Em cujas veredas, culpas de desatinos,

E os desatinos de culpas e pecados,

As ansiedades clamam por outros universos

Em cujas trilhas anúncios e revelações se espelham,

Incidem-se na imagem de liquefeitas quimeras;

Outroras serão do espírito,

Em cujas profundidades as angústias de sonhos e decepções

Serão as luzes a iluminarem os caminhos.

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Se vós me concedêsseis mínimo de prosa

Sem egrégias idéias figuradas em metáforas poéticas,

Nos dedos que, em câmera lenta,

Insinuam dígitos que são sentimentos

Nas almas brancas de páginas passadas!

Se vós me consentísseis a destreza das penas

Com que sobrevoais mares, lagos e desertos,

Florestas e abismos!

Longos dias, longas noites

À busca da luz plena e mágica,

Contemplando a lua em todas as suas manifestações,

As estrelas em todas as suas revelações!

Se vós me désseis o privilégio

De um só segundo de anunciação

Divina, eterna e verdadeira,

De saborear o gosto da água

Que sacia a sede da eternidade, imortalidade,

Os dígitos teriam sido apenas

Modo de imprimir os devaneios, desvarios

Que me habitam os recônditos das dúvidas,

Do vôo, mostro-vos as nuanças,

Detalhes não digo, são efêmeros,

Perpassam fios de outono

Nos anéis da medula,

Pormenores tão menos elenco,

São serpentes que se autodevoram pela cauda.

Nuanças de dores e sofrimentos

Adentro longas noites de insônia,

Vigília de letras e sons,

De vozes que ecoam nos lamentos

Os cânticos de melancolias,

Nuanças de verdades e vazios

Que se entrecruzam,

De desejos que refletem nos espelhos

Os ritmos de nostalgias,

Pormenores de fantasias e angústias

Que se distanciam no espaço desértico

Do tempo

Nas curvas de relógios,

Nalgum instante a esperança

Extasia-me os delírios,

Fascina-me os delíquios,

Acende-me os equívocos,

Incendeia-me as dúvidas.

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Habitas-te – tu não o sabes?

Deverias ao menos ter alguma noção! –

A volúpia do eterno onde reside

O espírito que continuamente projecta

Visões de totalidade e de unidade,

Neste instante em que as criaturas sentem

Os raios de sol,

Os homens iniciam, na labuta,

Esperança de águias

Sobrevoando mares, estradas de poeira sem fim,

A vida na luta continua e desmedida

Sonha...

Girassóis à soleira de casas, casebres,

Ao relento,

Alegram da vida o húmus de todas as sementes,

Saudades, ausências, carências

Dois corpos que se amam comungam-se no sono

Ventos de tão puros sentimentos perpassam-lhes

Na noite escura,

O céu no silêncio abana as últimas gotas de chuva.

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Sim...

O verde de teus tesouros ilumina a escuridão?

Não os vejo, para mim abrem horizontes.

Mergulho em teus raios, no brilho de teus olhos

O que sinto, o que me transcende

Universos traçam na carne os êxtases,

Alegrias, prazeres, vestígios de sensações,

Entrelaçando nos ossos

Corpos de medos, tremores, temores,

Horizontes tecem no sangue os ímpetos,

Fantasias, idílios, ilusões,

Costurando no espírito

Utopias de esperanças e fé,

De confiança e consciência de olhares profundos

Na vida e seus dons e talentos.

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Não me escutas,

Ausência perene de palavras,

Sentidos e metáforas,

Nos lábios, sorriso sublime de amor,

Representado nas flores secas

Que são sementes de origens...

Representado nas rosas vivas e viçosas

Que são raízes

De crepúsculos e auroras

E no ínterim de contemplações

Finge compreensão,

Finge recolhido e acolhe

No peito o carinho desdobrado.

Na mente a ternura representada

Na manhã da vida, desejos e vontades

De felicidade, paz, amor,

Ouves, escutas, sentes

Dores, sofrimentos, desesperanças

Os homens se queixam de suas desditas,

Lamentam suas sendas perdidas.

Só tu, tu podes com simples roçagar a pele

Esquecida nos sonhos que parecem únicos

Retirar-lhes das angústias a suavidade da fé,

Das tristezas, a sublimidade das esperanças

Oh, sudário de origens e raízes

Em cujos nós, linhas e perspectivas

A face verdadeira, pura, de águas límpidas

Refletem a continuidade da vida.

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A lua sobe solitária.

A memória se esvaece.

Suspiram pela morte solene em dias ensimesmados,

Pela vida plena em noites escuras,

Pela preguiça sublime

O sol forte, calor intenso.

Suspiro o tempo em que as palavras

Não atendiam rápidas

Aos pérfidos afagos dos dedos

A língua cega não ceifava ausências,

Faltas, lapsos de sons,

Não concebia vozes.

Não regenciava o apenas sentir-me corpo,

Fora de mim, sem alma, sem espírito

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                                               II PARTE

 

Vozes, ouvi!

São vozes que desfiam mágoas, dores,

Necessitam amor, carinho, perdão.

São vozes carentes, tristes, solitárias.

Palavras entoam seus cânticos,

Dobram seus dissabores,

Trinam seus delíquios.

Palavras que se sentem silêncios.

Ouvi-as!

Deixai-as dizerem,

Deixai-as mostrarem os naipes de suas cartas,

Deixai-as jogar as trafulhas da mente.

Acolhei-as.

Transformai-as em sonhos

De vosso silêncio tranqüilo,

Rio lento que leva as águas,

Nascem perspectivas,

Renasce o furor da liberdade,

A continuidade do ser à busca

Do foco irradiador de sentido,

Do Elo unificante e esquecido

Que tudo unifica,

Tudo liga e religa

E que faz o cosmos ser cosmos

E não caos.

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Patéticas interrogações,

Exclamações, reclamações

Sobre o porquê da existência, da vida e morte.

No declive dos mares,

Estrela que brilha sobre a água,

Não habitará o minuto do vazio?

Na margem esquerda da estrada,

Poeiras que se acumulam

Não germinarão a metafísica da língua

Na amplitude dos verbos?

Silencio as vozes da agonia,

Emudeço os sons das in-verdades e verdades.

No aclive dos abismos

Não estará o instante da completude?

Solidão de luzes e brilhos,

Transparência de divinos fulgores.

Calo os gritos, murmúrios e sussurros.

Calo.

E calado sinto-me chamado a voar em céu aberto,

Crio uma sinfonia que recolhe em si todas as disfonias.

Mergulho no oceano divino que me habita.

Não sou quem dirá algo para romper o silêncio

Mútuo, comungado, solidário com as algazarras.

Imagino e componho nas longas noites

De esperança da manhã, do dia

Outros ritmos, melodias, acordes,

Fontes inesgotáveis da canção-reino do espírito.

Calo a voz dos imundos sortilégios.

Nas curvas dos bosques

Não habitará o momento do eterno?

Falo... Falo... Falo...

Engrolo termos ininteligíveis

Em linguagem e estilo do sabor das palavras.

A loucura evidente dos desmedidos e insolentes

Transfigurada pela revelação da divinidade.

Confiro luminosidade fulgurante

Vinda das profundezas.

Quero morrer, não posso...

Não conheço qualquer epitáfio que imortalize,

Não conheço qualquer epicédio

Que dignifique, honre o homem,

Reserve-lhe a eternidade das virtudes no reino paradisíaco.

Quero rir, gargalhar...

A humanidade inteira ouça-me:

“Dar primazia à vida,

Olvidando sua mortalidade,

É cair pesadamente nos braços da morte.

Acolher, com sinceridade, a morte,

Porque pertence à vida,

Implica dar primazia à vida

E viver uma inexprimível liberdade.

É ressuscitar”

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Ris, ris de minhas ingenuidades, inocências,

Ensaiando um epitáfio,

Depois resta-me a palavra sábia,

Quem não riria?

A morte estará sempre do nosso lado.

Em que abismo profundo depositei os sonos?

Em que vazio escondi

As samambaias da eterna liberdade?

Em que subterrâneo do espírito

Guardei o perpétuo da ressurreição, redenção?

O espírito!

Tombado no caos da origem.

Espectro de Deus

Arrasta-me sobre o chão.

Nuvem de idílios a caminho

Dos sombrios redutos da Eternidade?

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Se tu percorresses com lentidão

Cada passo da eternidade,

Reconhecer-te-ias, sentir-te-ias ícone

De uma missão divina...

Andando de cabeça baixa,

Observando as pegadas na terra efêmera,

Sentes do desconsolo às angústias

Os delírios do tempo,

Do desespero ao vazio,

As quimeras da solidão.

No teu sepulcro, o tempo consumirá teu corpo.

Lâmpadas que ardem na noite solitária

Só de quando em vez as folhas das palmeiras balançam.

Se te reconheceres, reconheço-te eu!

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Quem sou?

Não sou palavras.

Não sou metafísicas.

Não sou filosofias.

Não sou poesias.

Sou é desejo.

Não sou utopias. Sou é contemplação.

Não sou esperanças. Sou é vontade

De arrancar-me o brilhante que salva,

O diamante que risca o éter,

De mostrar o cristal por onde as gotas

De chuva deslizam suaves e serenas,

De velar o silêncio ritmado

Na melodia do presente e futuro

Que se mostram nos idílios

Dos longos dias, das longas noites.

RIO DE JANEIRO(RJ), 23 DE FEVEREIRO DE 2021, 10:57 a.m.     

 

 


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