HOMENS E PERSONAGENS – SOTAQUE GRAÇA FONTIS: FOTO(ARQUIVO) Manoel Ferreira Neto: TEXTO @@@@

 



Post- Scriptum:
A nenhum turista, naquela época de minha visita, era permitido sentar na escrivaninha de Guimarães Rosa. Por pedido de D. Ernestina Barbosa ao diretor do Museu Guimarães Rosa, fora-me permitido sentar e tirar foto. Ali mesmo comecei a escrever este presente texto, mas não fora fotografado, a bateria do celular havia acabado. Desta foto, tenho máximo orgulho.
Manoel Ferreira Neto
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As experiências chamam-nos atenção, sobremodo nalgumas situações vividas. A espontaneidade presente é que revela com divinidade o que habita a alma no momento.
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Pela manhã, dia após a chegada a Cordisburgo, tive prazer inusitado de visitar o Museu Guimarães Rosa em companhia da amiga-acadêmica cordisburguense D. Ernestina Barbosa. A intenção era fotografar todo o interior do egrégio Museu, enquanto vivenciava sentimentos que me perpassavam, não tendo qualquer interesse em saber quais eram, deixava-lhes fluir.
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Entrando no escritório de Rosa, para tirar fotos, tomou-me por inteiro a vontade de sentar em sua cadeira, pedindo à funcionária que fotografasse. Momento inesquecível, jamais capaz de distanciar na memória. Conversando com Marleninha, a funcionária, perguntei-lhe se alguém, turistas, escritores, intelectuais, tivera essa vontade, respondendo-me que no tempo de seu trabalho no Museu não acontecera.
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Fomos para o jardim do Museu, onde também tirei fotos, mas não pude continuar: a capacidade do celular de fotografar era pequena.
Alguém, senhora magra, fisionomia de pessoa simples, humilde, mostrou a Marleninha uns galhos de planta, iniciando a conversa entre elas; prestara atenção. De repente, lembrando-me da leitura de Grande Sertão: Veredas e Sagarana, percebi com uma clareza, impossível de ser registrada nesta página, dizer-me interiormente, o sotaque das duas. Lendo as páginas de Rosa, sente-se estar ouvindo as conversas dos personagens, emoções e sentimentos que lhes perpassam alma, espírito, dores, sofrimentos, alegrias, tristezas, espiritualidade.
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- Interessante, o que acabo de perceber – dissera às duas, quase não conseguindo expressar-me com propriedade – Vendo vocês conversarem, lembrando-me das leituras de Rosa, percebo não similaridade, sincronia, semelhança entre o sotaque de vocês cordisburguenses e o dos personagens de Rosa: são iguais, realmente iguais. Rosa é Rosa. Só mesmo artista como ele para esta façanha, registrar a igualdade do sotaque dos cordisburguenses e dos personagens.
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Desde que chegara a Cordisburgo, nesta viagem de cunho intelectual, conversamos muito, à noite estivemos num barzinho, conhecendo sua cunhada e sobrinho, encontro inesquecível, fui armazenando no íntimo a sensibilidade, espiritualidade, mergulhando-me na linguagem, estilo deste povo. Isto do sotaque entre os homens e os personagens roseanos foram sendo armazenados em mim, seria expresso, não sabendo quando.
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Pensara em gravar em CD as fotos tiradas, não tendo sido possível, necessitava de cabo para a transferência das fotos do celular para o CD. Senti-me decepcionado, não tiraria mais fotos. Sentia-me o mais orgulhoso dos homens, havia sentado na cadeira de Rosa em seu escritório, provavelmente escrito algumas páginas, anotações de obras futuras. D. Ernestina Barbosa, gentil e generosa, ofereceu-me a máquina fotográfica.
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Frente à pousada dela, conversamos com algumas pessoas, dentre elas o “embaixador da cultura cordisburguense”, ouvindo algumas estórias interessantíssimas. A outra pessoa, com quem conversávamos, a quem chamo de Murilinho, contou-me sobre alguém quem, se fosse chamado de “pescocinho”, a morte era certa. Alguém pedira uma pinga, quando lhe disseram: “Está vendo aquele homem? Se for lá e chamá-lo de “pescocinho”, pago-lhe a pinga. Só não respondo pelas conseqüências”. Ouvindo, não deixava de prestar atenção no sotaque, convencendo-me de que minha percepção fora verdadeira. O sotaque dos cordisburguenses e dos personagens roseanos.
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O homem se aproximou de “pescocinho”, inventando uma pescaria que fizeram juntos.
-Nunca vi você na vida – disse-lhe “pescocinho”
- Não lembra, mas pescamos.
- Nada disso. Já lhe disse: nunca vi você.
- Pescou sim – acabou chamando o homem de “pescocinho”, sem nada lhe acontecer, ganhando a pinga.
Retornei ao Museu.
- Marleninha, faça-me o favor. Quero sentar na cadeira de Rosa, e começar a escrever sobre a percepção do sotaque, e você tirar fotos minhas escrevendo. Já pensou?!
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Não sei dizer o que me perpassou o espírito, sentado naquela cadeira, sei que me sinto orgulhoso, jamais esquecerei este momento tão sublime e divino. Inesquecível mesmo.
Após, ouvi de um dos Miguilins do Museu, a biografia de Miguilim. Que maravilha. Yan, nome próprio do Miguilim, despojou-se de si mesmo, encarnando com esplendor o personagem roseano, Miguilim. Fiquei extasiado.
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- Você, Yan, é verdadeiro artista. Despojar-se de si e encarnar um personagem roseano só mesmo artista. Oxalá, não se torne grande escritor.
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Despedi-me emocionado. Meu Deus!... O artista é sensível por natureza e espiritualidade, sentimentos e emoções são diferentes. Confesso, já vivi emoções fortes, derramei lágrimas nalgumas, mas nesta visita à terra de Guimarães Rosas emoções, sentimentos transcendem, não há como expressá-los, senti-los sim, efusivamente.
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Sentei-me neste restaurante Sertão e Veredas, de Renée, para continuar a escrever a respeito destas experiências vividas, centrando-me e des-“centrando-me” no sotaque dos personagens roseanos, do povo cordisburguense, sentar-me na cadeira de Rosa, iniciando esta escrita.
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Sinto-me orgulhoso como jamais me senti, tive momentos difíceis, complicados na vida, mas sigo as minhas estradas da Literatura, e com estas experiências nas terras de Rosa sei que outros grandes momentos me esperam, poderei em vida sentir o que sempre busquei nas artes, filosofia, a sublimidade.
RIO DE JANEIRO(RJ), 19 DE FEVEREIRO DE 2021, 05:18 a.m.

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