POR ANTIGA ESSÊNCIA GRAÇA FONTIS: FOTO(ARQUIVO) Manoel Ferreira Neto: CRÍTICA LITERÁRIA @@@@


Caríssima Lucília Cândida Sobrinho

 

O filósofo alemão Heidegger dizia que em tudo que se diz, quando se fala, se escreve ou se fala, sempre se diz a partir do silêncio. É a segunda experiência. Trata-se de uma experiência tão rica e originária que dela vivem e se criam os poetas, os pensadores, os homens. Os homens somos, ao nosso estilo, modo, à risca e dignidade, poetas e pensadores, se vivemos com autenticidade a vida que é sempre busca da felicidade, do amor, do desejo de superação dos problemas, dores e sofrimentos.

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Por seus atos, o homem se determina, sai do magma das coisas, enquanto impõe seu ato livre: ele ek-siste, mantém-se de fora de si mesmo, no seu projeto, sua relação com o que é. O existente é o único ente capaz de na abertura ao ser. Assim, se a existência do homem é autêntica, faz sentido por si mesma.

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Uma vez que falar é comprometer-se, o sentido dessa moral é manifesto: trata-se, como no sistema do filósofo Kant, de realizar o universal com sua própria carne. Uma vez que se escreve ou se diz, fá-lo sempre a partir da verdade de quem somos, de quem re-“presentamos” na vida e no mundo, nas relações com os homens, as coisas e os objetos, a partir da res-ponsabilidade em/de buscar e desejar a nossa autenticidade, verdade, a superação de nossos problemas, tornarmo-nos homens-Deus.

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O outono, para mim, caríssima Lucília Cândida Sobrinho, é ensaio, é promessa do inverno, a que tanto amo, e a vida por inteiro se me a-“nuncia” e re-vela alimento, desejo de saciar os mais profundos desejos da paz e da felicidade, o inverno trans-forma-me, re-juvenece-me.

 

Bendito outono, poema de sua autoria, que ora teço pequena consideração, está sendo elaborado num domingo de chuva, início do outono, dez dias após o término do verão – por que realmente tenho ojeriza, ousando dizer até “ojeriza congênita”. Verão é calor, e sol quente, e se olharmos as avenidas asfaltadas tanto de cima para baixo, vice-versa, temos a sensação de que o asfalto treme, assim é Curvelo, o coração de nossas Minas Gerais.

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E o outono da vida? – você não questiona, não indaga isso, não pergunta sobre, diz que o “outono da vida é poente” - o poente é o sol quando está no acaso; seguindo esta diretriz que nos informa o dicionário da Língua Portuguesa, a vida, no outono, é a pré-(e)-enç-a, a promessa de mergulharmos no íntimo, buscarmos o aconchego de nossa intimidade até a chegada do inverno quando mergulhamos profundo e encontrar o calor de nossa espiritualidade, de nossos desejos e vontades presentes e fortes, de nossas utopias e sonhos, que nos aquecem e fazem-nos sentir um fogo interior imenso e a luz de nossas chamas interiores ilumina a vida e o mundo.

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Você se deixa tornar a pena e a tinta que, ao deslizar na folha branca de papel, é letra, é palavra, é sentido, é significado, é poema, sensibilidade e emotividade. Continua dizendo, falando, escrevendo que o “outono da vida é poente/de luz solar bem menos luminosa/e os raios fundindo-se lentamente/ à noite delirante e caprichosa”.

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O outono da vida que você apologiza, ufaniza nas linhas de seu poema, nas entrelinhas da poiésis que alimentam seu mundo interior, saciam sua sede de espiritualizar-se, sensibilizar-se, ser Vida, não é a sabedoria de que os homens caminhamos para a morte, real-ização plena e absoluta de nossa vida; é símbolo, é a-núncio, é re-velação, é promessa de re-(n)-“ov”-ações, in-“ov”-ações, de outros horizontes, universos, é a certeza de nova manhã, nova aurora, outras conquistas e realizações. Tudo são luzes solares menos luminosas, pois se trans-formam, metamorfoseiam em reflexões, meditações do que é isso – a vida; vale ressaltar que as luzes solares, menos ou mais luminosas são exteriores, pertencem e são do mundo, mas as luzes solares do outono da vida são íntimas e interiores. O outono da vida de luz solar bem menos luminosa é o ser plenamente humano que comporta vivenciar a realidade espiritual. É o deixar que ressoe dentro de nós, para sentir que somos habitados pela Energia criadora dos Céus e da Terra, para que possamos brilhar e voar.

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O outono da vida são “os raios fundindo-se lentamente à noite delirante e caprichosa”. Há no ser humano o apelo pela fusão, para a unificação, para a comunhão com todas as coisas e para ser um com elas. Os raios que se fundem lentamente à noite delirante e caprichosa é a nossa inarredável saudade do momento em que estávamos todos juntos, éramos energia originária com imensas virtualidades de realização.

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Na liberdade da caminhada nos encaminham os caminhos silvestres, enquanto nos levam a pensar a essência do real na radicalidade das diferenças de ser e não ser. Na linguagem se trava a luta em que o não-ser se desentranha do Ser, dando ensejo a que os entes apareçam. Nada alma, “a força da semente/que rompe a terra e surge vigora”, a semente que é a-núncio e promessa, luz que re-vela a “árvore-da-vida” que trará frutos, se a regarmos de sinceridade, seriedade, dignidade e honra, se a vivermos de modo autêntico, e nas trilhas da vida vamos sentindo o gosto delicioso e essencial de nossa felicidade e alegria, contentamentos e prazeres, e desejamos chegar ao nosso destino. Os sentimentos, a espiritualidade que nascem, re-nascem em nós, rompem nossas dificuldades, problemas, angústias, tristezas, depressões, e surgem vigorosos, plenos e sedentos de VIDA, de realização, lançando ao céu, aos horizontes e universos, o broto resistente de que somos vocacionados à plenitude, à sublimidade e eternidade, num “excelso brado”, re-presentados e arquetipizados, literalizados e anunciados, re-velados e manifestados pelas orações que dirigimos a Deus em voz silenciosa, quando a nossa expressão é real, eivada de sonhos de redenção, salvação, ressurreição, sobretudo de espiritualidade.

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O silêncio se dá na impossibilidade e como impossibilidade de falar e escrever sobre ele. A voz silenciosa se revela na possibilidade se ouvirmos no mais profundo de nós, nos interstícios de nossa alma e espírito, as “palavras” de nosso ser que anseia pela luz do mundo, nas re-(l)-ações com os homens, as coisas, os objetos, a vida na sua essência divina.

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Por três meses, tempo de cada estação do ano, tempo do outono, em cujos dias, tardes e noites andamos, regamos nossas sementes, desejamo-las tornarem-se frutos, alimentamos nossas esperanças de amor e felicidade, desejamo-los tornarem-se realidades vivas e presentes, sermos homens-Deus. No ocaso do Bendito outono, já presença do inverso, a “luz difusa” revela o tempo só pela aparência, mas a essência da realidade só se dá, mas se dá sempre, à raiz das coisas, onde vem a si mesmo o mistério, a liberdade, o dom e o encontro. “A luz difusa” revela o tempo só pela aparência. O mistério, a liberdade, o dom e o encontro revelam o ser real à medida que se desenvolve com a realidade, à medida que se anda e caminha com a realidade, à medida em que se nasce e cresce com a realidade.

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“Bendito outono, cerne da existência/vetusto vinho ao qual não há recusa/.Sabor curtido por antiga essência”. Todas as vezes que se investiga o homem, mergulhamos no Ser, na Essência da Vida, no Cerne da Existência, transcendemos o próprio homem, atingimos o que é mais poderoso e vital do que ele mesmo, bebemos o vinho e não podemos recusar seja ele o néctar dos deuses, o néctar de fundamento e constituição de nossas vidas, o processo de nossa libertação na verdade é o sabor que curtimos, desfrutamos, refestelamos por antiga essência, a espiritualidade que clama e reclama por sua presença e realidade na vida dos homens, da humanidade.

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O Bendito Outono, como o senti, pressenti, intui, idealizei, lendo-o, é a nossa liberdade que só se dá como conquista, a liberdade que só existe como empenho de libertação, a liberdade que só se presenteia no e como desprendimento da verdade. É patente que todo homem é liberdade. E essa célebre afirmação de que o bom senso é a coisa mais bem partilhado do mundo não singifica apenas que cada homem ossui em seu espírito as mesmas sementes, as mesmas idéias inatas.

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É o “sabor curtido por antiga essência”, a essência de nossas esperanças de espiritualidade, de evangelização, de amor.

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Bendito outono, caríssima Lucília Cândida Sobrinho, é a vida, é a nosso eterno desejo de realização, de sermos semente que nas trilhas da vida distribuímos seus frutos aos homens e à humanidade, é a voz silenciosa que clama aos céus, ao Infinito, a sua realização plena e absoluta.

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Desejo-lhe, caríssima amiga, centenas de milhares benditos outonos, e que sua vida funda-se ao pleno, ao sublime, ao eterno, ao imortal. Seja muito feliz, e continua dizendo, falando, escrevendo sobre a VIDA por que tanto deseja transparente como as águas límpidas do rio sem margens, sem pressa.

RIO DE JANEIRO(RJ), 20 DE FEVEREIRO DE 2021, 02:46 a.m.

 

 


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